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QUEM SOU EU, AFINAL?


Você já parou para pensar em quem você é? E já conseguiu fazer isso usando apenas suas próprias palavras? Você teve sucesso em fazer uma descrição de si que não estivesse imersa em autocobrança ou julgamento dos outros? É uma missão mais difícil do que pode parecer e este texto é minha (possivelmente falha) tentativa de descrever quem sou eu.


Talvez faça sentido começar pela minha profissão, afinal, meu trabalho ocupa a maior porção das minhas horas e é fruto das minhas próprias decisões, certo? Eu sou professora, como o nome desta coluna já anuncia. Acontece que todo mundo sempre me disse que eu tinha um talento natural para ensinar e eu não sei dizer o quanto isso afetou a minha escolha de carreira. A gente pode fugir do talento natural? Será que os elogios apenas despertaram algo que já existia em mim ou será que apenas ofuscaram os outros caminhos possíveis?


Vamos tentar então apenas listar os adjetivos que eu acho que me definem. Isso. Vai dar certo. Seria impossível fazer isso sem uma boa dose de autoconhecimento, concordam? E deve caracterizar bem quem sou eu. Vamos lá... eu sou dedicada, empática e perfeccionista. Pronto! Parece impossível que eu tenha chegado nessas palavras por meio da boca de outros.


Apesar que meu pai, quando eu tinha menos de 10 anos, brigou comigo porque eu desisti de aprender a tocar piano, e desde então eu me recusei a desistir das coisas. Será que essa é a fonte da minha dedicação? Teria sido tudo para provar que meu pai não estava certo? Que eu não era uma desistente? E se ele nunca tivesse me dito isso? Eu seria dedicada?


Ok, empática e perfeccionista. Essas duas certamente são 100% minhas, não uma construção familiar ou social. É minha essência.


Exceto que teve aquela vez na adolescência que uma amiga desmarcou uma viagem porque eu fui a única que confirmei. Ela disse que não seria tão divertido e que eu era do tipo de amiga ótima para desabafar. É... eu me peguei a esse rótulo e passei a negar convites para viagens, bares, baladas, mas nunca para ouvir os outros desabafando. Foi desta vasta experiência em ouvir os problemas alheios, e tentar cumprir bem o meu papel de amiga, que eu conquistei a empatia que tenho hoje? Será que eu teria alguma empatia se aquela viagem tivesse acontecido?


Sobrou perfeccionista, isso tem que ter vindo de fábrica. Sempre fui assim, não? Mas quanto disso será que veio do fato de que minha família associava diretamente qualquer possível “falha” minha a uma falta de valorização a tudo que eles me davam? Eu não vim de uma família rica, mas vim de uma família que priorizou minha educação e fazer tudo perfeito era “nada mais do que minha obrigação”. Será que eu teria escolhido o agonizante caminho do perfeccionismo se eu tivesse sabido que há outra opção?


Então nada de adjetivos ou de profissão. Uma característica física marcante, então? Meu sorriso. Isso! Eu sou sorridente. Mas, e a Doutora Jussara, minha dentista de infância? Enquanto a maior parte dos dentistas que eu conheci na vida insistem para que eu feche um espaço que existe entre meus dentes da frente, a Jussara me dizia que eu tinha mais era que sorrir mais forte, para mostrar para o mundo como eu era diferente. Será que eu sorriria tanto se tivesse fechado meus dentinhos na adolescência – como a insegurança típica dessa fase me fazia querer?


Será então que eu não sou efetivamente uma professora dedicada, empática, perfeccionista e que sorri muito? Será que minha essência é de alguém completamente diferente disso e eu apenas permiti que as pessoas que me rodeavam me moldassem nessa que descrevo hoje?

É verdade. Talvez não exista nada em mim, ou nada de mim, que não seja fruto das interações que fiz com os outros. De escolhas minhas, vindas de comentários deles. De escolhas deles, que viraram definições minhas. Ainda assim... esta sou eu.


Começo a achar que este texto está todo errado, desde seu título e, principalmente, em seu propósito. E no fim, a pergunta mais importante, o desafio mais interessante, seja entender os motivos que nos levaram a ser quem somos. E usar sim, para tal, as nossas próprias palavras e, também a dos outros. Somos todos uma construção social e mesmo a minha mais teimosa insistência de me diferenciar é fruto das repercussões de algo que alguém me disse ou fez – será sempre algo nosso, mesmo que pareça meu.



Autoria: Gabriela Fonseca

Imagem de capa: Carlos Cruz/Reprodução: Flickr


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