A VIDA E OS QUE NÃO SABEM DANÇAR
- Carolina Setten
- 1 de ago.
- 7 min de leitura

Gosto muito de música brasileira. Sempre gostei e, em uma das minhas últimas viagens de ônibus, o modo aleatório do Spotify me surpreendeu com uma das músicas da Marina Lima, a qual eu tinha esquecido a existência. “Não sei Dançar” é uma música que eu escutei muito com a minha mãe durante o ano passado. No carro, enquanto eu dirigia para “pegar prática”, colocávamos o álbum da Marina e tentávamos descontrair e entender esta letra para, posteriormente, destrinchá-la: Afinal, o que ela quer dizer com “e tudo o que eu posso te dar é solidão com vista pro mar”? Ela está falando que só pode fornecer o básico? Qual a diferença entre a solidão comum e a solidão de frente pro mar? Enfim, ao ouvir esse álbum quase um ano depois, eu não sinto nada além de um sentimento que perpassa a nostalgia e a inquietação. Para mim, Marina explicita que não sabe dançar, ou melhor, não sabe ser uma versão de si que acompanhe a pessoa alvo de admiração e cobiça. Parece que ela sofre com o descompasso entre os dois e, ao mesmo tempo, busca resignação perante ao caso mal sucedido. E, trazendo esta análise para a minha vida pessoal, a qual é repleta de passos desengonçados em forrós improvisados e tentativas falhas de dançar pagode (as quais fariam até o Zeca Pagodinho revirar os olhos), eu me pergunto: Será que este desconcerto, desconforto que seja, em relação aos acontecimentos da vida um dia vai embora? Será que um dia deixamos as nossas inseguranças de lado e ganhamos a confiança necessária para encarar o dia a dia sem olhar para trás ou se questionar sobre a nossa conduta passada?
Por um lado, acho que esse questionamento sobre as nossas decisões é até um pouco saudável, já que nos ajuda a ponderar as nossas escolhas de maneira mais objetiva. Porém, a longo prazo, essa constante dúvida não passa de um fardo desgastante. Nós, jovens, somos os que mais sentimos tudo. As mudanças, as coisas que vieram para ficar e as coisas que não nos servem mais nos provocam muito. Não dá para negar: somos os mais intensos. Apesar de alguns sentirem menos e outros chorarem pelas maiores banalidades, estamos numa árdua luta coletiva de achar um modo de vida que nos gratifique ao máximo: queremos aproveitar, mas também construir nossa carreira. Queremos sair de madrugada, mas acordar cedo para correr no dia seguinte. Queremos fazer aquilo sem abrir mão de outro fator, puxamos o cabo de guerra, andamos na corda bamba, testando aquilo que parece bom, e assim vai. Mas, devemos abrir mão do quê? Qual deve ser o nosso exemplo, em quais figuras devemos nos espelhar e quem, no final, está certo? Como lidar com aquela vozinha da nossa cabeça que vive nos dizendo que podíamos estar fazendo muito mais?
Como não podemos ficar parados, uma vez que o relógio já está correndo e não para mais, vamos vivendo. Acompanhamos os tic-tacs dos ponteiros e somos avisados pelo sino da igreja que já são 18h. Existimos da forma que achamos certa e entramos no automático: quando vemos, a tão esperada festa já foi, o final de semana já passou e agora você arruma a sua mala às pressas para voltar para sua cidade natal e abraçar a sua mãe, porque, às vezes, o abraço dela é o único remédio. Remédio para aquela dor de não saber se está fazendo o certo, daquele desconforto que tensiona os ombros e te faz pensar “eu sou realmente essa pessoa?”. Essa pessoa que magoa as outras, que volta e meia erra, esse ser que não sabe de tudo. De vez em quando, me pergunto sobre a pessoa que estou me tornando. Sou extremamente dura comigo. Não me permito errar, falhar; e, talvez por essa falta de tolerância, eu não saiba errar pequeno. Para mim, meus erros são catastróficos. Choro com eles, escrevo no meu diário e sei que minha terapeuta ficará pelo menos trinta minutos escutando sobre o meu suposto fim do mundo na próxima sessão. E, depois desses erros, destas freadas bruscas da própria vida, você sente com a maior intensidade do mundo aquilo: o desconcerto. Não se reconhecer nas suas ações, não entender porque tal coisa está acontecendo com você. É um questionamento incessante, que percorre todo o seu ser.
