OS ATUAIS DILEMAS TRABALHISTAS: ENTREVISTA COM NATHALIE ROSÁRIO
- Erick Martins Rosario
- 29 de abr.
- 6 min de leitura

Com o avanço tecnológico, a forma como as relações de trabalho se estruturam tem se alterado constantemente. O Brasil, desde a Reforma Trabalhista de 2017, caminha a cada dia para modelos mais flexíveis de contratos de trabalho, o que, em muitos casos, precariza a realidade do trabalhador sob a ilusão de liberdade, liderança e empreendedorismo.
O próprio presidente Lula (PT), na campanha eleitoral de 2022, se comprometeu a rever a Reforma Trabalhista caso eleito. O Partido dos Trabalhadores (PT) também tem divulgado peças publicitárias abraçando uma pauta que eclodiu nas redes sociais no último ano: o fim da escala 6x1.
Mesmo assim, ambas as discussões trabalhistas não avançaram até o momento no Congresso Nacional. Do outro lado da praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF) prepara um outro duro golpe à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT): o reconhecimento da “pejotização” como meio legal de contratação.
Para falar desses e outros temas ligados ao Direito Trabalhista e ao mercado de trabalho, a Gazeta Vargas convidou a Dra. Nathalie Rosário, advogada do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo:
No último domingo (27), celebramos o Dia Nacional da Empregada Doméstica, uma data muito importante para que se reflita acerca dos desafios enfrentados por essa categoria. Considerando que, atualmente, as domésticas já possuem uma legislação trabalhista própria, a senhora acredita que ainda há espaço para novas propostas legislativas acerca do tema?
Sem dúvida. A regulamentação do trabalho doméstico, com a Emenda Constitucional 72/2013 e a Lei Complementar 150/2015, representou um marco histórico na luta por igualdade de direitos. No entanto, esse avanço não significa que a missão esteja cumprida. Ainda existem lacunas significativas que precisam ser enfrentadas com urgência.
Um dos principais desafios é a efetivação do direito à negociação coletiva. Embora a Constituição e a própria LC 150 garantam esse instrumento, ainda há resistência — inclusive no Judiciário — em reconhecer a legitimidade e a força das convenções coletivas firmadas pelos sindicatos da categoria. Isso enfraquece a autonomia das trabalhadoras e dificulta avanços nas condições de trabalho.
Além disso, faltam medidas específicas de proteção à saúde e segurança no trabalho doméstico, que historicamente é invisibilizado nas políticas públicas. A informalidade também segue sendo um problema estrutural: mais da metade das domésticas no Brasil ainda trabalham sem registro em carteira, o que as torna mais vulneráveis e sem acesso a direitos básicos como previdência, FGTS e seguro contra acidentes.
É uma categoria majoritariamente composta por mulheres negras, que continuam enfrentando desigualdades estruturais, inclusive no acesso à Justiça. Então, pensar novas legislações e políticas públicas é também uma forma de combater o racismo estrutural e a desigualdade de gênero que ainda atravessa essa profissão. O direito não é estático, ele precisa acompanhar as transformações da sociedade.
Ou seja, a legislação foi um passo fundamental, mas o caminho rumo à plena dignidade do trabalho doméstico ainda exige ação, vigilância e vontade política.
No ano passado, a PEC pelo fim da Escala 6x1 tomou o debate público por conta da jornada de muitos trabalhadores brasileiros. Em 2025, contudo, a proposta pouco avançou no Congresso Nacional. Na sua perspectiva, quais são os impactos atuais dessa escala de trabalho e como a aprovação dessa PEC poderia modificar as relações de trabalho?
A escala 6x1, que prevê apenas um dia de descanso a cada seis trabalhados, foi pensada num contexto industrial, e não reflete mais os desafios contemporâneos. Na prática, para muitas categorias — como cuidadores e trabalhadoras domésticas — ela tem significado jornadas exaustivas e esgotamento físico e mental.
A aprovação da PEC que propõe o fim dessa escala não é apenas uma mudança de números: é um avanço civilizatório. É reconhecer que o descanso semanal é essencial para a saúde, o convívio familiar e a dignidade do trabalhador. Estudos apontam que a fadiga crônica reduz produtividade e eleva riscos de adoecimento. A sociedade precisa rever o modelo de trabalho que adoece em vez de emancipar.
Dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social em março apontam que o Brasil vive uma crise de saúde mental que tem gerado impactos diretos nas relações entre trabalhadores e empregadores. Somente em 2024, ocorreram mais de 470 mil afastamentos por transtornos mentais, o maior número em pelo menos dez anos. Na sua avaliação, como as empresas e os escritórios podem lidar com essa situação crescente em nossa sociedade? E como nós, estagiários ou futuros ingressantes no mercado de trabalho, podemos cuidar de nossa saúde mental no trabalho?
As empresas precisam compreender que cuidar da saúde mental dos seus profissionais não é um luxo ou gentileza — é um dever legal e um compromisso ético. O artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já impõe ao empregador a responsabilidade de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável. Mas os avanços não pararam aí.
A recente atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), promovida pela Portaria MTE nº 1.419/2024, reforça esse compromisso ao incluir, de forma expressa, a saúde mental no escopo do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Isso significa que empresas deverão identificar, avaliar e adotar medidas para controlar riscos psicossociais no ambiente de trabalho — como assédio moral, jornadas exaustivas, pressões excessivas e violência organizacional.
Se nada mudar, essa nova NR-1 entrará em vigor no dia 28 de maio de 2025. Até lá, o setor empresarial tem uma escolha: se adaptar a uma nova cultura de cuidado ou continuar alimentando um modelo que adoece e afasta cada vez mais trabalhadores. E a saúde mental precisa, urgentemente, deixar de ser tabu e passar a ser prioridade.
Medidas simples como oferecer escuta ativa, estabelecer metas realistas, coibir o assédio e promover uma cultura de apoio já fazem muita diferença. Também é fundamental combater a romantização da exaustão — aquela ideia de que só é bom profissional quem está sempre cansado.
Para quem está entrando agora no mercado, é importante aprender a colocar limites, buscar ajuda quando necessário e entender que pedir apoio não é fraqueza — é inteligência emocional. A saúde mental é uma pauta coletiva, e não individual.
Retornando à Praça dos Três Poderes, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) tem repercutido fortemente. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes decidiu por suspender todos os processos judiciais que envolvem a “pejotização” em decorrência da disputa incessante entre as compressões da Justiça do Trabalho e da Corte Suprema acerca do assunto. Nesse sentido, como a “pejotização” tem afetado as relações de trabalho no Brasil? Quais são os cenários possíveis caso o STF acolha ou rejeite tal formato de trabalho?
A "pejotização" — ou seja, a contratação de pessoas como se fossem empresas — tem sido usada, muitas vezes, como forma de burlar direitos trabalhistas. Isso cria uma falsa ideia de empreendedorismo, quando na verdade estamos diante de uma relação de subordinação, com jornada, ordens e controle típicos de um emprego formal.
Se o STF acolher essa prática de forma ampla, estaremos institucionalizando a precarização. Será um retrocesso, pois o trabalhador perde direitos como 13º, férias, FGTS, licença-maternidade, entre outros.
Agora, se o STF reafirmar a competência da Justiça do Trabalho e o princípio da primazia da realidade (quando a realidade dos fatos prevalece sobre o contrato formal), poderemos conter esse processo de erosão dos direitos. O país precisa de segurança jurídica — mas não à custa da dignidade de quem trabalha
Nos últimos anos, uma série de notícias relatando casos de trabalho análogo a escravidão tem tomado o país. São casos que vão desde trabalhos rurais em zonas afastadas até trabalhos domésticos na residência de um desembargador em um centro urbano. Diante disso, a senhora acredita que ainda há falhas a serem superadas na fiscalização trabalhista para que casos como esses não se repitam? Além disso, caso um de nossos leitores presencie um caso desses, é possível que ele denuncie?
Infelizmente, sim. A existência de trabalho análogo à escravidão em pleno século XXI revela que temos uma ferida aberta no país: a desigualdade estrutural e a herança de um passado escravocrata que ainda não foi superado. E quando isso acontece dentro de casas, como no caso da empregada Sônia — mantida por décadas em condição de servidão por um magistrado —, fica ainda mais evidente o quanto a invisibilidade social contribui para esses abusos.
A fiscalização ainda é insuficiente. Faltam auditores, estrutura e vontade política. Mas é possível denunciar, sim. Qualquer pessoa pode acionar o Disque 100 (Direitos Humanos), o MPT, ou até o sindicato da categoria. O silêncio é cúmplice da violência. Denunciar é um ato de cidadania.
Autoria: Erick Martins Rosario
Revisão: André Rhinow
Imagem da capa: Nicolas Floriano
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