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Paris, Propaganda e Poder



Olimpíadas! Poucos eventos me deixam tão feliz quanto essa celebração do esporte e da humanidade, em que atletas levam suas mentes e corpos ao máximo em busca da glória única e perpétua da Medalha de Ouro. Este ano não poderíamos ter um palco mais belo para essa ocasião tão importante: Paris, a Cidade Luz. A capital francesa vai receber os Jogos Olímpicos com toda a pompa e glamour de que lhe é esperada, no entanto, no maior espírito do orgulho parisiense, vai inovar dispensando os ginásios para colocar as partes mais conhecidas da cidade como o pano de fundo das competições. Os esportes aquáticos ao ar livre serão, em sua maioria, sediados no famoso rio Sena, a equitação será nos jardins do Palácio de Versalhes, o vôlei de praia será aos pés da Torre Eiffel e o surfe será na colônia, digo, no território ultramarino francês do Taiti.


Mas se engana quem pensa que esta decisão é só para promover um espetáculo esportivo mais bonito, assim como também se engana quem pensa que a decisão do governo francês de oferecer Paris como cidade sede dos Jogos Olímpicos é por um amor ao esporte. Todo grande evento esportivo – seja uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo – é sediado com um interesse para além do esporte, é uma demonstração de poder, um exemplo material da capacidade de um povo e de um Estado. A apresentação de uma nova perspectiva sob a qual um país deseja ser enxergado.


Em 1936 os jogos foram sediados em Berlim, três anos após o partido nazista tomar total controle da Alemanha. A ideia de Adolf Hitler era mostrar ao mundo o poder alemão 18 anos depois da Primeira Guerra Mundial e usar os jogos como propaganda doméstica sobre a suposta superioridade da “raça ariana”. Os planos nazistas funcionaram em partes: a Alemanha demonstrou a organização que se propôs a apresentar e ganhou a edição com 38 medalhas de ouro, no entanto não conseguiu sua tão sonhada propaganda perfeita após seus atletas “arianos” serem derrotados pelo corredor negro Jesse Owens, dos Estados Unidos, nas provas de atletismo.


Nas Olimpíadas mais recentes podemos ver esse uso dos jogos como mensagem política. Em 2004, os Jogos de Atenas foram sobre o retorno das Olimpíadas ao seu lugar de origem, pela primeira vez em uma Grécia totalmente democrática, estável e em crescimento. No entanto, a competição frequentemente roga uma espécie de maldição em suas sedes, como veremos nas outras edições futuras. A edição foi polêmica pelo alto custo de sua realização e pelos diversos atrasos das obras. Os jogos falharam em transmitir a imagem de desenvolvimento que a Grécia quis passar e, ironicamente, contribuiu de certo modo para que anos depois o país entrasse em desastre econômico.


Em 2008 foi a vez da China sediar os jogos na sua capital, Pequim. Assim como em Atenas, as Olimpíadas tinham o papel de transmitir para o mundo o desenvolvimento do país asiático e tentar mudar no subconsciente global a imagem da China de um país autoritário e atrasado, para uma força crescente e moderna. Nisso ela foi muito bem sucedida, com a imagem mais marcante dos jogos sendo provavelmente em sua cerimônia abertura em que 2008 pessoas tocaram tambores perfeitamente sincronizadas, mostrando visualmente para o mundo não a imagem caótica de uma ditadura radical que era associada com a China até então, mas sim uma de ordem e harmonia.


Em 2012 tivemos as Olimpíadas de Londres, que tentaram transmitir ao mundo a relevância do Reino Unido em um mundo sem seu império, algo que conseguiu de certa forma, porém os altos custos com os jogos roubaram a cena. Já em 2016, acho que conhecemos a história. O Brasil, assim como a China, resolveu sediar eventos esportivos para demonstrar ao mundo o quanto tinha se desenvolvido, no entanto, foi mais longe que os chineses e ganhou a disputa para ser sede tanto da Copa do Mundo quanto das Olimpíadas, essa a ser sediada no Rio de Janeiro. Ambas as competições, no entanto, tiveram como marca o desperdício de recursos públicos com obras que foram sub-utilizadas após os jogos e escândalos de corrupção que chegaram a colocar em dúvida se os jogos realmente viriam a acontecer. Assim como na Grécia, a crise econômica brasileira — que se intensificou após as competições — invalidou qualquer ganho reputacional ou de prestígio que foi adquirido com os eventos, e pior, o holofote que foi jogado em cima do país por causa deles espalhou a imagem de despreparo e de corrupção pelo mundo.


