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CLICHÊ



Quando penso em você, penso no sol aquecendo minha pele em uma tarde de outono de um domingo qualquer. Penso nos nossos passeios de bike no parque Ibirapuera, onde, no meio de tantas vozes, eu só escutava seu riso frouxo. Penso na paz de um amor tão, mas tão tranquilo, que me faz refletir sobre minha própria inquietação. Que sorte a minha. 


Não consigo deixar de lado as memórias de um tempo em que eu evitava o silêncio, já que ele amplificava a voz insistente da minha cabeça: quando vai ser minha vez? Buscava essa resposta no horizonte, em comédias românticas e livros de psicanálise — uma dose de espiritualidade, outra de romantismo, e uma última de autoconhecimento. Cheguei a certo ponto que sentia que sabia absolutamente tudo sobre mim mesma, mas não era suficiente. Queria que alguém me conhecesse e decidisse ficar, nem que só por curiosidade. Até que você puxou sua cadeira e ficou — e eu nem tive que pedir. 


A este ponto, não ligo de não saber exatamente o que chamou sua atenção. Toda vez que eu pergunto, você diz uma coisa nova, invisível aos meus olhos. Às vezes, acho que você acredita mesmo no que está falando, talvez tenha sido sim meu temperamento ou até as sardinhas que cobrem meu rosto depois de alguns minutos no sol. Mas o que me importa é que é você responsável pela vermelhidão que toma minhas bochechas a qualquer mínimo elogio — não que eu ouse admitir isso em voz alta. Sou a sortuda que já traçou todas as pintas do seu rosto, mais vezes do que pode contar.  


Fico até incomodada de como você consegue tirar essas palavras da minha boca. Eu que nunca fui — e ainda não sou — fã do grude, dos clichês e dos grandes gestos me permito dizer palavras melosas (com plateia, ainda).  Alguns ousariam me chamar de romântica, título que nunca engoli, e não engolirei tão fácil. Mas, por você, deixo meu orgulho um pouco de lado e admito, sou um pouquinho, mas só um pouquinho — que fase.


Fico pensando se você não vai me achar meio desajustada quando ler isso tudo. Principalmente porque você não é você ainda. Corre solto no meu subconsciente, visitando meus sonhos e tornando a solidão um pouco mais melancólica. Tento te encontrar na forma corpórea, mas confesso nunca ter chegado perto o suficiente para saber se é mesmo você. Sem sua presença, não existem os passeios de bike, eles também são fruto do meu imaginário. Sem você, contemplo o silêncio. Sem você, ninguém escolheu ficar. Só a voz, cada vez mais alta, indagando: quando vai ser minha vez? 


Sigo acompanhada do horizonte, das comédias românticas e dos livros de psicanálise. Três doses homeopáticas de esperança. Dentro de mim, sobra um amor avassalador que aperta o peito, e ele não pode existir em vão, me recuso a acreditar nessa possibilidade. Ele tem um propósito e um dia terá em quem habitar. Até lá, espero você e o seu amor, do jeito que ele for. Só peço um favor: chega logo? Estou louca para contar as pintas do seu rosto. 


Autoria: Fernanda Abdo

Revisão: Artur Santilli e André Rhinow 

Imagem de capa: Pinterest


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