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A INDÚSTRIA DO SEXO EM 2021: PREOCUPAÇÕES E MOTIVOS DE ORGULHO



Em dezembro de 2020, a plataforma Pornhub removeu mais de 8 milhões de vídeos após a publicação de um artigo de opinião do New York Times¹ que denunciou a presença de vídeos de revenge porn² e de crianças vítimas de abuso no site. A partir desse evento, o Pornhub endureceu seus critérios e sua seleção em relação àqueles que podem subir e manter pornografia na plataforma – agora, somente usuários verificados e canais parceiros podem fazê-lo.


A postura e as políticas executadas pelo maior website de pornografia do mundo frente às denúncias dão fôlego à interminável discussão acerca de conteúdo pornográfico e, de modo mais abrangente, da indústria do sexo. Com a recente valorização do consentimento e da legalidade na plataforma, questiono se se torna mais correto (ou na verdade, menos errado) consumir este tipo de mídia; ou se as novas políticas e critérios de análise do Pornhub realmente terão algum impacto palpável no longo prazo.


Neste texto, procuro trazer à tona as principais questões desse tema e colocar em perspectiva o que parece ser o futuro dessa indústria. Para tal, além de abordar a pornografia de acesso gratuito, olharei para o sucesso e significado do OnlyFans e de outras plataformas, a fim de mensurar a influência dessa realidade em nossos valores e na imagem da mulher.



O que realmente aconteceu com o Pornhub?


A denúncia no artigo do New York Times instigou as companhias Visa e Mastercard a iniciarem suas próprias investigações à procura de conteúdo ilegal no Pornhub, levando-as, mais tarde, a suspenderem o processamento de pagamentos na plataforma. Seth Eisen, representante da MasterCard em entrevista à The Verge, comentou que “Nossa investigação nos últimos dias confirmou que houve a violação de nossas políticas acerca da presença de conteúdo ilegal no site. Em vista disso, nós instruímos as instituições financeiras que conectam o site ao MasterCard que encerrem suas atividades (...) e continuaremos a investigar a presença de conteúdo potencialmente ilegal em outros websites para tomarmos as medidas cabíveis”.³


Dois dias depois das ações da Visa e MasterCard acontecerem, o Pornhub iniciou um processo de “arquivamento” dos vídeos de usuários não verificados, assim como barrou a postagem de novos vídeos pelo mesmo tipo de utilizador. Segundo o artigo da Vulture,⁴ os vídeos arquivados poderão voltar ao site assim que forem analisados e o responsável por tais vídeos passe pelo processo de verificação.


Mesmo após essa revisão de conteúdo no site, a Visa e MasterCard, até o dia da publicação deste texto, não se pronunciaram mais sobre o caso e o processamento de pagamento se mantém suspenso no Pornhub. Em sequência, criadores de conteúdo amador no Pornhub criticaram a postura das bandeiras de cartão - principalmente - porque temem a queda no retorno financeiro. Ao mesmo tempo, acabam por contemplar a possibilidade da criação de conteúdo em plataformas menores.


Porém, vale ressaltar que a possível migração para outras plataformas deste calibre não necessariamente afetará os negócios do Pornhub ou da própria MindGeek (que é uma espécie de ‘mãe’ da Pornhub), justamente porque, sendo estas representantes do maior conglomerado de sites pornográficos do mundo, será virtualmente impossível fazer um boicote financeiro efetivo a estas. Para isso, seria necessário que as investigações da MasterCard, tal como Seth Eisen comentou, continuem nas mesmas proporções para cada uma das plataformas que estão sob a diretriz da MindGeek (e, indiretamente, do Pornhub). Ou seja, até lá, o financiamento e o apoio ao Pornhub e ao tipo de material que este acolhe continuará acontecendo, mesmo que de forma indireta.