Na maioria das vezes, essa angústia de não saber qual caminho você está tomando, passa. Nos distraímos com outras coisas. E, depois dela, você entende o porquê de tal coisa não ter funcionado, o porquê do sentimento de não-pertencimento a um lugar dominar o seu peito. Acredito que esquecemos de sentir os sentimentos. Esquecemos de tentar entender o que eles nos denunciam. Na minha cabeça um pouco maluca de uma menina de 19 anos que acha que tudo acontece por um motivo e pensa que tudo sempre dá certo no final, os sentimentos denunciam a nossa alma e o estado dela. Eles são os termômetros do nosso coração e, meu Deus, eu sei o quanto isso é cliché, mas não sei como fugir da ideia de que confiar em nos nossos instintos é essencial. É curioso nos percebermos duais, providos de uma essência a qual apenas compreenderemos com o decorrer da vida. Esta natureza inata, que nos faz sentir consonância ou não com as nossas decisões, com as nossas ações. É lindo falar de uma parte de nós que ainda não entendemos por completo, mas que está com a gente desde sempre. Talvez, daqui a alguns anos, olhemos e percebamos que tudo não passou de um pré-espetáculo e a angústia de não saber o caminho certo só acontecera porque não sabíamos de algo, não conhecíamos tal pessoa ou não tínhamos a compreensão de nós mesmos.
Na minha cabeça, esses momentos de desconcerto em relação a que rumo da vida levar, apesar de desconfortáveis, são necessários. Gregório Duvivier diz que, dependendo da situação, é mais importante saber quem você não quer ser do que aquilo que você de fato quer se tornar. Acredito que hoje os jovens se cobram demais para achar um estilo de vida ou um conforto inabalável para basearem os restos de suas vidas enquanto ainda estão nos primeiros anos dela. Somos jovens. E espero que possamos ser. Com a internet e as mudanças cada vez mais expressivas, nascemos sentindo que estamos atrasados. E não temos tempo para lidar com essa angústia, além das dúvidas da própria vida. Esquecemos que ainda temos tempo, e que não devemos saber de tudo. Esquecemos que o desconforto faz parte da vida. E, mesmo assim, continuamos a temê-lo, já que o associamos com um sentimento que não leva a lugar nenhum, que alonga o nosso próprio sofrimento. A verdade é que nessa dança chamada vida, ninguém sabe dançar plenamente. Mas, convenhamos: é muito interessante entender os passos que cada um decidiu adotar para si. Eis o processo que denuncia os detalhes, os responsáveis por dar brilho à vida, por fazer os casais se unirem, por permitir a coexistência das companhias mais improváveis.
Detalhes. O elemento que dá cor às coisas. Vejo com dificuldade como a vida seria se não fosse a riqueza despretensiosa deles. A arte de perceber é o que nos permite desfrutar do belo. Sinto como se eu vivesse pelos detalhes e que a minha vida se desdobrasse a partir deles. Acho a originalidade oriunda dos mais inusitados detalhes algo tão ousado. Amo ver no outro uma característica que nunca vi em mim. Amo interpretar os símbolos que o outro decidiu adotar para si e adoro o processo de tentar entender o que estes representam nas mais diversas instâncias. Gosto de como estes pequenos encontros atuam como o consolo ou lembrete que eu preciso para compreender que a vida pode ter muitos rumos, diferentes formas e diversos sentidos. Amo como eles me lembram que está tudo bem em não saber dançar. Amo como eles minimizam o desconforto e amo como eles me permitem ter as conexões mais genuínas possíveis com pessoas que nunca pensei que conheceria.
Acho que não há remédio para o desconcerto em relação à vida. Ele é cíclico e se renova com o tempo. Sem dúvidas, a juventude é o momento no qual mais temos contato com a insegurança de não saber qual caminho levar. É o momento em que encaramos a vida de frente, e não sabemos nomear os nossos sentimentos. Não entendemos porque sentimos que algo está fora do lugar. E, talvez, no final desse labirinto chamado “vida”, percebamos que estávamos aqui apenas para desfrutar do melhor; para tomar as decisões que mais se encaixam com a versão mais verdadeira da gente, daquela parte da nossa alma que nos faz sentir bem-estar ou agonia. Talvez, a vida seja muito mais simples do que imaginamos, e nós que a complicamos. Talvez o nosso sofrimento esteja aí: em não sabermos nos despedir daquilo que não nos serve mais e da nossa falta de habilidade de nos desatarmos de amarras invisíveis, que do dia para a noite nos apegamos com unhas e dentes para assim acreditar que temos alguma certeza nesse mar de mudanças que é a vida.
Em sua música, acredito que Marina Lima não está falando do desconforto e desconcerto que a vida nos proporciona ao longo da nossa trajetória. Talvez a letra seja mais sobre um relacionamento frustrado, um casal que não pode terminar junto. Mas eu nunca acho que é só sobre isso. E, provavelmente, este seja o meu maior defeito (ou qualidade): para mim, nada é apenas o que aparenta ser. E, provavelmente, seja eu quem esteja causando o meu próprio desconcerto em relação ao meu cotidiano, à minha vida, apegando-me as tais "convenções imateriais". De vez em quando, até escrever fica demais para mim, já que as circunstâncias não cabem no papel. É louco esta impotência, esta percepção de que a vida não é óbvia e que, para compreendê-la e tomar o meu rumo, eu tenha que acolher o desconcerto e torná-lo parte do meu universo individual.
Autora: Carolina Setten (@carolinasetten)
Revisoras: Ana Clara Jabur (@anasjabur) e Giovana Rodrigues (@giiiirodrigues_)
Imagem: Pinterest







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