O FUTURO DE BOLSONARO: ENTREVISTA COM LUISA FERREIRA
- Erick Martins Rosario
- 6 de abr.
- 9 min de leitura

No último mês, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados e assessores. A decisão foi unânime entre os ministros: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Com isso, Bolsonaro se tornou oficialmente réu por tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros. Diante disso, o Capitão enfrenta agora uma ação penal no STF, a qual pode acarretar em sua prisão.
Para entender os próximos passos do processo que investiga a participação de Bolsonaro no plano que, supostamente, almejava a deposição do governo democraticamente eleito de Luiz Inácio Lula da Silva, a Gazeta Vargas entrevista a professora de Direito e Processo Penal da Fundação Getúlio Vargas, Luisa Ferreira:
Na última semana, o STF recebeu a denúncia da PGR contra o ex-presidente Bolsonaro. Por quais crimes ele é acusado e qual o seu estado jurídico atual? Ele pode ser preso no futuro próximo?
Ele é acusado de cinco crimes: golpe de Estado, atentado violento ao Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e dano ao patrimônio público protegido. A situação de agora é a de que a denúncia foi recebida, portanto, ele e os sete são, oficialmente, réus no processo.
Vai se iniciar uma instrução criminal na qual serão produzidas todas as provas que, do ponto de vista da acusação, vão confirmar toda a hipótese acusatória posta na denúncia, e a defesa, nesse momento, vai fazer as provas que ela acredita que irão infirmar tudo isso que foi colocado na peça acusatória.
São ouvidas testemunhas, feitos interrogatórios. Depois, tanto acusação, quanto defesa, vão fazer suas alegações finais. Então, têm a oportunidade de se manifestarem novamente – agora com toda prova produzida – e, posteriormente, haverá uma sentença.
Lembrando que a denúncia foi fatiada em cinco pedaços: hoje, Bolsonaro e mais sete que compõem o núcleo central, segundo a acusação, da tentativa de golpe são réus, mas o Supremo, além de iniciar a instrução contra o Bolsonaro e os sete, vai também julgar o recebimento das outras denúncias fatiadas.
Bom, se ele pode ser preso? Para uma pessoa ser presa antes do trânsito em julgado da condenação, essa prisão só pode ser uma prisão preventiva. Então, ela precisa de cautelaridade. Ou seja, precisamos que a acusação peça essa prisão com base em algum fato que indicasse que a prisão seria necessária para garantia da ordem pública e econômica ou para a aplicação da lei penal ou para a garantia da instrução criminal.
Esses requisitos estão no artigo 312 do Código de Processo Penal, mas, basicamente, o que a acusação teria que demonstrar é que existe um motivo excepcional – deveria ser, pelo menos excepcional – para que ele ficasse preso agora. Quais seriam os exemplos? “Existe uma notícia de que o Bolsonaro está se preparando para fugir do Brasil”. Esse é um motivo que eventualmente pode ser considerado para uma prisão preventiva. Ou “Está falando com testemunha; está falando com o Mauro Cid”: é prisão preventiva.
O general Braga Netto fica preso preventivamente, justamente, para garantia da instrução criminal porque haveria um indício de que ele haveria tentado mudar ou influenciar, de alguma forma, a delação do Mauro Cid.
Então, apenas nessa hipótese que o Bolsonaro poderia ficar preso antes do trânsito em julgado.
Nos dias que antecederam o julgamento, o STF analisou uma série de solicitações das defesas para que os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino e Cristiano Zanin fossem declarados impedidos para julgar o caso. Os pedidos foram rejeitados pelo Plenário da Corte. Mesmo assim, a permanência, especialmente, do ministro Moraes tem desagradado setores da sociedade e dos juristas. Isso porque as investigações apontam que o homicídio do relator do caso era um dos planos dos investigados, o que poderia torná-lo interessado direto no caso. Qual a sua avaliação sobre o pedido de impedimento desses três ministros?
Temos uma situação curiosa, na qual potenciais vítimas dos crimes são elas próprias as julgadoras do caso concreto. É natural que isso soe problemático e, eventualmente, haja alegações de que isso afeta a imparcialidade de quem está julgando. Mas este caso é de um todo complexo e excepcional porque ele envolve a cúpula do Poder Executivo em ataques à cúpula do Poder Judiciário.