Até aqui, podemos inferir duas coisas: a primeira é que a reforma na política de privacidade e verificação no Pornhub não extingue possibilidades de que vídeos de abuso e violência ou sem o consentimento das partes filmadas sejam subidos na plataforma, que se deve, principalmente, ao fato de que os vídeos denunciados estão arquivados e sujeitos à volta. Em segundo lugar, para que realmente ocorra uma mudança tangível na indústria como um todo, seria preciso que mudanças nessa direção sejam feitas de forma universal – não adianta o Pornhub ser o único website que implementa novas políticas e critérios de verificação, enquanto outras plataformas (como as que estão sob a asa do próprio Pornhub) não façam o mesmo.


Porém, acredito que o Pornhub, assim como outras plataformas pornográficas de mesmo calibre, já estava fadado ao boicote ou, pelo menos, à queda de popularidade se não acompanhassem algumas mudanças sociais que aconteceram nos últimos anos. As inúmeras denúncias⁵ sobre o que acontece por trás (e na frente) das câmeras por atores e atrizes pornô já foram amplamente difundidas e comentadas na mídia, como nos documentários After Porn Ends (2010) e Hot Girls Wanted, ambos disponíveis no Netflix. E, como consequência direta, esses pronunciamentos incitaram campanhas e movimentos como o ‘Recuse a Clicar’, que exerciam uma oposição expressiva à indústria pornográfica e seu consumo.


Além disso, outra vertente abusiva da indústria é ilustrada bem com o caso da ex-atriz pornô Mia Khalifa: a contratual. Isto porque o contrato qual ela assinou com a indústria está em vigor até hoje, mesmo após vários processos judiciais e pronunciamentos públicos dela expressando sua vontade de romper com a pornografia e com o Pornhub.⁶ Ou seja, os vídeos em que ela foi protagonista ainda estão no site, de forma gratuita e livre acesso⁷, dado que estúdios ainda detêm direitos sobre o uso de sua imagem.


Em paralelo, o caso também nos permite perceber quanto o endurecimento da privacidade no Pornhub de 2020 foi raso porque, enquanto a plataforma aparenta ter feito mudanças em prol da segurança e privacidade daqueles que estão em seus vídeos, a situação de Mia demonstra o contrário.


Entretanto, ainda não fica claro se essas pequenas mudanças feitas pelo Pornhub, as campanhas de conscientização e os boicotes como um todo serão capazes de abrir os olhos do público para os outros problemas da indústria e, assim, possivelmente, incitar uma série de transformações mais profundas que a indústria pornográfica como um todo precisa sofrer. Na verdade, também é possível que as novas políticas do Pornhub sejam apenas um sinal da manutenção da plataforma, para que esta continue operando do jeito que é, tal como o caso da Mia indica.



Por qual motivo o OnlyFans acaba por mudar o jogo?


Torna-se evidente que a indústria pornográfica, assim como qualquer outra, deve seguir, pelo menos até certo ponto, as mudanças culturais e no ideário coletivo em que deseja prosperar. Nesse contexto, o OnlyFans surgiu como uma alternativa atraente para os sexworkers que procuram trabalhar e também driblar os prejuízos (psicológicos, físicos e até mesmo lucrativos) da indústria pornográfica tradicional.


O site funciona da seguinte maneira: o usuário se inscreve para produzir conteúdo a que os outros usuários podem ter acesso mediante um pagamento mensal ou uma assinatura (cujo valor é escolhido pelo dono de tal conteúdo). Além disso, os assinantes também podem entrar em contato com o criador de conteúdo através da própria plataforma, ter interações diferentes com ele e também mandar gorjetas, por exemplo. Assim, todo o dinheiro levantado por um certo usuário é exclusivamente dele, descontando somente as taxas que o OnlyFans possa cobrar.


