PEC DA BLINDAGEM: UMA TENTATIVA MAL-SUCEDIDA DO CONGRESSO NACIONAL DE LEGALIZAR A IMPUNIDADE
- Guilherme Sanches
- 3 de out.
- 7 min de leitura

Na quarta-feira (24/09), a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição 3/2021 após manifestações do domingo (21/09).
A PEC 3/2021, mais conhecida como PEC da Blindagem, é uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do ex-ministro do turismo do Governo Lula, Celso Sabino (União-PA), que prevê que para que qualquer investigação criminal seja aberta contra algum parlamentar, ou presidente de partido, ela teria de passar por aprovação do Congresso em votação secreta com maioria absoluta. O texto também prevê o fim da possibilidade de prisão em flagrante de parlamentares e presidentes de partidos.
A proposta faz referência à retomada de um dispositivo da Constituinte de 1988 que também impedia a abertura de inquéritos criminais contra parlamentares sem que houvesse a aprovação do Congresso Nacional, mas sem votação secreta à época. Esse artigo foi incluído na Constituinte em 1988 como uma maneira de impedir que houvesse tentativas de intervenção na recém-criada democracia brasileira uma vez que parte dos Ministros do STF à época haviam sido indicados pelo regime militar. Contudo, em 2001, após pressão popular, o próprio Congresso derrubou esse dispositivo constitucional por meio da EC 35.
A PEC da Blindagem foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados na terça-feira (16/09) por 344 votos a favor e 133 contra em segundo turno. A grande maioria dos votos favoráveis foram de partidos da oposição e do centrão, porém, boa parte destes partidos como PSD, Republicanos e MDB também são da base governista. Os partidos que deram o maior número de votos favoráveis à PEC foram o PL (83 votos favoráveis, unanimidade), o União Brasil (53 votos favoráveis), o PP (46 votos favoráveis), o Republicanos (42 votos favoráveis, unanimidade), o MDB (35 votos favoráveis) e o PSD (25 votos favoráveis).
Durante a sessão que aprovou a PEC na Câmara, Nikolas Ferreira (PL-MG), que votou favoravelmente à PEC, declarou sobre críticas à proposta: “Senhor presidente, PEC da Blindagem, né? Sim, queremos ser blindados mesmo de um STF que age como agente político contra membros dessa casa, abrindo inquéritos, fazendo busca e apreensão por palavras”. Durante a votação, o Presidente da Câmara Hugo Motta também se posicionou favoravelmente à proposta: “Diante de muitas discussões, de atropelos, de abusos que aconteceram contra colegas nossos em várias oportunidades, a Câmara tem hoje a oportunidade de dizer se quer retomar esse texto constitucional ou não”. Já o senador Magno Malta (PL-ES) justificou a aprovação da PEC como uma maneira de se blindarem das “pressões do Supremo Tribunal Federal”.
Em entrevista no dia 18 de setembro ao podcast “O Assunto”, Elisa Claveri relatou como foi a posição do Governo em relação à PEC. A jornalista declarou que nos bastidores de Brasília o PT havia acordado com o centrão que liberaria a bancada para votar como quisesse ou orientaria voto a favor do projeto. Entretanto, o Presidente Lula se reuniu com o Presidente do Partido dos Trabalhadores, Edinho Silva, e pediu que o partido orientasse contra a proposta, pois o impacto da opinião pública seria grande, segundo apuração de Elisa Claveri. Contudo, tal movimento do PT gerou atrito com os partidos da base que são parte do centrão e isso fez com que o partido tivesse de trabalhar nos bastidores para angariar os votos necessários para a aprovação, apesar do PT ter orientado questão contrária à PEC. O PT tomou articulou a aprovação da PEC nos bastidores de Brasília para assegurar a governabilidade e porque o governo também tinha interesse nessa aprovação. Mesmo depois da orientação contrária do Partido dos Trabalhadores, 12 deputados do partido votaram favoravelmente à emenda.
