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PELAS JANELAS

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(Música para leitura: 

“Champagne Supernova” – Oasis)

 

Eu esperei vários anos por esse dia, e ele finalmente chegou. Eu vou ver o Oasis. O universo rogou muita praga para que nunca mais esses irmãos se entendessem, mas seja por um motivo de força maior (ou seja para fazer aquela aposentadoria legal), eles voltaram. E eu tenho um ingresso. Foi difícil dormir na noite anterior, só pensando em como seria vê-los em carne e osso.


Quando saio da estação São Paulo-Morumbi, já começo a ver todas as outras pessoas que esperaram anos por esse momento, todos andando em direção ao estádio, ao som de várias músicas do Oasis sendo tocadas por barzinhos que esperavam conseguir arrancar alguns trocados dos fãs incrédulos. Conforme andava pela avenida, o estádio crescia no horizonte, parecia destino: o tesouro no fim do túnel, lentamente se aproximando. É um beliscão atrás do outro, só para ver se estou mesmo vivendo aquilo.


Dentro do estádio, as coisas começam a parecer mais reais, afinal de contas, a gente imagina que vai estar você e o artista, um de frente pro outro. Você só se esquece de avisar as outras mais de 60 mil pessoas que estarão lá também. Mas não importa, nada vai me desmotivar, afinal, eu esperei vários anos por esse dia. Eu vou ver o Oasis. Eu olhava intensamente para aquele palco, com uma grande placa escrita “oasis” em cima. Só conseguia pensar no que estaria por vir...


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Quando a gente é criança, conseguimos passar horas apenas sentados no meio da grama de uma praça na esquina de casa observando o caminho de um batalhão de formigas atravessar o mar de terra e folhagem com comida, em direção ao ninho. Era puro entretenimento.

Por vezes, eu gosto de ficar só olhando pela janela, observando tudo. Imaginando o que fazem essas 12 milhões de pessoas, cada uma em sua vidinha. Ou ainda, observando que formato as nuvens têm hoje, ou se daqui a pouco vai chover. É puro entretenimento.


A gente não tem mais tanto tempo para ficar fazendo tudo isso. Acho que sou até mais do que privilegiado com minha rotina, só de ter tempo para parar e observar o mundo girando. Então, acho que nem cabe a mim dar lição de moral sobre como aproveitar o tempo, cada um sabe como se sente com isso. Mas achei que queria compartilhar.


Adoro viajar para o interior, parece que o tempo corre de maneira distorcida, tudo anda mais devagar, não é? Tudo parece vagamente familiar, por mais que diferente daquilo que eu me acostumei com na cidade. Mas as duas coisas mais divertidas no interior são as festas e as histórias. Quem não gosta de ouvir aquela história de quando seu tio deu um caldo no seu pai no Ano-Novo de 86? Ou quando ganharam o primeiro Atari e ficaram jogando por horas? Ou quando o bisavô ficava contando mentiras na varanda da frente de casa? 


Vejo as festas de rua, no coreto das praças, com caixas de som estourando Roupa-Nova e as pessoas dançando como se não houvesse amanhã. Pré-adolescentes chegando de bicicleta e conversando na beira da praça, sentindo vergonha de ver seus país dando tudo de si naquela dança. Até os idosos em casa abrem as janelas para dar uma olhada, só para assim que der 22h, botar todo mundo pra correr. Me contaram uma vez que, quando meus pais eram menores, a avenida central ficava repleta de gente nas sextas à noite. Do jeito que eles me contavam, me lembrou a Cunha Gago com a Cardeal Arcoverde. Mas por algum motivo, eu queria ter visto como aquilo seria por aqui. Como funcionava? O que faziam? Ficavam em pé na rua só esperando acontecer? Só bebendo? Mas como pode? Déjà vu...


Recentemente, ouvi alguém dizer que sentir a sensação de nostalgia, na verdade, é uma maravilha. Porque só pelo fato de você ser capaz de sentir isso, indica que você tem memórias a serem relembradas, experiências que foram marcantes, mas que infelizmente não voltam mais. Você está vivendo uma boa vida, ou pelo menos uma vida marcante. Não sei vocês, mas sempre sinto um frio na barriga quando penso nisso. 


Existe uma expressão popular no interior brasileiro que sempre achei maravilhosa. Não sei se de fato é algo que se diz, mas tenho a leve impressão de que sim, e gosto de acreditar que é. Em um país tão dominado pelo agro, essa é uma expressão que ressalta um personagem específico dessa imagem de campo: o plantador de gado. Plantador de gado é justamente aquela pessoa que tem um pasto e, com frequência, senta-se na varanda de um latifúndio para observar o gado “crescer”, nada mais.


Sabe o que é muito legal? Voltando de uma Gioconda, no primeiro raiar da manhã, quando eu cheguei em casa, estava estranhamente sem sono, e fiquei pensando no que fazer. Então, eu ouvi um sino de bicicleta, e mais um moço fazendo sua corrida matinal, e então, um senhor andando com um cachorro. Carros começam a vir, do semáforo que acabou de abrir. E não é que a vida continua? Eu acho que fiquei admirando a paisagem por uns 30-40 minutos, nada mais. Sabe que existe um quê de especial em somente observar a vida, não é? O ser humano tem tanto a oferecer que a gente mal percebe. As árvores balançam de lá para cá com a brisa de uma manhã de domingo, e achamos que é só o vento. Eventualmente, o sono bateu, mas fui dormir com mais curiosidade do que quando cheguei em casa. Que dia será hoje?...


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“Que show foi esse!?” É o que eu falo para mim mesmo, conforme uma das melhores noites da minha vida começa a terminar. O meu lugar não foi o dos melhores, as pessoas poderiam ter um pouco mais de semancol, mas foi perfeito. Foi Oasis. E ainda tínhamos uma música: Champagne Supernova.


Para mim, ela é o pico da noite. Essa música para mim é tão especial em diversos níveis, ela me acompanhou por momentos difíceis, por muitas lágrimas e sorrisos (mas muito pouco champanhe, infelizmente). Eu não poderia perder esse momento por nada. Então, Liam começa a agradecer a todos pela noite incrível e anuncia que a próxima era Champagne Supernova. Eu vou à loucura.


A música começa, eu puxo meu celular para gravar. Mas mais ou menos no meio do pré-refrão, eu paro. Eu me paro. Guardo o celular. E só...olho. “Que show é esse?” As cores no telão, a emoção das pessoas, dos músicos, do Bonehead, do Liam e do Noel. Me remeto a todas as vezes que essa música me acompanhou, tantas memórias, tanta nostalgia.


Eu simplesmente não consigo gravar mais nada. Sou forçado a admirar com meus próprios olhos, e então, nunca mais. Ou melhor: e então, para sempre.


Ao final da música, vários fogos de artifício iluminam o céu. “A champagne supernova in the sky”, diz  Lara, escritora da Gazeta e amiga da faculdade. De fato, nunca pensei nisso. Aliás, se você for ver, a música não faz o menor sentido. Mas eu só fiquei parado, admirando. Olhando. Bêbado, a essa altura.


Olhar pelas janelas são experiências únicas.


Truly biblical, man.


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Autoria: Enrico Romariz Recco

Revisão: Ana Carolina Clauss, Sarah Costa 

Imagem da capa: Acervo pessoal


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