Portanto, os sexworkers conseguem desviar dos malefícios inerentes à pornografia convencional quando escolhem essa alternativa por alguns motivos. Primeiramente, por não existir uma “indústria” do OnlyFans – não há grandes produtoras ou um time hierarquizado por trás da grande maioria do conteúdo no site - a pessoa que está por trás do usuário que fica responsável pelo tipo de conteúdo que trará⁸, em que frequência e em que grau de qualidade. Ou seja, a plataforma oferece protagonismo e autonomia a quem está diante das câmeras, o que é praticamente inédito na história da pornografia; assim, as chances de sofrer abuso, exploração ou qualquer tipo de violência são reduzidos como nenhuma produtora ou plataforma pornográfica seria capaz de proporcionar.


Ainda no escopo da autonomia, outro motivo se concentra no exercício da diversidade visto no OnlyFans, em oposição a como “diversidade” é trabalhada em plataformas como o Pornhub. Pois, enquanto na indústria pornográfica tradicional vemos a generalização de fetiches (raciais, étnicos, de corpos gordos e fora do padrão, de maneira geral), no OnlyFans isso ocorre em uma frequência infinitamente menor, justamente pela independência que os usuários da plataforma têm – em outras palavras, a exploração de fetiches desse gênero vai acontecer à sabor do juízo e do livre-arbítrio do criador da plataforma. De qualquer forma, o que pode ser visto no OnlyFans acaba sendo mais uma celebração da diversidade de corpos, raças e etnias diferentes como os usuários preferirem, do que a vivência e articulação de fetiches vista nas demais plataformas.


É a partir de todos esses diferenciais que se deve o sucesso e o alcance do OnlyFans. Por ser uma plataforma que compactua e respeita mais as necessidades dos trabalhadores do ramo e também porque é mais adequada para o que eu penso ser uma nova fase do consumo e produção de pornografia. Talvez a única razão pela qual o OnlyFans não represente uma grande competição ao Pornhub seja o fato de que o conteúdo só é acessível mediante um pagamento e o site ainda não ofereceu (e, muito provavelmente, não irá) opções de acesso gratuito.


Em síntese, tive como principal motivação elucidar os principais tópicos acerca da indústria pornográfica e as mudanças que vem sofrendo nos últimos anos. Procurei mostrar como, em muitos aspectos, o comportamento da indústria e do público consumidor não tem passado por modificações muito expressivas.


Além disso, devemos comemorar que houve uma mobilização tão grande em torno de trazer justiça para as vítimas de revenge porn e de abusos. Ainda assim, por mais que tenha sido uma importante movimentação importante, o site continua a permitir, concentrar e difundir violências que devem ser duramente criticadas. Porém, essa manutenção do Pornhub pode ser vista como um passo pequeno em uma direção certa – mesmo que hoje não represente muitas mudanças dado as brechas que a política ainda tem e a dimensão da plataforma como um todo, essa reforma pode, com certeza, simbolizar um enrijecimento necessário para que a indústria pornográfica continue operando de modo remotamente mais adequado.




Revisão: João Vitor Vedrano e Cedric Antunes

Imagem da capa: Aliança.fm

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Referências



²Termo que significa pornografia de vingança: o ato de publicar ou espalhar vídeos e fotos sexuais de alguém, normalmente um ex-parceiro sem o seu consentimento a fim de causar desconforto e humilhação.


³A fala citada é encontrada na íntegra em https://www.theverge.com/2020/12/10/22168240/mastercard-ending-pornhub-payment-processing-unlawful-videos . Neste texto, foi traduzida, de forma livre, ao português.



⁵ Para exemplificar e deixar alguma destas denuncias de fácil acesso: https://fightthenewdrug.org/10-porn-stars-speak-openly-about-their-most-popular-scenes/




⁸Por este motivo, a plataforma não é nem usada estritamente para conteúdo sexual – há aqueles que oferecem vídeos exclusivos de cozinha, de treinos esportivos, entre muitos outros. Há projeções de que o conteúdo postado nesta plataforma se diversifique até mais, como defendido por Alice Lemée em https://medium.com/swlh/how-onlyfans-is-ushering-the-creator-economy-into-a-prosperous-new-era-296dda7fad9d



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