O QUE ACONTECE ÀS COSTAS DE CRISTO
- Arthur Visconde
- 22h
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Prólogo
“Like this bridge. We built it every night; Charlie blows it right back up again so that the generals can say the road’s open.”
- Apocalypse Now (1979)
Em Apocalypse Now, Francis Ford Coppola explora a última missão militar do Capitão Willard na Guerra do Vietnã. O comando dado ao personagem principal é simples: matar um ex-comandante do exército americano, Coronel Kurtz, devido a sua revolta contra os Estados Unidos. A justificativa da cúpula militar se baseia nas práticas desumanas e violentas de Kurtz perante os combatentes, alegando que o antigo coronel não suportou a pressão da guerra e perdeu a humanidade de seu ser. Entretanto, ao se deparar com práticas de comandantes atuais do exército durante sua missão, Willard se encontra em um impasse moral sobre seu objetivo ao comparar as realizações deles e de Kurtz: elas são igualmente bárbaras.
O que acontece por trás do Cristo
O que acontece quando um Estado perde o monopólio do uso da violência? De maneira objetiva e resumida, um dos resultados dessa perda pode se dar pela abertura de um vácuo entre a sociedade. Aquele que conseguir exercer o poder, que deveria ser estatal, instaura uma nova fonte de soberania e governo. No Brasil, um dos grandes expoentes dessa possibilidade é o Comando Vermelho, que nasceu e se sediou justamente em áreas do Rio de Janeiro onde o Estado nunca se preocupou em atuar. Entretanto, a atuação de ambos é bem contrária. Enquanto o Estado brasileiro busca, idealmente, justiça, proteção e progresso de seus cidadãos, o CV atua de maneira exploratória dentro das favelas. A facção se utiliza da violência e da instauração do medo dentro da comunidade como maneira de explorar a população através de serviços de internet, gás, transporte, dentre outros nos quais o Comando Vermelho atua como monopolista. A favela vira um reino e seus habitantes viram reféns do medo.
Mesmo com isso em mente, a megaoperação Contenção, lançada contra a facção, pode ser considerada um grande fracasso. Realizada em 28 de outubro, uma terça-feira, a operação desferida pelo governo estadual do Rio de Janeiro deixou 121 mortos e prendeu outras 99 pessoas. Além disso, foram apreendidas 122 armas, sendo a maioria fuzis. Em termos brutos, essa foi a maior operação já conduzida na história do país, ultrapassando, em número de mortes, o massacre do Carandiru em 1992. Mas como uma operação dessa magnitude, que parece ir de encontro ao governo do tráfico, contendo o avanço do Comando Vermelho pela cidade, pode ser considerada um fracasso? Para responder essa pergunta, é necessário analisá-la através de termos de eficiência, de coordenação e de humanidade.
A política de megaoperações na cidade do Rio de Janeiro começou há mais de 30 anos atrás, curiosamente, em uma operação situada no Complexo do Alemão em junho de 1994. Ao longo desses 30 anos de conflitos policiais com o tráfico, foram registradas mais de 700 ações policiais com alguma morte, incluindo mais de 15 megaoperações ao longo do estado, culminando em mais de 2936 vítimas (considerando dados apenas a partir de 2007). Já é mais do que claro que a violência se consagrou como o principal instrumento estatal no combate contra o crime, mas a sua eficiência como mecanismo de combate é muito limitada. Se a atual megaoperação foi celebrada pelos agentes do estado fluminense – principalmente pelo governador – como um grande baque na estrutura do Comando Vermelho, por que, ao longo de mais de três décadas de conflito armado, a facção se encontra mais robusta e forte do que nunca? A resposta para essa pergunta se encontra no entendimento de que o Rio de Janeiro decifrou muito mal o crime. O estado atua como se a fortaleza do crime ainda se situasse nas favelas cariocas, enquanto ignora toda a estrutura política e financeira que sustenta as facções criminosas. De pouco adianta uma megaoperação que visa um ataque ao “térreo” do crime; o impacto real na estrutura das facções é muito restrito. Entretanto, o governador Cláudio Castro, que operou 3 das 4 maiores megaoperações no estado, deposita toda a força investigativa e de choque da polícia nesse baixo escalão criminoso. Enquanto isso, a alta classe criminosa permanece se fortalecendo e mantendo o fluxo de drogas, de armas e de capital para as favelas. Além disso, o próprio negócio ligado ao tráfico interno e internacional de drogas já não se trata da principal fonte de renda dessas facções, mesmo o estado focalizando sua atenção apenas nessa operação. Os ramos de combustíveis e de produtos alcoólicos são, atualmente, tão rentáveis quanto o tráfico e sustentam as organizações criminosas sorrateiramente, enquanto todo o foco da disputa entre o CV e o estado é depositado dentro das guerras nas favelas. Desse modo, a efetividade real dessa e das demais megaoperações lançadas para dentro das favelas é muito discutível, visto que essas atacam um ramo e um grupo do crime que não representa a principal força administrativa e financeira do Comando Vermelho.
