Tenho aceitado ninharias, me contentado com quase nada. O pouco que tenho de ti é suficiente para algumas semanas mais de esperanças infundadas. Proporção estranha, mas indefectível: pequenos fragmentos de sua atenção para intermináveis dias de sonhos impossíveis. Sonhos risivelmente ilógicos, fantasias absurdas para qualquer mente sã.
Adianto que essa estranha capacidade não te é exclusiva. Sem grande cerimônia, essa proporção que pouco compreendo alvoreceu e se instalou em mim. Força imperativa, determinante para meu andar trôpego. Sempre foi e sempre há de ser assim, sina inevitável. Tenho feito muito, veladamente. Não sinta receio nem soberba, essa proporção pouco atesta sobre ti. Hábito inabalável que muito diz sobre mim. Me marca como um ferrete em brasa e não consigo esconder. Todos percebem minha agitação com o pouco que recebo de ti, intermináveis conversas sobre migalhas que coletei. Nesses momentos, minha alegria infundada é evidente, se impõe como um elefante na sala. Com a calmaria da maré, o que resta sou eu exposto, despido, amorrinhado, sujeito a essa proporção cruel e imperiosa.
Despejo todo meu empenho em saber teus interesses, mas nunca soube converter meu esforço em prol de tua curiosidade. Tenho feito tanto, para nada. Como Pessoa, serei sempre o que espera que lhe abram a porta ao pé de uma parede sem porta. Obceco-me por anseios despropositados. Serei sempre o que não nasceu para isso. Por hora, prefiro me encantar com o inexequível. Da busca, retiro meu sustento. Da busca, crio esperanças para a travessia.
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Autoria: Giovanni Tortorella
Revisão: André Rhinow e Laura Freitas
Imagem da capa: Summer Evening, de Edward Hopper
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