No domingo (21/09) seguinte à aprovação da PEC da Blindagem na Câmara, movimentos sociais, partidos de esquerda e o PT convocaram manifestações nas 27 capitais do país com pauta contrária à PEC, à anistia dos envolvidos na trama golpista e a favor da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. As manifestações contaram com mobilização de parte da classe artística; no Rio de Janeiro, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan participaram do ato. Em Salvador, Wagner Moura e Daniela Mercury foram às ruas. Já em Brasília, o cantor Chico César tocou na manifestação. Os atos da esquerda tiveram público pouco maior do que as manifestações bolsonaristas de 7 de setembro. Em São Paulo, a manifestação contra a PEC da Blindagem mobilizou cerca de 42,4 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate Político do CEBRAP, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Já no Rio de Janeiro, o mesmo índice estimou 41,8 mil manifestantes. Tais manifestações mobilizadas pela esquerda dominaram as manchetes e o debate público na segunda-feira (22/09) e tiveram a capacidade de impactar a votação da PEC que seguiu para o Senado Federal.
Na quarta-feira (24/09), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou por unanimidade a proposta de emenda à Constituição (PEC 3/2021) após as manifestações do domingo (21). Para que fosse aprovada no Senado Federal, a PEC precisaria primeiro ser aprovada pela CCJ para posteriormente seguir para votação no plenário do Senado, onde a PEC precisaria de 49 votos a favor para ser aprovada. A votação por unanimidade impede regimentalmente a aplicação de qualquer recurso que leve à discussão da PEC no plenário do Senado.
A rejeição da proposta pelo Senado pode ser compreendida como resultado da mobilização popular contra a PEC, pois o efeito da opinião pública contra à proposta afetou também a popularidade dos deputados. De acordo com a analista de política da CNN Brasil, Jussara Soares, os senadores calcularam que rejeitar a proposta por unanimidade na CCJ seria a decisão mais coerente a ser tomada ao compreender o desgaste reputacional que deputados, como Nikolas Ferreira, sofreram após votar favoravelmente à proposta. O cálculo dos senadores também vislumbra as eleições de 2026 em que dois terços do Senado Federal serão renovados.
A justificativa dada por deputados pela aprovação da PEC para se blindarem das “perseguições do STF” pode ter alguma legitimidade. Isso porque, como prevê o artigo 53 da Constituição Federal de 1988, “[o]s Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” e tal prerrogativa de sim ser preservada. No entanto, as razões por trás dessa Proposta de Emenda à Constituição são, na verdade, interesse dos congressistas em se esquivarem, principalmente, de investigações sobre o desvio e uso indevido de emendas parlamentares na ação sobre o “novo orçamento secreto” cujo relator é o Ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino. Já a inclusão de presidentes de partido na “blindagem” foi uma tentativa de livrar o presidente do União Brasil, Antônio Rueda, da investigação sobre esquemas do PCC, na qual seu nome foi incluído.
Para que os parlamentares se esquivassem de investigações, os custos para a sociedade brasileira seriam grandes. Caso fosse aprovada, a emenda à Constituição poderia permitir que parlamentares e presidentes de partido cometessem os mais variados crimes ilimitadamente uma vez que uma coalizão no Congresso impediria qualquer investigação. Se esse cenário vigorasse, ele também poderia favorecer o crime organizado dado que caso qualquer faccionado se tornasse parlamentar ou presidente de um partido, ele também não poderia ser investigado pela justiça, o que abriria espaço para uma maior inserção de filiados a organizações criminosas no Congresso Nacional do que já existe hoje.
Autoria: Guilherme Sanches
Revisão: Artur Santilli
Imagem de capa: Vinicius Loures / Congresso em Foco
Referências bibliográficas:
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CNN BRASIL. Câmara aprova em 1º turno PEC que dificulta ações contra parlamentares. CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/camara-turno-pec-que-dificulta-acoes-contra-parlamentares/. Acesso em: 28 set. 2025.
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CNN BRASIL. É o momento de tirar da frente todas essas pautas tóxicas, diz Hugo Motta. CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/e-o-momento-de-tirar-da-frente-todas-essas-pautas-toxicas-diz-hugo-motta/. Acesso em: 28 set. 2025.
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