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33 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CONQUISTAS E DESAFIOS DO PACTO CONSTITUCIONAL



Neste 5 de outubro, a Constituição Federal de 1988 celebra o seu aniversário de 33 anos. Integrada por 250 artigos em seu texto principal, além dos 114 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Constituição foi produto de um longo debate de 20 meses na Assembleia Nacional Constituinte e marcou a transição para o regime democrático no Brasil.

O objetivo primordial de uma constituição é, resumidamente, regular o exercício do poder político e assegurar os direitos e garantias fundamentais. Na busca pela sua efetivação, a Carta Magna apresenta mecanismos de proteção dos seus termos por meio de maiorias qualificadas e cláusulas pétreas, exigindo altos quóruns para alterar dispositivos constitucionais e vedando a deliberação sobre propostas de emenda tendentes a abolir valores relevantes ao sistema constitucional.


Na tentativa de se perpetuar no tempo, a Constituição é ambiciosa, pois prevê objetivos a serem alcançados pela nação no longo prazo. Ao mesmo tempo, ciente da impossibilidade de prever situações futuras que a sociedade enfrentará, a Constituição se esforça em reunir dispositivos suficientemente abrangentes, o que inclui mecanismos para sua reforma.

A tarefa de completar e interpretar o sentido da Constituição, conciliada à necessidade de perseguir objetivos ambiciosos em uma sociedade que tem pressa em alcançar os seus diversos anseios, é inevitavelmente desafiadora. De todo modo, apesar dos percalços em sua trajetória, é possível identificar conquistas importantes do constitucionalismo brasileiro.


Mais importante do que nunca para o país, o Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores exemplos dessas conquistas. Nascido com a Constituição de 88 e tendo suas atribuições definidas nos artigos 195 a 200, atualmente, o SUS é uma rede complexa, pública e reconhecida internacionalmente [1]. Ele permite que o direito à saúde seja garantido a milhões de brasileiros nas mais remotas localidades e das mais diversas formas.


Outro exemplo de avanço institucional foi a consagração expressa da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das Universidades garantida no artigo 207 da Constituição, que foi fundamental para a expansão do ensino superior privado no Brasil. De 1980 a 1994, o número de universidades privadas saiu de 20 para 59, uma ampliação no número de vagas para o ensino superior jamais vista e que o Estado não poderia oferecer sozinho[2].


É fundamental compreender que esses exemplos de políticas públicas de sucesso partiram de uma opção consagrada em nossa Constituição, que, mais do que um compilado de normas, se caracteriza como um instrumento norteador para um projeto de país. Isso não significa, no entanto, ignorar as dificuldades enfrentadas durante a trajetória da Constituição, especialmente nos últimos anos.


De um lado, há grupos que buscam deslegitimar os preceitos constitucionais e o Estado de Direito por meio de ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), intérprete da constituição[3], além de ataques institucionais à própria Carta[4][5]. De outro, organizações da sociedade civil e grupos lidos minorias sociais aparentam estar cada vez mais dispostos a preservar os ideais da Constituinte e a lutar pela efetivação de seus direitos.


Em meio a um Executivo pouco responsivo a essa movimentação e um Legislativo conservador, o Judiciário, em especial o STF, se tornou a principal via de demanda para responder a essas demandas e garantir a validade da Constituição 33 anos depois de sua redação original. Essa atuação do STF, inclusive, implicou numa maior confiança da população em seu trabalho, índice que chegou a 40%, o maior já registrado pelo Relatório do ICJBrasil [6].


No fundo, todos os elementos aqui citados nos levam a refletir sobre uma questão fundamental: como conciliar a ordem constitucional de 1988 com a sociedade de 2021? Complementarmente, como garantir que projetos políticos que agridem a Constituição não a destruam? O que é possível fazer para garantir que décadas de implementação de direitos constitucionais não se tornem um passado esquecido? Qual o papel da academia, economistas, administradores, juristas e das instituições nesses tempos turbulentos?


Todas as disputas e conflitos de interesse são objeto de constante debate na Economia, Administração Pública, na Ciência Política e em tantas outras áreas do conhecimento. No entanto, é no Direito Constitucional que todas essas perspectivas se encontram e complementam o debate acerca do que tem sido feito na atualidade, das regras do jogo, das razões de decidir, do desenho institucional, do que pode ser mudado e tantas outras questões que surgem.


Essa importância proeminente do Direito Constitucional no Brasil em muito se deve ao fato de que a Constituição de 1988, em sua amplitude normativa, dispôs sobre uma enorme diversidade dos temas que regulam e norteiam nossa vida em sociedade. Essa constitucionalização de temáticas tão amplas resulta na demanda frequente por decisões do STF, motivo pelo qual não é possível falar da concretização da Constituição e seus objetivos sem analisar a atuação do Supremo.


Passados 33 anos, é possível afirmar que tivemos avanços, mas que várias conquistas encontram-se em risco por conta da crise das instituições democráticas que vivenciamos atualmente. A Constituição de 1988, por certo, não é perfeita. No entanto, para que não nos percamos em devaneios antidemocráticos, é essencial que respeitemos seu texto e, quando couberem mudanças, que estas sejam implementadas por meio do diálogo e da concordância, essenciais para o bom funcionamento de qualquer democracia.


Compreendendo essa complexidade, o Grupo de Estudos Constitucionais da FGV Direito-SP (GRECO) se apresenta como espaço para alunas e alunos das FGV e de outras instituições construírem conhecimento e pensarem soluções por meio do debate e do contato com atores que possuem as mais diversas experiências. Todos os semestres contaremos com um tema novo, atual, que possa ser debatido de maneira plural por aqueles que se interessarem em nossa proposta, independentemente de curso, ano ou instituição.







Autores: Carlos Roberto Negri, Felipe Kotait, João Pedro Oliveira e Thais Cardoso

Revisão: André Rhinow

Imagem de capa: Reprodução Revista Fórum


 

Referências:


[1] Apesar de problemas, SUS é referência em saúde pública, dizem especialistas, Folha de S.Paulo, disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2018/04/apesar-de-problemas-sus-e-referencia-em-saude-publica-dizem-especialistas.shtml>. acesso em: 29 set. 2021.


[2] SAMPAIO, Helena. Diversidade e diferenciação no ensino superior no Brasil: conceitos para discussão. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 29, n. 84, p. 43-55, fev. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092014000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24 set. 2021.


[3] Manifestantes lançam fogos de artifício em direção ao STF. VEJA. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/manifestantes-lancam-fogos-de-artificio-em-direcao-ao-stf/>. Acesso em: 1 out. 2021.


[4] Da ponta da praia às quatro linhas da Constituição. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/da-ponta-da-praia-as-quatro-linhas-da-constituicao/>. Acesso em: 29 set. 2021.


[5] Não precisamos, mas podemos jogar fora das quatro linhas da Constituição, diz Bolsonaro. CNN Brasil.isponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/nao-precisamos-mas-podemos-jogar-fora-das-quatro-linhas-da-constituicao-diz-bolsonaro/>. Acesso em: 29 set. 2021.


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