As regras de foro privilegiado existem – “Por que um presidente deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal?” – por conta de um sentido. Esse sentido é o de que é importante que essa pessoa seja julgada sem a possibilidade de que influencie um juiz de uma comarca pequena. Então, pela magnitude do caso, que isso seja julgado por instâncias superiores.
A regra faz sentido e essa é a regra existente. Ficaria difícil de abrir uma exceção, justamente, em razão da magnitude e complexidade do caso, para as próprias regras de foro privilegiado.
Agora, a partir daí, a participação dos três especificamente no julgamento, de um lado, faz sentido que as defesas não queiram ou argumentem que há uma quebra de imparcialidade quando essas pessoas que estão diretamente afetadas nos fatos são julgadoras dos fatos que estão sendo julgados.
Por outro lado, queria só levantar um ponto problemático de se declarar a suspeição dessas autoridades – não tenho resposta definitiva para a sua pergunta. Isso permitiria que essas pessoas investigadas, e agora acusadas, uma a uma, escolhessem quem elas não querem que as julguem. Então, se toda vez que um ministro do Supremo é atacado, ele vira suspeito para julgar o caso, tem-se uma forma muito fácil de se escolher quem serão os julgadores.
“Não quero ser julgado pelo ministro Zanin, ataco o ministro Zanin”. “Não quero o ministro Alexandre de Moraes no meu caso, ataco o ministro Alexandre de Moraes”. Então, diria que é uma situação que não tem uma saída fácil diante da complexidade desse caso.
Durante a análise da denúncia na Primeira Turma do STF, o ministro Fux deu duas sinalizações tidas como relevantes às defesas dos acusados. Em primeiro lugar, o ministro considerou que o local adequado para o julgamento seria o Plenário do STF e não a Primeira Turma. Na sua avaliação, o STF tem competência para analisar o caso? Em qual colegiado?
A alegação que é feita sobre a ausência do Supremo Tribunal Federal para julgar o caso é uma alegação baseada nas regras de foro privilegiado que foram se alterando muitas vezes e de forma problemática pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, dizia que julgava só as autoridades enquanto elas ocupam os seus cargos; e, ora, dizia que o foro privilegiado se estende para depois da ocupação dos cargos.
O Supremo recentemente muda sua interpretação e a partir dessas constantes idas e vindas, o ministro Luiz Fux vê uma quase que uma arbitrariedade na forma como o Supremo decide quem julga e quem não julga. Segundo ele, como, por muito tempo, se decidiu que o foro privilegiado só vale para o momento em que as autoridades estão imbuídas de seus cargos e agora não mais estão, o STF não seria o locus adequado.
Agora, a jurisprudência do Supremo Tribunal hoje é de que o Supremo mantém a competência mesmo que depois das autoridades deixarem os cargos. O fato deles serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal está de acordo com a jurisprudência de hoje do Supremo. Mas é importante dizer que o Supremo tem mudado bastante essas regras, o que é um problema para a segurança jurídica.
O outro ponto é de que não seria o Plenário. Essa questão foi também uma alteração recente do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que, em 2023, passou a prever que os casos de Ação Penal Originária, como essas, seriam julgados não pelo Plenário, mas sim pelas Turmas. Essa é uma previsão regimental, então, o fato deles estarem sendo julgados hoje pela Turma está longe de ser ilegal porque a previsão do regimento é justamente essa.
O que se argumenta é que o fato de ser um caso de grande magnitude permitiria pelo Regimento que o relator destacasse esse caso e o levasse para o Plenário. Quem argumenta que isso seria desejável está dizendo que: por ser um caso de muita magnitude e grande repercussão, por se tratar de julgamento de ex-presidente e ex-ministro de Estado, teria mais legitimidade um julgamento pelo Plenário.
Quem argumenta que o julgamento deveria ficar na Turma, argumenta que: justamente, por ser um caso de grande repercussão, o melhor é que se siga a previsão do Regimento e a regra é o julgamento pela Turma.
Na minha visão, não é ilegal esse caso estar sendo julgado pela Turma porque é o que prevê o Regimento. Mas, concordo que poderia haver uma melhor legitimidade da decisão se pudéssemos esvaziar esse argumento que tem sido feito contra o fato de estar na Turma.
Ainda no voto do ministro Fux, ele também questionou, em certo ponto, a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, em razão da série de depoimentos realizados para que se chegasse a alguma conclusão. Foram nove depoimentos ao todo. A senhora acredita que há espaços para a contestação da delação premiada do Cid? Ela pode vir a ser anulada em um julgamento final?
