No domingo da semana passada (21/05), o atacante da seleção brasileira Vinícius Júnior foi vítima de cânticos racistas durante partida contra o Valencia no Campeonato Espanhol, no qual joga pelo Real Madrid.
O incidente se deu no início do segundo tempo, quando torcedores do Valencia começaram a ecoar e repetir a palavra “mono”, termo para “macaco” em espanhol, direcionada ao atacante brasileiro. O jogador procurou sinalizar ao árbitro a situação e tentou convencê-lo a aproximar-se da torcida quando identificou um dos torcedores que o insultava, mas foi ignorado. A partida foi paralisada por aproximadamente oito minutos, tempo durante o qual o sistema de som do estádio informou que o jogo apenas prosseguiria quando os gritos racistas cessassem. Posteriormente, durante os acréscimos, Vini Jr. ainda recebeu um cartão vermelho e foi expulso da partida após acidentalmente acertar o rosto de um dos jogadores do Valencia, que o segurava em um mata-leão em uma confusão entre o brasileiro e o goleiro do time adversário.
Mais tarde, no mesmo dia do ocorrido, o brasileiro se pronunciou em suas redes sociais sobre o caso e sobre a contínua onda de atos racistas que tem sofrido na Espanha, principalmente nos jogos da La Liga, primeira divisão da liga espanhola de futebol profissional. A liga conta com alguns dos maiores clubes de futebol profissional do mundo, incluindo times como Real Madrid e Barcelona.
“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi, hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhois que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui. 🖤✊🏿”
O posicionamento do jogador foi muito bem recebido por torcedores brasileiros e outros entusiastas do atacante, além de contar com o apoio de outras estrelas da seleção brasileira, como Neymar Jr. e Richarlison, e de diversos times nacionais, como Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Fluminense etc. Vinícius Júnior também publicou no Instagram um vídeo que reúne alguns dos incidentes racistas de que foi vítima durante a última temporada. Na legenda deste vídeo, questionou a ausência de qualquer punição aos culpados ou aos clubes pelos quais torcem, assim como a falta de cobrança dos patrocinadores da La Liga. Na mesma toada, o jogador criticou o discurso de que a situação foi um “caso isolado”, utilizado pelo Valencia Club de Fútbol, visto que há reincidência dos ataques racistas.
Os casos de racismo contra Vini Jr. na Espanha são, frustrantemente, vários. O episódio mais antigo é de 2021, um ano após o atacante ingressar no clube madrilenho, quando, durante um clássico contra o Barcelona, no qual o Real Madrid foi vitorioso, um torcedor gritou insultos racistas ao jogador. O ocorrido chegou a ser denunciado às autoridades espanholas, mas o caso foi arquivado e ninguém foi punido.
A partir do primeiro incidente, foram diversas as vezes que Vinícius Jr. foi chamado de “macaco” ou de outros termos com conotação racista durante sua atuação no Real Madrid, inclusive pelo presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, Pedro Bravo, que afirmou, em um programa de TV da Espanha, que o jogador deveria “parar de fazer macaquices”, referindo-se às comemorações do atacante após marcar gols.
Um dos ataques mais graves ocorreu em janeiro de 2023, na véspera de uma partida entre o Real Madrid e o Atlético Madrid, quando torcedores do Atlético Madrid penduraram um boneco vestido com a camiseta de Vinícius Jr., simulando seu enforcamento, e um cartaz com as palavras “Madrid odia al Real” (Madrid odeia o Real) em uma ponte da cidade. Novamente, as entidades esportivas espanholas não aplicaram punições a qualquer um, apesar de mensagens de repúdio de ambos os clubes madrilenhos e da Confederação Brasileira de Futebol. Após esse incidente, os ataques passaram a aumentar em regularidade: Vini Jr. foi alvo de xingamentos racistas durante partidas de futebol duas vezes no mês de fevereiro, outras duas vezes no mês de março e agora mais uma vez no mês de maio.
De acordo com a comentarista Flávia Oliveira, a falta de punição em casos anteriores, principalmente no caso do boneco, por ser o mais emblemático, fez com que outros torcedores se sentissem confortáveis para praticar racismo contra o atacante brasileiro nas partidas seguintes. Mesmo que a maior parte dos absurdos ataques tenha sido relatada às autoridades espanholas, condenações foram poucas: os casos mais recentes estão sendo investigados, mas muitas das denúncias foram arquivadas com pífias desculpas de que é impossível identificar os culpados ou de que, enquanto desprezíveis, os insultos não se enquadram nos crimes contra a dignidade ou de ódio previstos no Código Penal espanhol, uma vez que são marcas de rivalidade e duram “apenas” segundos ou minutos, como se racismo que se passa em um curto período de tempo simplesmente não fosse racismo. Para completar, até agora, a La Liga também não sancionou nenhum clube pelos atos de suas torcidas. Alguns times baniram jogadores de seus estádios pela temporada, mas a liga em si fez pouco além de reportar as situações para autoridades que parecem se recusar a cumprir seus deveres de garantir a dignidade e o respeito das pessoas em seu país.
Quando a primeira divisão espanhola foi criticada por Vini Jr. e por outras figuras, porém, o presidente da liga chamou de “lamentável” dizer que a La Liga é conivente e não combate o racismo, pedindo para que o atacante “se informasse melhor”. Enquanto isso, a La Liga continua fielmente acreditando que apenas prestar queixas é suficiente, mesmo em casos que envolvem dezenas de torcedores.
