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2017 - 2022: O DESENROLAR DO CASO DE RACISMO NA FGV-EAESP



“Achei esse escravo no fumódromo! Quem for o dono avisa!” foi a mensagem enviada por Gustavo Metropolo, ex-aluno da FGV - EAESP, junto da foto de João Gilberto, também ex-aluno da Fundação, em um grupo no WhatsApp.


O ato racista praticado em 2017 veio à tona em março de 2018, quando a coordenadoria de Administração Pública tomou conhecimento do caso e informou a vítima, que posteriormente registrou um boletim de ocorrência.


Com a repercussão do episódio, o Coletivo 20 de Novembro — coletivo de alunos negros da FGV — promoveu um protesto denunciando a declaração racista, além de outras microviolências a que os alunos negros eram submetidos, e apresentando suas reivindicações. Além disso, placas e cartazes de repúdio foram colocados nos corredores da Fundação. Uma ação antirracista, em que todos os alunos abandonariam os ambientes da faculdade onde Metropolo estivesse presente, também foi incentivada pelo alunato e pelo Coletivo.


Foto: Cursinho FGV/Redes Sociais


Posteriormente, a FGV se pronunciou sobre o caso:


"O comentário ofensivo foi feito em grupo privado do qual o ofensor fazia parte, sem qualquer participação, ainda que indireta, da FGV. Ante a possível conotação racista da ofensa, firme em sua postura de repúdio a toda forma de discriminação e preconceito, a FGV, tão logo tomou conhecimento dos fatos, tal qual prevê seu Código de Ética e Disciplina, de imediato aplicou severa punição ao ofensor, que foi suspenso de suas atividades curriculares por três meses, estando impedido de frequentar a escola, sem ressalva da adoção de medidas complementares, a partir da apuração dos fatos pelas autoridades competentes", disse a Fundação.


Com autorização judicial e um mandado de segurança, o aluno conseguiu retornar às aulas antes de cumprir os três meses de suspensão ou ser expulso da Fundação. Mas logo deixou a FGV, transferindo-se para outra instituição de ensino.

Depois de 3 anos, em março de 2021, Gustavo Metropolo foi condenado na esfera criminal pelos crimes de racismo e injúria racial — algo inédito no Brasil: essa foi a primeira vez que alguém recebeu essa condenação dupla — a cumprir pena de 2 anos e 4 meses de prisão em regime aberto [2], além do pagamento de 5 salários mínimos à vítima. A juíza Paloma Assis Carvalho da 14ª Vara Criminal de São Paulo substituiu a pena privativa por serviços à comunidade. Metropolo recorreu da decisão, mas foi condenado em segunda instância, desta vez apenas pelo crime de racismo.


Anteriormente, o réu, que havia confessado o crime ao Comitê de Ética da universidade, negou a autoria da injúria afirmando que o seu celular havia sido furtado na época do acontecimento e, por esse motivo, não poderia ter enviado a mensagem. Porém, a tese foi rejeitada pela juíza:


"Nota-se que a conduta do réu se dirigiu tanto à coletividade quanto à vítima. Isso porque no contexto em que publicada (grupo de amigos), dentro de uma instituição renomada e voltada a classes abastadas da sociedade, observa-se a intenção de segregar um aluno preto, que não "poderia pertencer" àquele mundo. Além disso, ao dizer que encontrou um “escravo”, o acusado objetifica a vítima, dando a entender que ela só poderia estar naquele local acompanhada de seu “dono”. Nesse contexto, com a postagem, o autor diminuiu e ofendeu toda a coletividade de pessoas pretas, principalmente, as que frequentavam a faculdade à época dos fatos", escreveu a magistrada Paloma Assis Carvalho [2].


Recentemente, no dia 2 de fevereiro de 2022, Gustavo Metropolo foi condenado pelo ato racista também na esfera cível. A condenação implica o pagamento de indenização por dano moral e material de cerca de R$44 mil reais à vítima, subtraído o valor da primeira condenação.


Para o site de notícias UOL, o diretor executivo do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade) e advogado da vítima, Daniel Bento Teixeira, comentou:


"Isso é um caso emblemático por se tratar de um ex-estudante de uma universidade de ponta, ou seja, alguém de família com muitas condições. Sinaliza o fato de que as condenações devem se tornar mais constantes e recorrentes em caso de racismo, ainda que muita gente tenha condição privilegiada, economicamente falando, se sintam com possibilidade de impunidade. Também sinaliza que não só é crime, mas um ilícito civil, ou seja, que também causa danos de natureza civil, que na nossa Justiça se resolve mediante indenização", disse Teixeira.


Diante disso, o rumo para o desfecho do caso vem sendo questionado por pessoas que acompanharam a situação de perto: quanto vale a dor de um jovem negro?


“[...] R$44 mil reais é mais ou menos [o valor da mensalidade de] 1 semestre da faculdade [FGV] onde eu estudava. Provavelmente esse dinheiro não significa nada [para o criminoso], é um troco. Enquanto o meu amigo, provavelmente, tem dores irreversíveis e danos morais que não podem ser comprados com dinheiro algum. Mesmo que os danos pudessem ser revestidos em dinheiro, ainda sim, R$44 mil não é nada para esse cara [Gustavo]. Quando a única punição é pagar alguma coisa, você só está punindo quem é pobre", expressou Gabrielly Sadovski, ex-aluna da FGV EAESP e amiga da vítima, em sua rede social [4].


Outros alunos, apesar da satisfação em saber que o criminoso foi condenado, compartilharam do mesmo sentimento de repulsa à pena.


Ainda que o caso tenha alcançado visibilidade, sabe-se que não foi a primeira, nem a última vez que atos racistas foram praticados dentro da Fundação. Por isso, o Coletivo 20 de Novembro e o Diretório Acadêmico vêm, desde 2018, trabalhando para viabilizar canais de denúncia e tornar a FGV um ambiente mais inclusivo.



Capa: Acervo pessoal da Folha de São Paulo

Revisão: Bruna Ballestero e Glendha Visani


 

FONTES:

[1]: Para a produção dessa reportagem, a Gazeta Vargas consultou João Gilberto, vítima do crime, e Thaynah Gutierrez, ex-aluna da FGV e integrante do Coletivo 20 de Novembro, para apuração e garantia da veracidade dos fatos.

[2]: Aluno da FGV que chamou colega de 'escravo' é condenado por racismo e deve pagar indenização de R$ 44 mil | São Paulo | G1

[3]: Condenado por racismo pela 2ª vez, ex-aluno da FGV pagará R$ 44 mil

[4]: https://www.instagram.com/p/CZfoNh7D6fn/




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