Mas nem só o Brasil tem história com corrupção e Jogos Olímpicos. Na verdade, é mais comum do que parece. Por exemplo, vamos nos lembrar da Rússia e das Olimpíadas de Inverno de 2014, na cidade de Sóchi. O governo de Vladimir Putin queria sediar eventos esportivos para demonstrar para o mundo que a Rússia havia saído de seu estado de declínio e desordem pós dissolução da União Soviética, se comprometendo a sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada de Inverno. No entanto, a escolha de Sóchi como sede dos jogos de inverno já levantou suspeitas sobre corrupção na organização do evento, já que esta é a maior cidade no sul da Rússia, famosa por suas praias no Mar Negro, e não passui neve natural. Um fundo bilionário foi criado para as obras daquela que se tornou a Olimpíada mais custosa de todos os tempos graças à gigantesca infraestrutura que teve de ser construída, contudo, bilhões foram supostamente desviados de seu propósito.


Tendo todo o valor das Olimpíadas como meio de propaganda e de projeção de poder no cenário global em vista, nos fazemos a pergunta da vez: O que a França quer com os Jogos? Bom, eu diria que ela quer várias coisas, na verdade. A primeira – e a mais importante – é mostrar o país como uma potência relevante em um mundo cada vez mais centralizado nos Estados Unidos e na China. Ao colocar seus maiores monumentos como plano fundo para os esportes disputados, Paris não está apenas criando um evento esteticamente agradável, mas também mostrando ao mundo sua glória e sua rica história. Ao sediar a equitação nos jardins de Versalhes, Paris mostra ao mundo sua riqueza e influência cultural nas áreas vistas como requintadas da sociedade, ao combinar a exuberância do Palácio do Rei Sol com um esporte de raízes aristocráticas. Ao sediar o surfe no Taiti e o skate na Praça da Concórdia, onde está um autêntico obelisco egípicio e onde foram feitas as execuções durante a Revolução Francesa, Paris nos relembra de ter sido um poderoso império colonialista fundado ironicamente nos ideais humanitários de sua revolução. Outro ângulo de analisar esta Olimpíada é a busca de promover a Europa – liderada pela França – como a ponta de lança do movimento sustentável global, algo que tenta fazer há um certo tempo (vide o Acordo de Paris). Embarcar em projetos como a despoluição do rio Sena e o plano de tornar Paris uma cidade “verde” antes dos jogos faz parte desta tentativa de propaganda. Por fim, esta também é mais uma tentativa de Emmanuel Macron, presidente francês, de se consagrar como o grande líder da União Europeia após a aposentadoria de Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha.


Assim, as Olimpíadas mantêm seu legado histórico de serem um evento guiado por motivações políticas, mas a França deve continuar atenta para a história que deixará escrita nos livros desta competição tão especial. Como vimos, poucos são os países que alcançam seus objetivos de poder e propaganda quando sediam os jogos. Apesar do relativo sucesso Chinês, os casos de Brasil, Rússia e Grécia, as Olimpíadas podem revelar para o mundo coisas que um país preferiria manter escondido. Quanto a nós, fãs do esporte, nos resta apenas tentar aproveitar essa competição que só acontece a cada quatro anos, pois sabemos que honestidade não é pré-requisito para entretenimento.


Autor: Eduardo Loeser

Revisão: Ana Carolina Clauss, Artur Santilli e Laura Freitas

Foto de Capa: Gonzalo Fuentes/ Reuters


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