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UM RETRATO DA LGBTQFOBIA NO ESPORTE


Por Thais Ferrari


Na mesma semana ocorreram dois momentos históricos no que tange à aceitação e à inclusão da comunidade LGBTQ+ no esporte. No dia 21, Carl Nassib revelou ser gay, tornando-se o primeiro jogador de futebol americano na ativa a se assumir publicamente. Porém, no dia seguinte, a UEFA tomou mais uma decisão polêmica em relação à comunidade LGBTQ+ ao proibir a iluminação nas cores do arco-íris no estádio em que ocorreu o jogo Hungria x Alemanha pela Eurocopa. Mas o que essas situações revelam sobre o preconceito e a discriminação no esporte?



Aceitação LGBT no esporte


Não é segredo que o mundo esportivo ainda tem um longo caminho a percorrer na aceitação e na luta contra a discriminação e o preconceito.


A pesquisa Out On the Fields, sobre homofobia no esporte, descobriu que apenas 1% dos respondentes entendiam que gays, lésbicas e bissexuais eram plenamente aceitos no esporte e 78% disseram que não seria seguro para fãs dessas sexualidades frequentarem eventos esportivos. Dos participantes que eram atletas, 49% dos homens gays, 80% dos homens bissexuais, 39% das lésbicas e 61% das mulheres bissexuais disseram ainda não terem revelado sua sexualidade abertamente. Dos que disseram ter se assumido, a maioria deles entende que o que mais lhes ajudou foi estar em clube, time ou ambiente que já possuísse uma cultura de aceitação, revelando a importância de políticas que preguem pela inclusão e pela diversidade.


Além disso, 84% reportaram ouvir piadas de cunho homofóbico frequentemente – resultado que não é surpresa para qualquer um que acompanhe esporte. Existem “piadinhas” homofóbicas praticamente institucionalizadas entre fãs, por exemplo, no Brasil, o uso de expressões como “viado” e “bixa” não são incomuns, especialmente no futebol. Sem falar que não é rara a retrógada retórica de que criticar esse tipo de piada é querer tirar a diversão do esporte, como se não poder cometer ofensas a outros e a um grupo inteiro fosse impedir as pessoas de torcerem por seus atletas e times do coração.


Quanto à aceitação de transgêneros no mundo esportivo, a pesquisa Factors influencing acceptance of transgender athletes revelou que trans que estivessem fazendo a transição hormonal eram mais aceitos e que atletas mulheres cis são menos prováveis de aceitar atletas mulheres trans em comparação com mulheres cis não-atletas. Além disso, demonstrou-se que atletas trans são mais bem aceitos em esportes recreacionais do que em esportes de elite.


A participação de atletas trans ainda é um ponto de grande debate. Foi apenas em 2015 que o Comitê Olímpico Internacional (COI) permitiu a participação de atletas trans em esportes de elite, sendo que, desde então, a discussão sobre a inclusão dessas pessoas apenas aumentou e está longe de acabar. O cenário se torna ainda mais complexo quando grandes nomes do esporte, como Giba, se posicionam contra a inclusão desses atletas com argumentos rasos e desinformados, que só reforçam o preconceito.


Giba, por exemplo, referiu-se à atuação de Tiffany Abreu – jogadora de vôlei trans – em equipes femininas como algo “completamente fora do normal”, sugerindo que fosse criado um campeonato apenas para transexuais, o que seria um ato notoriamente discriminatório. O atleta argumentou que atletas trans mulheres teriam mais testosterona do que as atletas cis, o que lhes daria uma vantagem indevida. Entretanto, o próprio COI estabelece um nível máximo de testosterona que uma atleta trans pode ter para competir por equipes femininas.


Ainda nesse sentido, o estudo Sport and Transgender People: A Systematic Review of the Literature Relating to Sport Participation and Competitive Sport Policies fez uma análise da literatura disponível no tocante à participação de trangêneros no esportes. Concluiu-se que não existem estudos suficientes que demonstrem consistemente que mulheres trans teriam uma vantagem indevida em relação a mulheres cis no esporte e que, por isso, proibições relativas à participação de trans no esporte devem ser analisadas e potencialmente revisadas. O estudo também revelou que uma das grandes dificuldades que pessoas trans enfrentam no esporte é a falta de um espaço acolhedor, que lhes faça sentir seguras.


Com o exposto, fica claro que o mundo esportivo ainda está longe de ser o local mais acolhedor para membros da comunidade LGBTQ+. Recentemente, a postura de uma das maiores entidades esportivas do mundo, a União das Federações Europeias de Futebol (UEFA), escancarou esse problema.




A UEFA


Mas o que exatamente a UEFA fez?


A Hungria, um dos países que está participando da Eurocopa, aprovou há poucos dias uma lei anti-LGBTQ+ que proíbe qualquer forma de conteúdo que trate de identidade sexual ou de gênero para crianças. Em protesto à lei, o prefeito de Munique, Dieter Reiter, pediu para que o estádio no qual foi disputada a partida entre Alemanha e Hungria fosse iluminado com as cores do arco-íris, porém a UEFA, a pedidos do governo húngaro, negou o pedido do prefeito, proibindo a iluminação arco-íris. A justificativa dada foi que a UEFA é uma entidade neutra e que não pode endossar demonstrações políticas. A decisão foi celebrada pelo ministro das Relações Exteriores da Hungria, Péter Szijjártó, que expressou que a entidade teria “bom senso”. Como forma de protesto, diversos clubes de futebol alemães iluminaram seus estádios com as cores do arco-íris, fazendo com que, se o intuito da UEFA era tirar o foco de discussões sobre sexualidade e gênero, o efeito obtido foi o oposto.


