dentro de mim corre um rio tempos atrás foi rio
de meandros criatura pródiga transbordava na cheia
formando o corpo híbrido
de um rio-margem
e se recolhia na baixa
viajante exausto
de volta à casa
mas a era das obras se impôs
às bordas antes sinuosas
trouxe escavadeiras
dragas
tratores dez mil operários seus infinitos braços de ferro
trabalharam noite e dia retificaram o curso apagaram meandros
canalizaram córregos
devastaram matas do leito um dia curvo
daquele velho rio
o exército fatigado conferiu ao fluxo
sua nova arquitetura fixando de vez a coisa margem que de ser que era
e não era pois margem só é por
não ser passou a ser destino.
margem nova
qual madre superiora calando as dúvidas
e enclausurando
as palavras do caudal retificado
mas vejam como ele corre!
como espanta o seu fluxo!
e lá vai o reto rio
com seu corpo de águas glutonas que tudo consome
rio que vaza e leva palavras e
homens e
coisas e cuidado
pois se transborda não há magia ou técnica
que consiga abater
sua formidável física
o tempo do rio que era não segue a cadência dos homens e muito menos o ritmo das máquinas
leva muito tempo um
moroso
vagar
geológico
para o rio reto voltar a ser rio de esplanada para que ressurja um outro ser rio aquele que já foi ou que poderia ter sido
apenas
meu
rio
Autor: Jose Bortoluci
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