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CURSINHO NA CPOP: ENTENDA AS DISCUSSÕES POR TRÁS DA APROVAÇÃO

Atualizado: há 2 dias

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Algumas semanas atrás, a Gazeta recebeu um relato na Ouvidoria Vargas envolvendo o Cursinho FGV (CFGV) e sua aprovação na Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP). Para uma melhor apuração dos fatos, entrevistamos off-the-record uma série de membros e diretores da entidade, além de buscar o Ministério da Educação (MEC) para a redação desta reportagem. No texto de hoje, portanto, você entenderá os bastidores de uma longa discussão que ultrapassou os grupos e reuniões internas de uma das entidades com maior impacto social da Fundação, tomando os corredores e rodas de conversa de nossas Escolas. 


Para tanto, antes de explorar os dramas enfrentados pela gestão do Cursinho FGV nos últimos meses, é preciso explicar no que consiste a CPOP. Em 2002, o Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 63, convertida na Lei nº 10.558/2002 pelo Congresso Nacional, instituiu o Programa Diversidade na Universidade. A iniciativa tinha como finalidade implementar e avaliar estratégias para promoção do acesso a pessoas pertencentes a minorias sociais, especialmente de pessoas pretas, pardas e indígenas, ao ensino superior. Um passo importante para a educação pública, considerando que, naquele momento, as cotas raciais e socioeconômicas não eram a realidade de nenhuma universidade pública brasileira. 


Mais de 20 anos mais tarde, em março deste ano, o Governo Federal edita o Decreto nº 12.410/2025, regulamentando o Programa Diversidade na Universidade. Nesse sentido, o texto normativo prevê a instituição da CPOP como meio de implementação do programa, que agora passaria a atuar por meio do incentivo à estruturação de cursinhos populares. Seu desenvolvimento, desse modo, abrangeria desde a aquisição de materiais pedagógicos para professores até a manutenção dos estudantes dos cursos preparatórios por meio de incentivo financeiro. O decreto ainda define que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação seria o órgão governamental responsável pelo desenvolvimento do programa. 


No mês seguinte à edição do decreto, o MEC voltou a promover o tema ao publicar o Edital de Chamada Pública nº 01/2025 da Rede Nacional de Cursinhos Populares. O anúncio tinha como objetivo selecionar 130 propostas de cursinhos populares gratuitos, voltados a preparar estudantes para o Enem e outros vestibulares, para oferecimento de apoio financeiro estatal. Conforme o edital, os cursinhos precisariam ter no mínimo 20 estudantes; um plano de alocação orçamentária para o apoio a estudantes, professores e coordenadores; coerência com a finalidade da CPOP; atividades complementares que fossem relacionadas com a promoção da cidadania, promoção da saúde, combate ao racismo e ao capacitismo; além de um projeto político-pedagógico compatível com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio e ao conteúdo programático do Enem, com uma carga horária de, no mínimo, 20 horas semanais.


Em relação ao apoio financeiro, o edital previa que cada cursinho poderia apresentar uma proposta orçamentária de até R$163.200,00. A norma, contudo, previa como o auxílio devia ser distribuído, de modo que a assistência à permanência dos alunos seria concedida em seis parcelas mensais no valor de R$200,00 cada – podendo ser concedida para 20 a 40 estudantes; o apoio financeiro ao trabalho dos professores e dos coordenadores em 7 parcelas mensais – sem mencionar um valor específico, mas limitando a um orçamento individual de R$3.000,00 e um total de R$109.200,00; e um auxílio financeiro voltado para as atividades técnicas e administrativas no valor de R$6.000,00. 


De acordo com os integrantes da entidade ouvidos pela Gazeta, o edital teria chegado à diretoria do Cursinho por meio de alunos e membros que descobriram a proposta do Governo Federal. Após verificar se não havia nenhum problema com as normas internas da FGV, os diretores do Cursinho teriam realizado sua inscrição no processo seletivo. É importante ressaltar que, no regulamento da FGV e em consulta realizada pelo Cursinho à coordenação da Fundação, não foi constatado nenhum impeditivo de inscrição e, portanto, não há qualquer violação jurídico-administrativa na participação do cursinho no CPOP. “A correspondente do edital ressaltou que o valor recebido seria uma bonificação, e não um salário”, apontou um dos diretores entrevistados.


