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BBB21: UM RETRATO DA BIFOBIA NO BRASIL



“É só uma fase”, “Você só quer atenção”, “Quando você vai escolher?”, “Se é para sair do armário, saia de uma vez só”, “Você é promíscuo(a)”¹⁻²... Essas são algumas frases comumente ouvidas por bissexuais, e que servem como forma de invalidar e negar essa sexualidade. A bifobia, simplificadamente, o preconceito contra bissexuais, ainda é um tema relativamente pouco debatido no Brasil. No entanto, ganhou notoriedade nas últimas semanas devido ao Big Brother Brasil 21.


É difícil encontrar alguém no país que não esteja acompanhando ou, pelo menos, tenha alguma noção do que se passa no reality. O BBB é, primeiramente, uma forma de entretenimento, mas não deixa de ser, de certa maneira, uma vitrine da sociedade brasileira, trazendo à tona, por vezes, debates importantes e necessários. Na edição de 2020, por exemplo, algumas pautas levantadas no programa incluíram machismo e racismo. Na edição deste ano, a cultura do cancelamento, além da militância exacerbada, foram alguns dos tópicos debatidos. Porém, se houve um tema que ganhou visibilidade com o programa foi a bifobia, que será o assunto deste texto.



O que ocorreu?

Na madrugada do dia 7 de fevereiro, durante a festa “Holi Festival” no BBB, Gilberto Nogueira e Lucas Penteado protagonizaram o primeiro beijo entre dois homens na história do reality. O único outro beijo LGBTQIA+ do Big Brother Brasil ocorreu entre Clara e Vanessa, no BBB14, e esse beijo nem foi mostrado na edição.


Além da cena ter sido histórica por si só, foi também durante essa festa que Lucas, um homem negro de origem periférica, se assumiu bissexual em rede nacional - um ato extremamente corajoso e inédito em realities como o BBB - quebrando diversos estereótipos sobre sexualidade. O jovem de 24 anos revelou que ainda não tinha se assumido por medo de como seus amigos e familiares iriam reagir. O que ele precisava naquele momento era apoio e validação dos demais participantes, mas o que se seguiu foi o exato oposto.


Há dias, Lucas já vinha sofrendo constantes ataques e pressões psicológicas na casa, notoriamente por parte de Karol Conká, Lumena, Nego Di e Projota. Cabe relembrar que, com exceção de Juliette, Sarah e Gil, essas agressões eram reproduzidas ou, ao menos, relevadas por praticamente todos os outros participantes. Naquela noite, o rapper foi novamente humilhado e rejeitado.


Não faltaram falas acusando o jovem de estar apenas “usando” Gilberto e que o beijo, assim como a declaração de sua bissexualidade, seriam estratégias de jogo. Nego Di, por exemplo, afirmou que, por Lucas nunca ter dito previamente que era bissexual, ele estaria fazendo algum tipo de “performance”. Rodolffo também expressou pensamentos similares. Com exceção de João Luís - que disse não caber a ninguém julgar a sexualidade do outro - nem mesmo os demais participantes LGBTQIA+ da edição deram ao rapaz o conforto e apoio que ele necessitava. Lumena, que é lésbica, riu na cara de Lucas quando ele se assumiu e pediu para conversar com ela. Pocah, bissexual, acusou o jovem de beijar Gilberto para levantar pautas. Foram poucos os que defenderam ou ofereceram qualquer forma de apoio ao menino, grande parte da casa, apenas questionou e invalidou Lucas.³


Vale ressaltar que ocorreram outros beijos nessa edição (Tais com Fiuk, Karol Conká com Arcrebiano e Carla com Arthur), mas que foram celebrados sem que fosse levantada qualquer dúvida sobre a validade ou intenção por trás do casal. Sendo assim, ficou claro que o problema foi ter sido um beijo entre dois homens e, especialmente, por envolver Lucas, que já era perseguido pela casa.


A pressão, questionamento e invalidação aos quais submeteram Lucas, que já estava fragilizado, resultaram nele desistindo do programa na manhã seguinte ao beijo. Assim, o primeiro beijo gay do BBB não acabou com uma celebração da diversidade sexual, mas com um retrato do quão traumático pode ser “sair do armário”, e das consequências de negar a alguém sua identidade.



Mas o que é bifobia e quais as suas consequências?

A ONU define a bifobia como “o medo, ódio ou aversão irracional em relação a pessoas bissexuais''. É importante notar que esse tipo de preconceito pode ser exercido tanto por heterossexuais quanto por pessoas que também são parte da comunidade LGBTQIA+, como foi claramente visto no programa.