Ao realizar uma operação como essa e não seguir o processo de ocupação territorial da área, contribui para o debate sobre a baixa eficiência da medida. Ao contrário do que já foi realizado e consagrado com as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), a megaoperação Contenção não contou com nenhum tipo de plano de reocupação dos Complexos do Alemão e da Penha. A frase “ocupação não é a solução”, disparada pelo Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, apenas confirma a falta de comprometimento estatal à prática iniciada nas UPPs. Tal opção somente abre espaço para a retomada das operações criminosas dentro das áreas. Retorno esse que, posteriormente, será utilizado como justificativa para mais uma operação no local. Dessa forma, essa megaoperação apenas corrobora a ciclicidade da violência das favelas, a ponto de não buscar de maneira alguma a reinserção e retomada do território por parte do governo do estado, mantendo sua posse real ainda nas mãos do Comando Vermelho.
A exemplo de comparação, duas semanas antes do ocorrido no Rio, o governo do Rio Grande do Norte conduziu uma operação em parceria com a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) e com o Ministério da Justiça. Sem a necessidade de disparar um tiro sequer, o governo foi capaz de apreender diversas armas e cumprir mandados de prisão contra membros de organizações criminosas. Após a implementação da medida, o governo já possui planos para introduzir serviços que garantam direitos civis básicos como documentação pessoal, atendimento de vítimas de violência, coleta de lixo e policiamento permanente. Tal exemplo deixa claro que existem diversas outras maneiras mais eficientes de se realizar o combate contra facções criminosas, cuidados que o governo estadual do Rio de Janeiro não se preocupou em ter.
Em questão de coordenação entre o eixo estadual e o federal, a megaoperação é vergonhosa e demonstra um dos motivos da ineficiência no combate ao crime. Uma operação dessa dimensão e objetivo não pode de maneira alguma ser escondida dos entes federais do Estado. A comunicação que deveria vir do estado do Rio de Janeiro ao Ministério da Justiça e Segurança Pública é ignóbil. Além disso, o fato de o Presidente da República estar incomunicável (por estar voltando de uma viagem internacional oficial) durante a operação apenas corrobora a péssima coordenação entre o estado e os entes máximos do governo federal. O governador Cláudio Castro agiu de forma irresponsável ao progredir com a operação e afirmar após sua finalização que o “Rio está sozinho”, sendo que, de acordo com o ministro Lewandowski, o Ministério mantém a atuação dentro do estado fluminense desde outubro de 2023. Castro tentou resolver sozinho uma questão que de acordo com ele mesmo “excede as nossas competências [como governo estadual]”, demonstrando como o Rio ainda não possui nem capacidade nem maturidade para resolver o problema interno de crime que demanda uma comunicação intensa entre todos os níveis governamentais. A opção por deixar o ente federativo fora da solução é irracional e corrobora o não desenvolvimento de um fim para a questão de segurança pública. Nunca será possível dissolver organizações do porte do Comando Vermelho sem a força repressora e investigativa da administração federal, como afirma o próprio governador. Mas, portanto, qual o motivo concreto dessa má coordenação e ignorância por parte do governador? Ainda incerto. Mas com um ano eleitoral logo à frente e com um governo liderado por sua oposição ideológica, não é impossível que Castro tenha tentado levar todos os louvores do combate ao crime para si por uma questão meramente política, que se for confirmado, seria no mínimo vexatório.