Com certeza há espaço para questionamento. Agora, é importante dizer que existem duas formas de se questionar uma delação premiada. Pode-se questionar a própria validade do acordo. Ou seja, entender que o acordo não seguiu os trâmites legais e, por isso, invalidar o acordo como um todo.
Ou é possível que se mantenha a delação e o acordo nos autos, não anulando o acordo porque ele está hígido – ou seja, cumpriu as formalidades legais –, mas avaliar com ressalvas a prova obtida a partir do acordo porque nesse ponto não ficou comprovado, etc.
O fato dele ter feito nove depoimentos, no meu ponto de vista, não é o que pode gerar uma nulidade do acordo. Embora, ele tenha a obrigação de dizer a verdade, ele ir consertando aos poucos essa delação, ter, eventualmente, informações novas não gera invalidade do acordo como um todo, mas pode fazer com que os ministros – ou deveria fazer com que os ministros – levassem isso em consideração na hora de avaliar a eficácia do acordo.
Lembrando que o acordo não é prova. A delação não é prova, ela é meio de obtenção de prova. Não se pode basear exclusivamente no que diz o Mauro Cid para condenar ninguém. É necessário que o acordo sirva para que se obtenha mais provas.
As defesas fazem outras alegações, que são, sim, essas alegações de mácula da validade do acordo de delação. Dizem, por exemplo, que ele foi instruído ao longo das delações pelo ministro Alexandre de Moraes. Também existem os vazamentos em que ele teria dito para algumas pessoas que ele está mentindo; ele fala sobre o acordo com outras pessoas, essa é uma violação de regra de acordo. E essas são as hipóteses de nulidade do acordo por violação de uma regra.Isso acho que o Supremo já superou mantendo o acordo no processo. Agora, o que acho que pode acontecer, onde tem mais espaço, é para que se avalie com muita ressalva o que vem do Mauro Cid.
A defesa do ex-presidente Bolsonaro alegou que “não se achou absolutamente nada” contra ele. Considerando o material reunido até o momento pela Polícia Federal e pela PGR, a senhora acredita que há provas suficientes para a condenação do ex-presidente? Por quais crimes?
O material produzido pela Polícia Federal e reunido pela PGR na denúncia são elementos informativos que são feitos de forma unilateral, sem contraditório e ampla defesa e que servem para embasar a denúncia. Para que se tenha uma condenação, tudo isso que está dito na denúncia precisa ficar comprovado em prova produzida em contraditório.
Portanto, se tudo isso que está na denúncia for comprovado, entendo que há bastante elementos para uma possível condenação. Mas não com base no que já está, a história que está posta na denúncia – até um dos advogados disse isso, acho que é uma boa metáfora – é a melhor versão da acusação. Agora que começa o processo.
Se tudo isso ficar comprovado e a defesa não trouxer nada que infirme o que está dito na denúncia, acho sim que existe um fio condutor e elementos suficientes para uma condenação. Agora, só com o que temos até o momento, de forma alguma. O que temos agora serve só e, exclusivamente, para o oferecimento de denúncia. Agora, vêm as melhores versões da defesa.
“Por quais crimes?”, a questão dos crimes é espinhosa. Eles estão sendo processados por cinco crimes, na minha visão muito pessoal, muitos deles poderiam ser absorvidos. Isso quer dizer que não são todos os cinco crimes que se configuram mesmo que seja comprovado tudo isso que está dito na denúncia. Essa questão ainda foi pouquíssima discutida pelo Supremo e os argumentos não foram postos ainda, porque a questão da classificação jurídica dos fatos é feita mesmo ao final.
O Supremo já vem condenando muita gente pelos cinco crimes, já entendeu que é possível ter concomitantemente o crime de golpe de Estado e o atentado violento ao Estado Democrático de Direito, o que significa que tudo indica que, se comprovado tudo dito na denúncia, é muito provável e é possível que o Bolsonaro seja condenado pelos cinco crimes, embora, a defesa com certeza vá argumentar que não todos eles se aplicam ao caso.
A condenação do ex-presidente Bolsonaro pode acontecer ainda neste ano?
Tem chances de sair condenação neste ano sim. Acho que é o que o Supremo quer, o Supremo quer evitar a qualquer custo que esse caso se estenda para o ano eleitoral. Se eles vão conseguir ou não é outra história.
Autoria: Erick Martins Rosario
Revisão: Ana Carolina Clauss e Isabelle Moreira
Imagem da capa: Maria Luísa Arruda
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