Com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), pedimos ao MEC o formulário de proposta do Cursinho, a fim de avaliarmos a proposta por inteiro. No documento, o Cursinho detalha sua estrutura interna, quantidade de alunos, estrutura curricular, metodologia de ensino, detalhes sobre as iniciativas de educação popular e outras informações a respeito do funcionamento institucional da entidade, com o objetivo de justificar a necessidade de auxílio governamental. A respeito da verba fornecida pelo governo federal, a proposta pede R$160.400,00, a serem distribuídos conforme o estabelecido pelo programa.


Diante disso, os diretores procurados pela Gazeta afirmaram que, inicialmente, houve discordâncias internas entre a gestão em relação à submissão ou não da proposta ao edital devido à burocracia na prestação de contas por tratar-se de verba pública, além das eventuais dificuldades que poderiam surgir na viabilização do recebimento do auxílio pelos alunos. Nesse sentido, segundo um membro do Cursinho entrevistado pela Gazeta, embora a gestão estivesse preocupada com esses entraves, uma das diretorias teria, sem que houvesse sido acordado entre os demais diretores da entidade o direcionamento dos recursos financeiros recebidos, inscrito o CFGV no edital do CPOP, solicitando o valor já citado, que ultrapassa 150 mil reais. A Gazeta Vargas ressalta que essa diretoria foi procurada durante o processo de redação deste texto, mas até o momento de sua publicação, havia optado por não responder às nossas perguntas.  


Posteriormente à aprovação do Cursinho no Edital e em meio a uma discussão generalizada que tomou a entidade durante uma Reunião Geral, essa mesma diretoria, no entanto, apresentou uma justificativa para que assim tivesse operado. Em um vídeo de mais de 10 minutos enviado no grupo geral da entidade no WhatsApp, a diretoria alega que teria feito a inscrição da entidade sem o aval de toda a gestão em decorrência da falta de ação de seus demais companheiros, especialmente, os que pertenciam às áreas pedagógicas do Cursinho. Vale ressaltar que a gravação foi obtida com exclusividade pela Gazeta Vargas, uma vez que havia sido apagada poucos minutos depois de seu envio. Nela, a diretoria ainda afirma que, mesmo que tenha cometido erros de comunicação e que a gravidade da situação teria levado a pedir o desligamento do Cursinho, não teria deixado de cumprir com os deveres de seu cargo.


Nesse sentido, retornando ao momento de candidatura da entidade, os demais diretores, após descobrirem o que havia acontecido, buscaram meios de viabilizar o recebimento do auxílio caso a inscrição fosse aprovada. Aprovado o edital, os alunos receberiam o valor de R$200,00 durante sete meses. No entanto, de acordo com uma das diretorias consultadas, havia falta de clareza na maneira como o valor entre professores e diretores seria dividido. Segundo a mesma diretoria, o valor recebido estaria concentrado somente nos alunos e na gestão, devido principalmente à falta de planejamento prévio da divisão a ser feita e à repentina submissão do formulário pela diretoria que havia submetido a inscrição, que não teria incluído diretamente os professores no recebimento da bonificação. 


Ainda segundo a diretoria consultada, posteriormente à aprovação e após ponderação, a gestão teria decidido que o valor reservado à gestão seria dividido entre docentes que manifestassem interesse. Tal manifestação ocorreu por meio de um levantamento realizado entre os interessados, sendo acordado em uma Reunião de Diretoria distribuir o valor entre os professores, sob a justificativa de grande dedicação à entidade por estes.


No entanto, foi alegado que havia falta de clareza no edital, e a gestão foi pega de surpresa novamente ao descobrir que os diretores, caso quisessem incluir a equipe docente nos repasses, deviam tê-lo informado previamente ao MEC durante as inscrições, ou seja, no preenchimento do formulário. No entanto, uma vez consultado o edital pela equipe de Redação da Gazeta Vargas, constatou-se a requisição por parte do MEC do preenchimento de uma tabela informando a distribuição de bolsas entre a coordenação (diretoria) e os professores no momento da proposta, que deveria conter a função por bolsa a ser concedida, o valor mensal, o número de meses e o valor total recebido, respeitando o teto de R$109.200,00.  Isso é confirmado pelo item 6 do Edital, intitulado “Das Propostas”, que tem a seguinte redação:  “6.1. A proposta deve atender aos seguintes requisitos, apresentados no modelo do Anexo IV: [...] II. Plano de alocação orçamentária para o apoio a estudantes, professores e coordenadores, no Anexo IV”.