A bissexualidade, assim como as demais sexualidades não-monossexuais, ainda são constantemente apagadas e estereotipadas. Uma das principais formas de invalidação e invisibilização é a redução da sexualidade de um bissexual ao seu parceiro atual. Se um bisexual está em uma relação com alguém do mesmo gênero, ele continua sendo bissexual, o mesmo vale se estiver em uma relação com alguém de outro gênero que não o seu. A sexualidade não varia conforme o parceiro. No que tange aos estereótipos, alguns dos mais comuns incluem achar que bissexuais são pessoas promíscuas, indecisas, propensas à infidelidade, que estão em busca de atenção, entre outros.


O preconceito contra bissexuais traz consequências profundas para suas vidas. Uma pesquisa realizada nos EUA revelou que mais da metade (51.7%) dos bissexuais afirmam já ter sofrido alguma forma de discriminação no trabalho, no caso de pessoas bissexuais e de cor esse número sobe para quase 69%⁴. No Reino Unido, um estudo mostrou que quase metade dos bissexuais afirma ter sido discriminada ao procurar serviços de saúde.⁵


Um outro estudo, conduzido em Hong Kong, concluiu que os bissexuais correm maior risco de sofrerem de doenças mentais como depressão e ansiedade, além de serem menos conectados com a comunidade LGBTQIA+ e mais prováveis de não serem assumidos do que gays e lésbicas⁶. Ainda nesse tópico, é importante ressaltar que pessoas que se identificam com essa orientação sexual também estão mais propensas a serem vítimas de alguma forma de violência. Nos Estados Unidos, quase metade das mulheres bissexuais entrevistadas em uma pesquisa relatou já ter sido estuprada, uma taxa três vezes maior que a média entre mulheres heterossexuais e lésbicas. O mesmo ocorre com homens bissexuais, que são duas vezes mais propensos do que homens héteros e gays a sofrerem alguma forma de violência sexual no decorrer de sua vida.⁷



E no Brasil?

O Brasil é um dos países do mundo mais violentos contra pessoas LGBTQIA+. Em 2020, a cada uma hora um membro da comunidade foi agredido e, em 2019, a cada 23h um foi morto por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Ainda assim, o país carece seriamente de dados oficiais e atualizados em relação à porcentagem da população que se identifica como LGBTQIA+ e as dificuldades enfrentadas por esse grupo. Sem isso, é complicado implementar as mudanças estruturais necessárias para combater o preconceito e assegurar o direito de todos.


A Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, realizada em 2016, revelou que a LGBTfobia é a terceira maior causa de bullying no país, com 73% dos estudantes LGBTQ+ entrevistados tendo relatado que foram agredidos verbalmente no ambiente escolar e 36% que foram agredidos fisicamente. Jovens LGBTQ+ também são 8,4 vezes mais propensos a cometer suicídio do que jovens heterossexuais.⁸


Porém, vale relembrar que o Supremo Tribunal Federal determinou que a LGBTfobia é um crime, assim, qualquer preconceito contra membros da comunidade, incluindo os bissexuais, pode resultar em um processo penal. Cabe ressaltar que essa decisão, por si só, já é controversa, já que esse tribunal criou um tipo penal, uma atribuição do Legislativo. Mas o ponto principal é que decisões judiciais não são capazes de resolver os preconceitos e violências sistemáticas contra LGBTQIA + no país.



O que pode ser feito?

Um último tópico a ser debatido é o que pode ser feito para ajudar a combater a bifobia e proteger e assegurar o direito dos bissexuais. Segundo a ONU, alguns passos que poderiam ajudar com esse problema seriam: oferecer treinamento adequado e específico para agentes de segurança pública e da saúde lidarem com pessoas da comunidade, produzir dados e pesquisas que permitam analisar a realidade e dificuldades enfrentadas por bissexuais no país, consolidar leis e políticas pró-LGBTQ+ e que penalizem aqueles que desrespeitarem os membros dessa comunidade - não necessariamente apenas na esfera penal.


Por fim, um passo essencial é que se reconheça, de fato, a existência da bifobia, e se procure entender como ela se manifesta na sociedade brasileira. Nesse sentido, é importante e significativo que um programa com o alcance do BBB tenha trazido esse tópico à tona. Que de todo o preconceito enfrentado por Lucas e Gil fique uma lição sobre a latência dos preconceitos na sociedade brasileira, e como eles podem ser nocivos a uma pessoa.



Revisão: Letícia Fagundes e Glendha Visani

Imagem de capa: Peter Salanki/Wikimedia Commons


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REFERÊNCIAS


Fontes


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