Diante de todas essas críticas que dominaram o debate público, o governo do Rio buscou de maneira decente absorvê-las e corrigi-las. Em questão da eficiência da operação, o governo de Castro Alves já busca implementar novas operações contra o crime organizado, dessa vez buscando braços financeiros e políticos do Comando Vermelho, mirando a conexão da facção com empresários e representantes em Brasília. A operação ainda não foi confirmada, mas o governo quer entregar ao STF o plano dessa operação até o final de 2025. Além disso, por ordem do Supremo, o governo começou a preparar um plano de reocupação das favelas, que também deve ser entregue ao STF e ao Conselho Nacional do Ministério Público até o fim do ano. Tratando-se da questão coordenativa, foi criado o Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado, que busca reatar a comunicação entre as forças de segurança pública estaduais e federais com o objetivo de promover ações integradas entre ambas. O único problema de tudo isso é muito claro e óbvio: 121 mortes; um dia inteiro de guerra nas favelas; medo dissipado por toda a população da comunidade; mais de 50 corpos retirados da mata pelos próprios cidadãos; uma praça que virou cemitério; uma foto para a eternidade da história da violência nacional. E depois do que ocorreu, é inevitável questionar: esse número de mortes é justificável em uma operação tão limitada quanto essa? A resposta é não. Em uma questão ética e moral, nunca mortes deveriam ser justificadas, especialmente aquelas de inocentes. Porém, infelizmente, o governo só abre os olhos para sua ineficiência e para a humanidade da população com esses grandes “espetáculos”.
Por conta desses motivos, portanto, pode-se entender a Contenção como um grande fracasso. Isso se concretiza, ao ponto que essa operação apenas escancarou à população como o combate ao crime no Brasil, especialmente no Rio, ainda é extremamente ineficiente e retrógrado. O uso exclusivo da violência é ineficiente para esse objetivo e as maneiras de fato consagradas para esse combate não possuem muita relevância para o governo. A teimosia do estado do Rio de manter o governo federal fora da política de segurança interna atrasa o objetivo nacional de conter facções criminosas. As medidas atuais que buscam solucionar esses problemas vieram tarde demais, e é uma pena que foram implementadas somente após a operação mais sangrenta da história do país.
Autoria: Arthur Visconde
Revisão: Ana Clara Jabur e Artur Santilli
Imagem da Capa: Pinterest
REFERÊNCIAS
BRASIL, D. C. Dados da megaoperação enviados ao STF divergem dos divulgados pelo governo. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/dados-da-megaoperacao-enviados-ao-stf-divergem-dos-divulgados-pelo-governo/>. Acesso em: 21 nov. 2025.
Mortes em megaoperação contra Comando Vermelho no Rio são mais do que o dobro do recorde anterior de letalidade - BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cj97wwv2kndo>. Acesso em: 21 nov. 2025.
BRASIL, D. C. Após 64 mortos no RJ, MJ divulga balanço das ações federais no Estado. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/mj-divulga-nota-apos-operacao-mais-letal-no-rio-de-janeiro/>. Acesso em: 21 nov. 2025.
Lewandowski e Cláudio Castro anunciam escritório emergencial para enfrentar crime organizado no Rio de Janeiro. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/10/29/lewandowski-e-claudio-castro-anunciam-escritorio-emergencial-para-enfrentar-crime-organizado-no-rio-de-janeiro.ghtml>. Acesso em: 21 nov. 2025.
EIRAS, Y. Rio prepara novas operações, com foco em braços financeiro e político do CV e retomada de território. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/11/rio-prepara-novas-operacoes-com-foco-em-bracos-financeiro-e-politico-do-cv-e-retomada-de-territorio.shtml>. Acesso em: 21 nov. 2025.