Falar em conivência é pouco. As desculpas de que são casos isolados, de que o jogador “provoca” os ataques ou de que os insultos são demonstrações normais de rivalidade entre clubes beiram ao absurdo. Os atos racistas cometidos contra Vinícius Jr. ultrapassam todos os limites, além de serem claramente direcionados — de que forma o enforcamento de um boneco de um jogador específico demonstra rivalidade normal entre times? De que forma os constantes xingamentos racistas a um único jogador entre vinte e três da equipe principal do Real Madrid podem ser considerados justificáveis?
O capitão do Real Club Deportivo Mallorca afirmou que Vini Jr. incita os ataques e os insultos com suas danças e comemorações durante partidas. Surge, porém, a dúvida — por que apenas Vini Jr.? Todo jogador comemora ao marcar um gol, o hábito não é exclusivo ao brasileiro, e parte dos ataques costuma ocorrer em vésperas de partidas ou pouco antes das partidas iniciarem, previamente a quaisquer danças ou comemorações. Ademais, mesmo que haja provocações à torcida adversária, nada justifica racismo ou discriminação. Violência racial não pode ser confundida com demonstrações de rivalidade. Rivalidade é chamar de "filho da puta" e dizer que um time joga mais que o outro, não promover racismo e culpar um jogador por se divertir em campo.
As queixas prestadas pela liga rendem poucos frutos, principalmente no que se refere à diminuição na regularidade de ataques cometidos. Como apontado pelo próprio jogador em suas redes sociais, é necessário que clubes sejam punidos esportivamente e, mais do que isso, é necessário que patrocinadores tomem atitudes e declarem seu repúdio ao racismo no futebol, seja mediante cobrança da La Liga ou pela retirada de patrocínios. Outros jogadores e outras figuras do futebol não podem alimentar o discurso de que os ataques contra Vini Jr. são qualquer coisa a não ser racismo descarado e demonstrações de ódio. Essa situação, assim como sua constante repetição, é completamente inadmissível, e é assim que a La Liga, o Real Madrid, os demais clubes no Campeonato Espanhol, os torcedores, os patrocinadores e os veículos midiáticos nacionais e internacionais devem tratá-la.
Na última quarta-feira (24/05), no primeiro jogo do Real Madrid após o último caso de discriminação contra o atacante, o clube madrilenho decidiu homenagear seu jogador. Torcedores trouxeram cartazes e placas declarando seu apoio a Vini Jr., e todos os outros jogadores do time entraram em campo com a camisa do brasileiro. A homenagem foi verdadeiramente muito bonita, mas outras foram feitas anteriormente, com hashtags em redes sociais e pronunciamentos emocionantes. Infelizmente, homenagear é fácil, mas não soluciona a questão, muito menos impede que torcedores continuem a cometer atos racistas, protegidos pela forte possibilidade de escaparem de qualquer punição. O problema permanece e a situação se repete em outros jogos.
Autoria: Anna Cecília Serrano
Revisão: Luiza Parisi e Laura Freitas
Imagem de capa: Instagram, Vini Jr. (@vinijr)
Referências
10 vezes em que Vini Jr. foi vítima de racismo na Espanha. BBC, 22 maio 2023. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c729gypd570o>. Acesso em: 26 maio 2023.
Após ataques a Vinicius Jr., LaLiga atualiza o que aconteceu com casos de racismo que denunciou na Espanha. ESPN, 22 maio 2023. Disponível em: <https://www.espn.com.br/futebol/real-madrid/artigo/_/id/12091121/apos-ataques-vinicius-jr-laliga-atualiza-o-que-aconteceu-casos-racismo-denunciou-espanha>. Acesso em: 26 maio 2023.
‘Boneco de Vini Jr. pendurado pelo pescoço ensejou novos episódios como esse’, diz Flávia Oliveira. G1, 22 maio 2023. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/05/22/boneco-de-vini-jr-pendurado-pelo-pescoco-ensejou-novos-episodios-como-esse-diz-flavia-oliveira.ghtml>. Acesso em: 26 maio 2023.
Empresário espanhol ataca Vini Jr com termo racista: ‘Tem que parar de fazer macaquice’. Fora de Campo, 16 set. 2022. Disponível em: <https://www.lance.com.br/fora-de-campo/empresario-espanhol-ataca-vinicius-junior-com-termo-racista-tem-que-parar-de-fazer-macaquice.html>. Acesso em: 27 maio 2023.
Post de Vini Jr. com vídeo sobre ataques racistas. Instagram, 22 maio 2023. Disponível em: <https://www.instagram.com/reel/CsjjX_moSIx/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==>. Acesso em: 26 maio 2023.
Post de Vini Jr. sobre ataques racistas. Instagram, 21 maio 2023. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CshKhcAo9K_/?utm_source=ig_web_copy_link&igshid=MzRlODBiNWFlZA==>. Acesso em: 26 maio 2023.
Tweet de Javier Tebas, presidente da La Liga, sobre críticas feitas por Vini Jr.. Twitter, 21 maio 2023. Disponível em: <https://twitter.com/Tebasjavier/status/1660393419963809793>. Acesso em: 27 maio 2023.
Vinícius Jr. recebe grande homenagem antes de Real Madrid x Rayo Vallecano após ser alvo de ataques racistas. ESPN, 24 maio 2023. Disponível em: <https://www.espn.com.br/video/clipe/_/id/12099958>. Acesso em: 29 maio 2023.