Porém, essa não foi a primeira vez que a UEFA tomou uma decisão controversa em relação à comunidade LGBTQ+ nesta Eurocopa. Primeiro, a entidade demorou dias para abrir uma investigação quanto a uma bandeira anti-LGBTQ+ mostrada por membros de uma torcida organizada húngara na partida contra Portugal. Além disso, a UEFA também ameaçou punir o capitão da seleção alemã, Manuel Neuer, por usar uma braçadeira com as cores do arco-íris. Para a entidade, que afirmou que essa seria a Eurocopa mais diversa da história, suas atitudes evidentemente demonstraram o contrário.


Todas essas decisões deixam muito claro que a prioridade da UEFA não é promover uma competição inclusiva, mas sim de não se indispor com os países e com os governos mais conservadores da Europa, tudo sob uma justificativa pífia de neutralidade. Em situação de desigualdade e preconceito sistemático, a neutralidade só fortalece o opressor e endossa a opressão. A conivência da UEFA com o preconceito não surpreende, mas não deixa de ser triste o tamanho da covardia de uma entidade tão importante.


O que a UEFA fez e está fazendo demonstra como as grandes ligas e entidades podem até adotar discursos inclusivos, os quais no final, porém, não passam de promessas vazias, uma vez que o medo de perder fãs e patrocinadores e de se indispor com determinadas federações ainda fala mais alto do que uma preocupação genuína em combater o preconceito. A UEFA não é a primeira e, muito provavelmente, não será a última entidade esportiva a falhar com a comunidade LGBTQ+ e é verdade que, nos últimos anos, mais e mais ligas e entidades têm promovido campanhas de inclusão, mas fica a dúvida de quantas realmente sustentariam suas posições em face de pressões políticas ou sociais? Só o tempo dirá.




Existe esperança?


Por mais que o ambiente esportivo ainda esteja longe de ser inclusivo, tem ocorrido progresso nos últimos anos. Um exemplo é a própria reação à decisão da UEFA. Alguns anos atrás provavelmente nem haveria a solicitação para iluminar o estádio e, muito menos, a revolta e a mobilização que ocorreram. A questão é que, muitas vezes, esse progresso vem por meio mais de declarações de apoio do que de políticas efetivas de inclusão, existindo, quase sempre, retrocessos e omissões que não deveriam mais acontecer em 2021.


Essa questão fica muito clara ao se analisar as grandes ligas de esportes americanos. Praticamente todas promoveram campanhas de apoio à comunidade LBGTQ+, mas isso nem sempre se refletiu nas suas atitudes. A NFL, por exemplo, tem como uma de suas principais iniciativas a My Cause My Cleats, na qual os jogadores podem, eles mesmos, fazer o design de suas chuteiras para mostrar apoio a alguma instituição de caridade ou causa. Apenas na última edição, três jogadores apoiaram uma instituição cristã anti-gay, sem que a Liga fizesse qualquer investigação ou proibição quanto ao apoio a uma instituição que prega uma mensagem tão nociva. Ainda assim, no lado positivo, vale ressaltar que a NFL criou o NFL Pride, que é basicamente um grupo para funcionários LGBTQ+ da Liga, buscando tornar o esporte um espaço mais diverso. De fato, o ambiente se tornou muito mais acolhedor do que já foi, tanto que Carl Nassib se tornou o primeiro jogador de futebol americano na ativa a se assumir gay publicamente, um grande passo para uma maior inclusividade nesse esporte. Outras ligas, como a MBL e a NBA, passaram a se preocupar mais com políticas de diversidade após terem jogadores ativos que tenham se revelado LGBTQ+.


No Brasil, praticamente todos os grandes clubes de futebol fazem campanhas pela diversidade e pela aceitação. Contudo, não são raros os casos de preconceito. Recentemente, o perfil oficial de um time se referiu ao estádio de outro time de maneira homofóbica, o comparando a uma fruta. A postagem foi apagada e o time emitiu um pedido de desculpas. Em outro caso, ainda neste ano, Gilberto Nogueira – o Gil do Vigor – foi vítima de comentários homofóbicos vindos do seu time do coração. Medidas foram tomadas para punir os responsáveis, porém apenas o fato de que casos como esses ainda ocorrem demonstra que, apesar do que os times pregam, ainda há muita homofobia enraizada na cultura do futebol. Um time que merece reconhecimento, entretanto, é o Bahia que, mesmo antes dos demais times, já pregava e agia em prol da diversidade, tornando-se o primeiro time da América Latina a fazer uma camisa do time com temática LGBTQ+.


O que tudo isso revela? Que por mais que o ambiente esportivo ainda seja, muitas vezes, tóxico e não-inclusivo, há esperança para um futuro mais diverso. No momento, esse progresso ainda está muito condicionado a ações pontuais, que têm seus méritos e benefícios, mas que não são capazes de resolver discriminações sistemáticas. O inegável é que ainda há um longo caminho a se percorrer, mas que os esportistas e os fãs parecem cada vez mais prontos para percorrê-lo.


Para saber mais:







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