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A OMISSÃO DA CONMEBOL NOS CASOS DE RACISMO DA LIBERTADORES 2022



A uma semana das oitavas de final da Libertadores, antigos problemas continuam sendo frequentes. Infelizmente, o início da Libertadores de 2022 ficou marcado por repetidos casos de racismo, que pareciam ser tão recorrentes quanto o apito final de cada jogo e manchavam o futebol apresentado dentro das quatro linhas. A naturalização dos ocorridos no noticiário é tão extensa que quase não paramos para refletir o tamanho da sua gravidade.


Ainda na pré Libertadores, os confrontos já presenciaram episódios de racismo contra a torcida do Fluminense, nos quais vídeos registraram imitações de macacos por torcedores do Olimpia-PAR, além de uma página de torcedores do Millonarios-COL no TikTok que gravou um vídeo chamando os torcedores brasileiros de “macacos, macaquinhos de favela”. Apenas a equipe paraguaia foi punida, sendo condenada a pagar 30 mil dólares.


Durante a fase de grupos, cenas lamentáveis voltaram a se repetir. Na segunda rodada, a torcida do River Plate foi flagrada atirando bananas em torcedores do Fortaleza, o que ocasionou em uma multa de 150 mil reais ao clube argentino aplicada pela Conmebol. A terceira rodada apresentou mais ocorrências marcantes: gritos de “macaco” da torcida do Emelec-ARG para torcedores do Palmeiras, além de vídeos que flagraram imitações racistas por torcedores da Universidad Católica-CHI e do Boca Juniors-ARG contra o Flamengo e o Corinthians, respectivamente. Este segundo caso contou com a prisão imediata do torcedor, que, após o pagamento da fiança, ironizou o ocorrido em uma postagem no Instagram dizendo: “Aqui não aconteceu nada”, acompanhado de um emoji de macaco.


Nas últimas semanas, pouco foi falado sobre possíveis punições e a ausência de condenações mais severas para que se possa evitar futuros casos. A quantidade de novas notícias que recebemos em tão pouco tempo faz com que casos recentes sejam apagados da nossa memória, e, a uma semana do início da próxima fase do torneio, vimos poucas medidas serem tomadas para punir os responsáveis pelos atos de racismo.


Após os seguidos episódios na edição de 2022, a Conmebol se pronunciou prometendo punições mais severas, considerando qualquer manifestação racista como “ABSOLUTAMENTE INACEITÁVEL”. Além disso, também foi afirmado que “A CONMEBOL promoverá mudanças nos regulamentos para AUMENTAR e ENDURECER as penalidades em casos de racismo.” e que o avanço tecnológico pode beneficiar o futebol para prevenir episódios de racismo, “pois agora é possível IDENTIFICAR COM CLAREZA OS INFRATORES E PUNI-LOS COM MAIOR SEVERIDADE.”


Mesmo assim, o posicionamento em questão pouco diz sobre as propostas ou medidas da Conmebol para possíveis novos casos, e nem aumenta as punições dos atos já cometidos. Seu texto parece mais demonstrar um inconformismo quase unânime na sociedade, que chega a soar tão vago quanto ouvir que “racismo é ruim”. Faltam medidas, faltam propostas e falta a materialização de um sentimento de injustiça no racismo que é alegado por muitos, mas posto em prática pela minoria.


Além de apenas uma sensação, a presença do racismo na sociedade contemporânea foi confirmada pela maioria dos participantes em uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva. Entre os dias 15 e 20 de abril de 2021, 1630 pessoas foram entrevistadas em 72 cidades do país para entender como o racismo estrutural impacta a vida das pessoas negras no Brasil em uma iniciativa encomendada pelo Carrefour, em grande parte motivada pela morte de um homem negro por espancamento em um supermercado da rede no final de 2020. Por mais que os casos ocorridos na Libertadores envolvam toda a América do Sul e caracterizem expressões de racismo explícito, não apenas estrutural, os números se mostram relevantes. Na pesquisa, 84% da população brasileira considerou o Brasil um país preconceituoso em relação a pessoas negras, enquanto apenas 4% dos candidatos assumiram ter algum tipo de preconceito. Muito se diz, se acha e se pensa contra o racismo, mas pouco se faz, simplesmente por não enxergarmos a forma em que práticas preconceituosas já estão enraizadas na sociedade ou pela má-fé de quem não está disposto a perder seus privilégios de não lidar constantemente com essas questões.


O esporte não deixa de ser um retrato da nossa sociedade, no qual um ato racista pode se mostrar chocante e incabível, mas atos que impeçam práticas racistas já normalizadas são raros. Alguns torcedores foram presos e pagaram fiança, alguns clubes pagaram uma multa que representa uma ínfima fração de suas receitas milionárias, mas exatamente no momento em que você lê esse texto, todos os responsáveis pelos atos racistas gozam de sua liberdade, enquanto os seus respectivos clubes continuam participando de todas as competições.


Sempre tendi a ser relativamente contrário a punir os clubes ou toda a torcida de um time por atos isolados de indivíduos, pois decisões erradas de poucas pessoas poderiam prejudicar planejamentos anuais de clubes, além de diversas pessoas que gostam de apreciar o esporte, algo que seria, na minha visão, injusto. Mesmo assim, ainda valem os questionamentos: Até que ponto seria injusto? Seria tão injusto tomar uma medida radical para extinguir práticas racistas do futebol? Seria tão injusto deixar de normalizar ou diminuir práticas preconceituosas em um ambiente esportivo com o intuito de também diminuí-las na sociedade?


Por enquanto, tudo o que há são pequenas multas e breves prisões que logo são esquecidas. Temos um inconformismo generalizado com práticas inaceitáveis, mas poucos atos ou propostas que pretendem evitar a sua repetição. Temos a omissão da maior entidade futebolística da América do Sul, que não consegue dar fim aos constantes casos de racismo em suas partidas por sempre ter multas baixas, penas insignificantes e não se posicionar firmemente na condenação de tais comportamentos dentro dos estádios.


Em pleno início da fase de eliminatórias da Libertadores, os primeiro eliminados são o bom senso, o respeito e a igualdade. Vemos a vitória do racismo, da omissão e da ignorância, que, pelo visto, se mostram fortes candidatos pela disputa do título de mais um espetáculo trágico do futebol.



Autoria: Thomás Danelon

Revisão: André Rhinow e Arthur Santili

Imagem de capa: Mosaico da torcida do Fortaleza - Foto de Matheus Amorim/FEC


FILIPPE, Marina. No Brasil, 84% percebe racismo, mas apenas 4% se considera preconceituoso. Publicado em 28/04/2021, Exame. Disponível em: <https://exame.com/negocios/no-brasil-84-percebe-racismo-mas-apenas-4-se-considera-preconceituoso/>


FERNANDEZ, Martin. Conmebol promete punições mais duras a clubes em casos de racismo. Publicado em 29/04/2022, Globo Esporte. Disponível em: <https://ge.globo.com/futebol/noticia/2022/04/29/conmebol-promete-punicoes-mais-duras-a-clubes-em-casos-de-racismo.ghtml>


Conmebol promete punições mais duras a clubes em casos de racismo. Publicado em 27/05/2022, R7. Disponível em: <https://esportes.r7.com/futebol/fotos/relembre-os-casos-de-racismo-contra-times-brasileiros-na-libertadores-2022-27052022#/foto/1>

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