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RITA



“O clube do Bolinha afirmava que para fazer rock “precisava ter culhão”, eu queria provar a mim mesma que rock também se fazia com útero, ovários e sem sotaque feminista clichê”

- Rita Lee


Se eu viesse aqui e falasse que a Rita Lee fez parte da minha infância, estaria mentindo. Meu pai sempre foi mais pro lado do roquenrou estrangeiro e minha mãe não era lá muito fã da ruiva. A primeira vez que escutei sobre a Rita – sim, só pelo primeiro nome, pois na minha cabeça já somos íntimas – foi quando tinha uns 12 anos de idade. Estava na sala com a minha mãe e passava uma entrevista da Rita na TV, quando do nada minha mãe soltou uma risada e falou: Sabia que sua avó não me deixava escutar as músicas dela? Ela dizia que ela usava droga. Aquilo me gerou uma risada sincera, o que me fez guardar com uma certa curiosidade a memória daquela mulher ruiva simpática com óculos escuros falando um paulistanês esquisito na TV.


Anos se passaram e, com uns 16 anos de idade, meu pequeno interesse em MPB se transformou em uma grande obsessão pela Ritinha. Sabia as músicas by heart e comecei até a cogitar a ideia de ficar ruiva – e a vontade de realizar tal loucura capilar é algo que carrego até hoje. Gostava tanto da Rita que passei a convidá-la para todos os momentos de arrumação feminina pré-festa universitária, quando eu e minhas amigas estávamos juntas sentadas no chão do quarto nos maquiando, sempre cantando Lança Perfume, obviously.


“Como toda mulher querendo mudar de vida, comecei pelo cabelo” (pág 193)


Todo esse interesse e curiosidade acumulados me levaram a baixar o livro Rita Lee - Uma autobiografia (2016) no meu Kindle alguns meses atrás, durante uma madrugada muito fria na qual não conseguia dormir por causa do aquecedor quebrado – cruzes! O livro conta a história de Rita desde pequena, abrindo assim as portas do casarão da rua Joaquim Távora 670, na Vila Mariana, onde a little Rita morou durante toda a sua infância, junto com suas sisters, um pai rigoroso, uma mãe super religiosa, a sua (fada) madrinha, quem acobertava todas as suas escapadas noturnas, e os inúmeros pets que teve durante a sua infância, incluindo um jabuti, uma pata, uma onça, pássaros, diversos gatos de rua, cachorros e até mesmo uma barata – a Maria, la cucaracha.


“Crescer sendo brasileira entre americanos protestantes/maçons e italianos ultracatólicos me deu uma panorâmica existencial de valores e bizarrices. Não é à toa que sou bipolar com um pé no trifásico” (pág 48)


O livro então passa pelo início da carreira musical de uma garotinha que mal sabia tocar um instrumento e tinha pavor de palcos, contando as conquistas e os fracassos das bandas escolares, o início – e o fim – dos Mutantes, a parceria com a banda Tutti Frutti, o primeiro encontro com Roberto de Carvalho e a elaboração dos hits que mudariam o rumo da música nacional. Durante esse processo, a ovelha negra conta as fofocas dos bastidores da MPB, relatando as histórias que viveu ao lado de músicos de renome como Gilberto Gil, Jorge Ben Jor (ou Mr. Ben para os íntimos), Elis Regina, Caetano, Tim Maia, Cazuza e diversos outros.


Entre as histórias mais icônicas estão o dia em que a rainha do rock brasileiro roubou as cobras que Alice Cooper maltratou durante um show em sampa, a vez na qual lambeu a maçaneta da loja da Apple em Nova York após esta supostamente ter sido tocada por um dos Beatles, o dia em que ela e Tim Maia invadiram a sala do big boss da gravadora PolyGram e destruíram tudo e a vez que ninguém menos que Elis Regina arrumou um barraco na prisão e conseguiu que Rita, na época grávida, tivesse acesso ao atendimento médico que precisava. Fofa.


Entre uma loucura e outra, Rita encontra tempo para abordar com grande sensibilidade temas como a perseguição durante a ditadura, um caso de abuso sexual sofrido na infância, o tempo que passou na prisão, um aborto e a constante luta contra as drogas e o álcool. O tom brincalhão que marca a escrita da autora deixa a narrativa mais leve, mas não tira o impacto e a força por trás da mulher que passou por tudo isso.


“Nenhuma mulher faz aborto sorrindo. Cabe a elas, e somente a elas, a decisão de interromper uma gravidez, assim como de segurar sozinhas as consequências moral, espiritual e oskimbau” (pág 270)


O livro é mais do que uma coletânea de relatos de Rita Lee Jones, capricorniana, rainha do rock nacional. É um retrato falado da vida pessoal e profissional da cantora, através das lentes de seus próprios óculos escuros, sem todos os retoques, as problematizações e oskimbau da imprensa. Se tudo aquilo narrado é verdade ou não, pouco importa, como a própria cantora escreve: “Sou péssima em matéria de precisão histórica, escrevo sobre as impressões que ainda guardo na minha maltraçada memória”. Assim, o caráter mais marcante do livro vai muito além das inúmeras patetices existenciais descritas pela ruiva e está representado, acima de tudo, na honestidade e na simplicidade com a qual Rita conta a sua própria história, mostrando que autobiografia também se escreve com útero e ovários.



Adendo Avó

Durante a escrita deste texto, fui tirar a limpo a opinião da minha avó sobre a Ritinha, só para averiguar se ela havia mudado de opinião durante todos esses anos. Para a minha surpresa, ela me respondeu que, secretamente, adorava as músicas da Rita, só achava que ela tinha uma personalidade meio louca. Tá tudo bem, vó, sempre soube que por dentro a senhora era roquenrou.


Autoria: Victorya Pimentel

Revisão: Lucas Tacara, Anna Cecília Serrano, Laura Freitas

Imagem de capa: Manuela Scarpa publicada em GQ - O Globo

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Bibliografia:

As imagens desse artigo foram retiradas das seguintes fontes:


13 curiosidades sobre a vida e carreira de Rita Lee, a “Mãe do Rock”. Disponível em: <https://novabrasilfm.com.br/notas-musicais/curiosidades/13-curiosidades-sobre-a-vida-e-carreira-de-rita-lee-a-mae-do-rock/>. Acesso em: 24 abr 2023.

Rita Lee: conheça a biografia da rainha do rock brasileiro. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/blog/rita-lee-biografia/>. Acesso em: 24 abr 2023.

FILHO, William Helal. Rita Lee: A prisão na ditadura durante a primeira gravidez e a visita de Elis Regina na cadeia. Disponível em: <https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-acervo/post/rita-lee-prisao-na-ditadura-durante-gravidez-e-visita-de-elis-regina-na-cadeia.html>. Acesso em: 24 abr 2023.


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