Na época em que conversamos com um dos diretores, que em tese receberia R$1.900,00 conforme o solicitado na submissão ao edital, foi afirmado que o cursinho estaria em contato com o MEC na tentativa de que os diretores parassem de receber o valor, de modo que ele fosse redirecionado diretamente aos professores. 


No mesmo período em que as entrevistas foram realizadas pela Gazeta, ainda por volta dos meses de setembro e outubro, das sete parcelas previstas a serem pagas aos diretores, dois pagamentos já haviam sido executados. Estes dois, até então, estariam resguardados, segundo a diretoria consultada. Ainda foi nos relatado que, inicialmente, toda a gestão teria acordado em preservar  a quantia  recebida para doar aos docentes. Isto é, a decisão da gestão teria sido unânime, de forma que, inclusive, um termo de doação teria sido feito. 


Entretanto, há controvérsias sobre a unanimidade da decisão. Isso porque, segundo os relatos de um diretor da entidade e de um dos membros que foram ouvidos pela Gazeta e preferiram não se identificar, a diretoria que havia submetido a inscrição à CPOP não concordou com a cessão do valor aos docentes. Para tanto, ela teria justificado que o valor lhe era devido, dada a sua dedicação e empenho no Cursinho ao longo de anos – ressalta-se que, procurada, a diretoria preferiu não se manifestar até o momento de publicação deste texto. A fala e decisão da diretoria em questão teria causado um conflito entre a gestão, que teria se visto em um impasse diante do desacordo em relação ao direcionamento do dinheiro recebido pela coordenação do cursinho. Foi então que, após discussões calorosas entre a diretoria supracitada e os demais diretores que a primeira, temendo possíveis represálias e estando em minoria, decidiu ceder, concordando em doar as parcelas recebidas. Ainda no vídeo citado, a referida diretoria registrou que doaria a quantia e que se desligaria do cursinho devido às desavenças que teve com o restante dos diretores.


E agora? Na entrevista concedida, uma das diretorias afirmou veementemente que estaria no processo de redirecionamento dos repasses à gestão da entidade e, caso o MEC não queira realizar essa redistribuição, irá renunciar (devolver) o valor, ou doar para o Cursinho. 


Do ponto de vista da membresia, um dos integrantes da entidade relatou à Gazeta a sensação de uma insatisfação relacionada a uma ausência de comunicação clara da gestão. Essa falta teria sido sentida devido ao fato de que o corpo de diretores não teria informado os membros do Cursinho sobre as ações tomadas durante o período de inscrições do edital. Fora da gestão, os demais membros apenas teriam tido conhecimento da participação da entidade no programa no momento da aprovação. O que teria sido ainda mais grave, da perspectiva da membresia, é que a descoberta pelos membros da divisão do valor recebido teria ocorrido somente a partir da indagação de uma das professoras do Cursinho. Ela teria questionado quem iria receber o apoio financeiro destinado aos coordenadores e professores – considerando que poderia haver uma  questão ética a ser enfrentada caso surgisse uma falsa impressão de que o auxílio prestado pelo MEC equivalesse ao “recebimento de um salário” aos diretores e  professores da entidade.


Segundo o membro entrevistado, não houve consulta por parte da gestão aos membros do Cursinho e a comunicação foi escassa. O entendimento inicial da membresia seria o de que apenas os alunos receberiam o dinheiro, tendo sido designado, inclusive, aos membros das áreas pedagógicas a decisão em conjunto de como informariam aos alunos acerca dos trâmites para que recebessem as transferências.


Assim, os membros e diretores ouvidos pela Gazeta nos indicam que fica, portanto, um mal-estar entre os membros do Cursinho, que sentem desconfiança em relação aos seus diretores, e entre a própria gestão – desconfiada da postura adotada desde então pela diretoria que havia inscrito a entidade no edital. Para superar isso, os diretores entrevistados nos contam que o que se busca agora é tentar acatar as reivindicações dos membros, manter as diretorias em diálogo e retomar a atmosfera coletiva da entidade. 


Autoria: Redação Gazeta Vargas

Revisão: Revisão Gazeta Vargas

Imagem da Capa: Comunicação Gazeta Vargas




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