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A RENASCENÇA DA SAGA CREPÚSCULO



Em um fim de semana, postei um stories da televisão da minha casa no Instagram. A palavra Twilight (Crepúsculo) reluzia na tela plana em contraste com uma paisagem sombria de coníferas norte-americanas sobrepostas por um filtro verde azulado. Forks, Washington. Inúmeras garotas seriam capazes de identificar a localidade da floresta retratada na imagem imediatamente. Era domingo e o clima estava nublado e chuvoso. Naturalmente, eu, Marina e Manu (minha irmã e uma amiga) concordamos que se tratava do dia perfeito para assistir ao clássico cult adolescente que fora adaptado do best-seller de Stephenie Meyer em 2008. Curiosamente, a editora-chefe da Gazeta Vargas respondeu ao post com uma pergunta: por que estão todos reassistindo à Saga Crepúsculo? Péssimo erro, porque estive esperando por uma deixa para escrever esse texto há meses.


Cunhada pelo historiador inglês James Laver, a Lei de Laver descreve a existência de ciclos no mundo da moda. Todo estilo popularizado durante uma época específica corre o risco de ser ridicularizado por gerações futuras para, então, voltar a ser uma tendência anos depois. De maneira similar, a Saga Crepúsculo parece ter renascido das cinzas nos últimos meses, mais de dez anos após o seu sucesso inicial, sua decadência e sua ridicularização. Ao longo deste ano, a hashtag #Twilight adquiriu mais de 10.5 bilhões de visualizações no Tik Tok com vídeos que somam milhões de curtidas. Nos brechós, foi iniciada uma caçada pelas roupas que faziam parte do antigo merchandising dos filmes, e Robert Pattinson voltou a estampar as camisetas usadas por garotas adolescentes. Uma nova tendência de moda circula pela internet com o nome de Bella Swan core, com a intenção de mimetizar o estilo da protagonista da história, e envolve a combinação de blusas de manga comprida com cores neutras, camisas xadrezes, calças flare de cintura baixa e tênis da Converse. É como se tivéssemos voltado ao início dos anos 2010 e Kristen Stewart ainda não fosse, assumidamente, gay.


Bella Swan (Kristen Stewart) em seu quarto


A resposta simples para a renascença da Saga Crepúsculo perpassa sua volta ao catálogo da Netflix durante o ano de 2021, em fevereiro no Brasil e em julho nos Estados Unidos. O isolamento social fez do consumo de filmes nostálgicos, que não exigem a produção de massa cinzenta pelo cérebro para serem apreciados, um agrado a todos que tiveram tempo de sobra para passar as tardes debruçados sobre o sofá. É isso que uma garota triste, um vampiro que brilha sob o sol e um lobisomem que nunca usa camiseta oferecem: lembranças de tempos mais simples, conforto e escapismo puro.


Edward (Robert Pattinson) revela a Bella (Kristen Stewart) que é um vampiro


A resposta mais complexa para a nova ascensão do romance sobrenatural entre a mortal Bella e o vampiro Edward envolve misoginia e o poder de compra de garotas adolescentes. Ao mesmo tempo que os assuntos de interesse do público feminino são largamente ridicularizados, eles também ditam a maior parte das tendências do âmbito cultural. De acordo com o veículo midiático Vox, ser uma garota adolescente é, simultaneamente, ser o saco de pancada, a mina de ouro e o guardião da cultura pop. Durante todo o século XIX, os romances de Jane Austen e das irmãs Bronte foram popularizados pelas jovens da aristocracia inglesa; e quando garotas adolescentes descobriram a maior boyband da história em 1963, o jornalista Paul Johnson escreveu em um artigo da New Statesman que aquelas que gritavam histericamente pelos Beatles eram as menos afortunadas da geração. De maneira similar, a Saga Crepúsculo sempre transitará entre o estrelato e o ridículo, porque é uma composição dedicada ao olhar feminino.


Com exceção da obra-prima cinematográfica que é a cena em que os Cullen reúnem-se para jogar beisebol, Crepúsculo possui muitos defeitos. É de conhecimento geral que os filmes ficam progressivamente piores ao longo da saga. Supostamente, apenas o primeiro deles foi capaz de capturar os desejos intrínsecos do público feminino, já que foi o único a ser dirigido por uma mulher. Somente ele e Lua Nova, o segundo longa da franquia e o meu favorito, possuem um aspecto de filme indie de baixo orçamento, com cômicos efeitos visuais e trilha sonora impecável, ao passo que os demais têm uma aparência blockbuster, que carece do intimismo e da angústia presentes no início do romance. Além disso, o relacionamento entre os protagonistas fica gradativamente mais abusivo e toda história parece uma propaganda mórmon, em que não existem pessoas não-brancas ou não-heterossexuais ocupando papéis de relevância.


Alice Cullen (Ashley Greene) na cena do beisebol


Na vídeo-redação Dear Stephenie Meyer, I'm Sorry, de 2018, a crítica de cinema Lindsay Ellis alega que Crepúsculo é uma ficção comercial tão boa (ou ruim) quanto todas as outras que existem no mercado. Em seguida, ela argumenta que a reprovação atípica que os filmes da franquia receberam durante o início dos anos 2010 aconteceu porque todos odiamos garotas adolescentes. Até recentemente, ninguém havia pensado que meninas comprariam muito mais caso não fossem feitas de chacota por gostarem de algo – eu me pergunto se isso tem algo a ver com o fato de o mundo corporativo ser um espaço majoritariamente masculino. Com a ascensão do feminismo liberal na cultura mainstream, todavia, o público feminino passou a ter uma margem de expressão bem maior, graças à sua crescente relevância econômica: em 2021, lojas como a Praying, do Instagram, cobram quase 100 dólares por uma bolsa do casal Bella e Edward. Girl power é extremamente lucrativo e a renascença da Saga Crepúsculo é um reflexo da exploração de jovens mulheres pelas grandes corporações sob um pretexto de aceitação.


Autoria: Beatriz Nassar

Revisão: Letícia Fagundes e Bruna Ballestero

Arte: @mrvllous/ We Heart It




Referências/Fontes:

DEMOPOULOS, Alaina. Why Everyone’s Watching ‘Twilight’ During the Pandemic. The Daily Beast, 2021. Available at: <https://www.thedailybeast.com/why-everyones-watching-twilight-during-the-pandemic?ref=scroll>. Access on: 9 Nov. 2021.

ELLIS, Lindsay. Dear Stephenie Meyer. Youtube, 2018. Available at: <https://www.youtube.com/watch?v=8O06tMbIKh0&t=479s>. Access on: 9 Nov. 2021.

FROM the archive: The Menace of Beatlism. The New Statesman, 2014. Available at: <https://www.newstatesman.com/culture/music-theatre/2014/08/archive-menace-beatlism>. Access on: 9 Nov. 2021.

GRADY, Constance. Who runs the world? Not teen girls. Vox, 2021. Available at: <https://www.vox.com/the-highlight/22352860/teenage-girls-pop-culture-tiktok-olivia-rodrigo-addison-rae>. Access on: 9 Nov. 2021.




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