Em 2016, a Gazeta Vargas publicou mais uma edição impressa. A manchete principal, o título de uma matéria-denúncia, era chamativa: “Na EESP, as bolsas são só Prada e Gucci”. Na época, a escola da FGV era a única que ainda não possuía bolsas de estudo por necessidade econômica. Essa realidade ainda perdurou por mais 7 anos. Foi apenas em 2023 que a EESP concedeu, pela primeira vez, as famosas BNE.
Em fevereiro deste ano, a Escola de Economia de São Paulo deu as boas vindas à primeira geração de bolsistas por necessidade econômica. 5 bolsas de estudos 100% foram separadas, mas hoje apenas um aluno foi contemplado para ingressar na segunda melhor graduação em economia do país[1] de forma totalmente gratuita.
Fundado em 2003, o curso de economia da FGV é referência no país e no mercado por sua formação diferenciada e pelo método PBL (Problem Based Learning). Entretanto, por toda a dificuldade da graduação, conhecida entre os alunos da Fundação por ser a mais intensa da faculdade, a Escola nunca havia oferecido bolsas por necessidade econômica. A motivação, segundo docentes, era de que pessoas advindas de instituições públicas ou de outros contextos sociais não poderiam acompanhar as demandas exigidas.
De fato, a rede pública de ensino possui lacunas que impactam o aprendizado dos alunos. Dados recentes do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) mostram que 96% dos alunos oriundos da rede pública de ensino do estado de São Paulo não conseguem fazer equações de 1° grau[2], conteúdo básico do curso de economia, por exemplo. Esse número revela a desigualdade educacional que ainda perdura no país e, ainda, impede o acesso pleno de pessoas de diferentes realidades sociais no ambiente da FGV-EESP.
A mudança ocorreu com o modelo das bolsas oferecidas. O primeiro aluno bolsista da EESP, Jorge Conde, é contemplado por uma modalidade de bolsa advinda desde o seu ensino médio, cursado em uma escola tradicional da capital paulistana, colégio de excelência que também formou inúmeros outros alunos da Fundação Getulio Vargas. Com uma boa base desde aquela época, foi oferecida para ele a BNE por seu desempenho no vestibular.
Jorge afirma que “A ideia da EESP foi facilitar o acesso de alunos de baixa renda. Entretanto, por conta do método de ensino e da complexidade da graduação, eles entenderam que seria muito complicado para um aluno de escola pública aguentar a rotina. Por conta disso, a parceria com o projeto do qual faço parte foi a solução encontrada, pois todos os participantes [deste] vieram de escola pública, mas fizeram o ensino médio em uma escola particular, fato que facilita o acompanhamento da graduação.”
Para além da bolsa, a realidade de alunos de baixa renda dentro da FGV tangencia outros aspectos relacionados, como cultura, raça e espaço geográfico. Na EESP as coisas não são diferentes. Mesmo assim, Jorge diz não ter notado tratamentos problemáticos ou mesmo uma não aceitação por parte dos alunos. “Querendo ou não a EESP é um ambiente bem elitizado, justamente por conta da mensalidade e, por ser um curso com baixo número de ingressantes anuais em uma universidade tradicional, a questão da diversidade é um pouco prejudicada. Apesar disso, eu não posso reclamar do tratamento que recebo dos outros graduandos e muito menos dos professores”, afirma ele.
Em comparação com as outras escolas da FGV, a EESP foi a última a abrir as bolsas de necessidade econômica para os ingressantes. Este fato gera demandas que não existem nas outras escolas. Como a parceria proposta foi modelada em conjunto entre a FGV e o projeto do qual Jorge faz parte, pôde-se formular um bom acompanhamento. Segundo o estudante “[...] o acompanhamento da coordenação é impecável, sou muito grato por todo apoio institucional, principalmente da diretora Lilian Furquim, que me contatou e explicou sobre a bolsa, e da coordenadora do curso de economia Gabriela Fonseca. Inclusive, a própria Gabi marcou uma reunião com todos os alunos que receberam uma porcentagem da bolsa para conversar sobre o desempenho acadêmico e a adaptação ao ensino e se colocou à disposição para conversar sobre esses assuntos”. Medidas como essa fazem parte de um processo de abertura da FGV para a diversidade social e a pluralidade nas salas de aula que foi adotado nos últimos anos.
“[...] tem avanços, mas ainda precisa muito. [Acredito que] a FGV está sim tentando, mas pode tentar muito mais. Estamos em uma das faculdades referências na América Latina, na qual várias pautas são sobre a diversidade, mas isso não é algo que nós realmente vemos no corpo de alunos da GV. [Eu] conheço todos os alunos da FGV que são negros, por exemplo. Conheço também todos os alunos bolsistas, pois eles expõem os nomes no sétimo andar. Se não é para diferenciação, não sei para o que é. [...] Então, quando falamos de diversidade, falamos de bolsa, mas não podemos esquecer de fatores raciais, que estão intimamente ligados a essa questão. Políticas embrionárias de diversidade, inclusive racial, não são totalmente efetivas”, diz Agatha Garmes, estudante de Administração Pública, hoje o curso com mais bolsistas da faculdade[3].
Em 2016, época em que a primeira matéria sobre a situação de bolsas na EESP foi escrita, a FGV já implementava políticas de permanência social. Em especial, a Escola de Direito de São Paulo (EDESP), se destacava por possuir, além das bolsas, auxílios não restituíveis para os alunos de baixa renda.
“Acho que é muito bom finalmente [a FGV] ter bolsistas em economia. Porém, acho que ainda tem muito o que melhorar. Poderiam olhar o exemplo da GV Direito e replicar isso em outras escolas para garantir não só bolsa, mas também condição do aluno continuar no curso” diz aluno bolsista de Administração de Empresas.
Ao discorrer sobre seu futuro na faculdade, Jorge deixa claro que não quer perder nenhuma chance. “[...] Eu espero conseguir aproveitar todas as oportunidades que tenho, desde comparecer nas palestras até fazer parte das entidades ou até do Diretório Acadêmico. [...] Entrar na FGV abriu ainda mais portas para que eu possa me desenvolver ativamente para o mercado de trabalho e também trabalhar as competências socioemocionais como o trabalho em equipe e a liderança. [Por isso] pretendo me formar com excelência acadêmica e me destacar pelo enriquecimento do meu currículo fora das matérias obrigatórias da graduação.”
Autor: Arthur Quinello Revisão: Anna Cecilia Serrano, Artur Santilli e Enrico Recco
Capa: Portal FGV/divulgação
Referências:
[1] Segundo Ranking Universitário da Folha de 2019 - análise do mercado. Disponível em: https://ruf.folha.uol.com.br/2019/ranking-de-cursos/economia/
[2] 96% dos alunos da rede estadual de SP concluíram ensino médio sem saber resolver equação de 1o grau. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/03/96-dos-alunos-da-rede-estadual-de-sp-concluiram-ensino-medio-sem-saber-resolver-equacao-de-1o-grau.shtml#:~:text=Prova%20do%20Saresp%20feita%20no> Acesso em: 1 jun. 2023.
[3] Segundo dados coletados pelo Coletivo Plutão no primeiro semestre de 2023.
(coleta com 50 bolsistas não respondentes)
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