Uma reflexão sobre o mundo dos esportes e seu papel na sociedade culturalmente consumista, feita pelo nosso redator Gabriel Freitas
Este texto, à diferença do anterior desta coluna, visa a propor uma reflexão diferente acerca do mundo dos esportes, isto é, tentará de alguma maneira aproximar a lógica do mundo desportivo do conceito de sociedade do espetáculo desenvolvido por Guy Debord. Para cumprir este objetivo, utilizarei como método o esforço de explicitar o conceito de Debord para depois relacioná-lo com um caso concreto do mundo dos esportes.
Para definir exatamente o que viria a ser a “sociedade do espetáculo”, precisamos partir de dois pressupostos: a noção de fetichismo da mercadoria e sua própria noção de espetáculo. Essa pode ser definida, como fazem Juliana Paiva e Robson de Oliveira, como “momento do desenvolvimento pleno da lógica mercantil de Marx” (Paiva; Oliveira; 2015: 141). Já aquela pode ser o “automovimento de valorização incessante do dinheiro” (Paiva; Oliveira; 2015: 143), ou seja, a ideia de que o capital se movimenta, se divide e se multiplica de maneira completamente autônoma.
Vistos estas duas noções, podemos definir o conceito de sociedade do espetáculo. A sociedade do espetáculo pode ser conceituada como a consolidação do fetichismo da mercadoria, o qual atinge um alto grau de desenvolvimento e controla as relações sociais modernas. Dessa forma, a sociedade do espetáculo muito se liga à “sociedade de consumidores” de Zygmunt Bauman, a qual se caracteriza pela “transformação dos consumidores em mercadorias” (Bauman; 2008: 20).
Agora resta a parte mais difícil, que é inserir a dinâmica dos esportes nessa sociedade. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que, nos últimos anos, os estudos a respeito dessa comparação são bem incipientes, principalmente no Brasil. A maioria dos artigos escritos nesse sentido datam do início do século, o que aponta para uma falta de dados comparativos, sendo apenas um datado de 2014.
Vamberto Miranda Filho e Igor dos Santos entendem que “o esporte tornou-se uma espécie de espetáculo, sendo transformado num dos maiores produtos de consumo predominantemente viabilizado no mundo inteiro” (Miranda Filho; Dos Santos; 2014: 865, 866). Mais ainda, Werlayne Leite encontra um comportamento típico desta espetacularização do esporte ao apresentar a ideia de que a mídia se relaciona com ele não apenas “na sua transmissão, mas também na produção, transformação e ressignificação” (Leite; 2008: 1).
Nesse sentido, se utilizarmos esporte como categoria genérica, isto é, sem fazer uma discriminação entre as diferentes modalidades, podemos encontrar alguns padrões relativos a esta objetificação. Por exemplo, há a predominância do “Esporte do Rendimento”, ou seja, a prática relacionada a grandes atletas, vendas de produtos, grandes transmissões. Outra característica seria a idolatria da mídia para com atletas fora da curva, os “superatletas”. Aqueles que recebem mais patrocínio, que concedem mais entrevistas.
Fora isso, há algumas características da mudança promovida pela grande mídia no âmbito dos esportes listadas pelo National Institute for Social Media, sendo elas o live streaming, as páginas de atletas e clubes nas redes sociais, a presença marcante de fãs nas redes sociais das estrelas, a divulgação de conteúdo relativos às partidas (pré-jogo, estatísticas, escalações), os fóruns de discussão online sobre os esportes e as campanhas de incentivo às práticas esportivas.
Entretanto, a NISM se esqueceu de listar um dos principais aspectos que vem se desenvolvendo nos esportes principalmente em razão dessas mudanças trazidas pela mídia: as apostas. Por exemplo, só o mercado brasileiro já movimenta cerca de 2 bilhões de reais por ano segundo a Info Money. E este valor, caso houvesse a regulamentação das apostas em território nacional, subiria para 10 bilhões de acordo com estudo feito pela FGV.
O fato de ser um mercado extremamente promissor comprova a ideia da espetacularização do esporte. Ora, o esporte está sendo utilizado como ferramenta de capitalização, ou seja, ele se tornou um meio de movimentar capital. Nesse sentido, a rede de informações da mídia é essencial, pois é ela que fornece para os apostadores dados nos quais eles irão se apoiar para tomar a decisão da aposta. Não só isso, o esporte é utilizado para promover grandes marcas, vender produtos e cultuar atletas.
E este culto, no entendimento de Werlayne é problemático para o desenvolvimento da sociedade. Isso porque a mídia incute a ideia de que o esporte pode “salvar” os menos favorecidos, além desse “Esporte do Rendimento” (aquele que privilegia os vencedores) se desvincular das características realmente benéficas do esporte: a saúde e o lazer. Este novo esporte do espetáculo é um esporte de vencedores, em que o erro é execrado e o perdedor destituído de valor. Até que ponto isso não se reflete no nosso cotidiano?
Trilha Sonora Sugerida: We Are the Champions — Queen
Bibliografia Utilizada:
BAUMAN, Zygmunt. Vida Para Consumo. Trad. Carlos Albert Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
LEITE, Werlayne Stuart Soares. Ilusão em massa: o papel da mídia no esporte. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - No 123 - Agosto de 2008.
Paiva, J., & de Oliveira, R. (2015). A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: UMA AUTOTRADUÇÃO COMO CRÍTICA. Revista Non Plus, 4(7), 139-155. https://doi.org/10.11606/issn.2316-3976.v4i7p139-155
https://nismonline.org/6-ways-that-social-media-has-an-influence-in-sports/ acesso em 29/03/2019
https://bettingsites.me.uk acesso em 29/03/2019
http://thesportdigest.com/2018/11/the-impact-of-social-media-in-sports/ acesso em 29/03/2019
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