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AINDA SOMOS OS MESMOS



Young Urban Professional”, popularmente conhecido como “Yuppie”, foi um termo muito popularizado nos Estados Unidos por volta da década de 80, quando as classes média e alta se libertaram da culpa de consumir e performar futilidades em meio à pobreza e à guerra no mundo. Imagine all the people? Virou tema de réveillon. Agora, a moda era pedir martini e comentar sobre o mais novo drama romântico do James Bridge. 


A primeira vez que ouvi a palavra yuppie foi em The Last Days of Disco, filme que, de imediato, se tornou um dos meus favoritos. Com um design de capa duvidoso, classificado como comédia-dramática e com a presença de Chloë Sevigny, tinha o básico para um filme de domingo à noite. O que eu não esperava  era assistir uma obra brilhante e sutil, digna de ser considerada a obra-prima do diretor Whit Stillman.


O grupo principal era composto por amigos que personificavam todos os tipos de privilégios possíveis na década de 1980 nos Estados Unidos. Recém-formados em universidades renomadas, os jovens buscavam ascender profissionalmente na sociedade nova-iorquina. O principal aspecto do filme é a relação desses personagens com um clube de disco, a esse ponto frequentado por pessoas pessoas exatamente como eles: brancas, classe média-alta, profissionalmente promissoras e que, frequentemente, se lamentavam do fim da era do disco.


O cenário disco que eles idealizavam e do qual buscavam se aproximar era o que os fazia acreditar que, apesar de todos os atributos que os caracterizam como yuppies, eles não eram como os outros, eles eram cool. Mas, quando entravam no clube e olhavam ao redor, não se sentiam exatamente assim. Todo o movimento de contracultura que um dia vingou nos anos 1970 já havia sido apropriado pela classe dominante. O que um dia foi um movimento ancorado especialmente pela comunidade negra e LGBT estava esterilizado, mas uma gigante falta de autopercepção os blindava de perceber a ironia: eles faziam parte daqueles que contribuíram para essa transformação. 

"–  Os yuppies sequer existem? Ninguém diz: 'Eu sou um yuppie,' é sempre o outro cara que é um yuppie. Eu acho que, para um grupo existir, alguém tem que admitir fazer parte dele." 

Essa foi uma das primeiras frases que me chamou atenção e que torna os personagens, de alguma maneira, carismáticos. Apesar de tanta mesquinhez e obsessão de se sentirem pertencentes a uma sociedade hiperconsumista, existia a noção da cafonice do desejo, o sentimento da decadência social rumo à barbárie, e a percepção de uma ascensão desajeitada enquanto o restante do mundo desaparece.

 

Uma das partes mais interessantes e duras de ser jovem é viver com um senso de urgência de estar onde deveria estar. Existe a ideia de que tudo acaba em nostalgia, então é preciso acertar os locais, os grupos, os gostos, estar onde a vida acontece. Esse anseio traz um gosto de conquista pessoal em testemunhar o fim de uma era, mesmo que, na realidade, de nada tenhamos contribuído para a formação e manutenção dela.


Talvez o conceito de yuppie como o criado no contexto político e social dos Estados Unidos nunca vá ter espaço para existir aqui – apesar de termos algumas replicações, como diz o jornalista Ruy Castro, de "yuppies versão jeca", em sua versão grosseira, pré-histórica e que vota no Marçal. Mas, de alguma forma, continuamos a ser essa geração de jovens que precisam se sentir diferentes e intocáveis, andando em círculos para não ter que apontar seu próprio papel na decadência de tudo que pode nos fazer acreditar que, no final do dia, não somos como os outros.


Recentemente estava conversando na faculdade com um queridíssimo amigo. Ele tinha me dito que tinha assistido Before Sunrise, mas achou os personagens pretensiosos, tipo nos filmes do Woody Allen em que você consegue ouvi-lo, no final de cada diálogo, pedindo "por favor, me ache genial". Discordei, não porque eu amo o filme (amo um pouco), mas porque existe uma clara diferença de intenção. 


 Ambos os personagens são, na minha opinião, insuportáveis. São dois jovens de fato pretensiosos, recém-formados, viajando pela Europa, e que querem, a todo custo, ser interessantes, não só para o outro, mas interessantes e ponto. Precisam sentir que seu pensamento profundo sobre questões banais é validado, que sua opinião sobre determinada obra é admirada, querem se convencer que vão além, que não são como os outros, que são especiais demais pra isso. 

O roteiro não é pretensioso, não foi um erro de roteirista tentando ser mais do que é. Eles são feitos para ser assim, e a maior repulsa vem de quem não quer se reconhecer dessa maneira: jovem, pretensioso, insuportável, com uma obsessão performática de ser mais.

 

A busca por ser notado e bem recebido é típica da juventude, ainda que nem sempre tão consciente. Por enquanto, ainda é possível se ter a ilusão de que o pertencimento é algo concreto que está por aí. Seja numa balada vendida como indie ou em um boteco superfaturado e “despojado”, não mais nas pistas de disco, mas em algum lugar igualmente higienizado e despido de seu propósito original. 


Como os yuppies dessa geração, continuamos fugindo de reivindicar todos os rótulos que não queremos, nos consumindo enquanto tentamos controlar como somos percebidos, até que a maturidade do tempo mostre que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos. E carregamos como legado os escombros de tudo que homogeneizamos  — e destruímos — na tentativa de nos afastarmos do coletivo. 

 

Autoria: Ana Lívia Lima (@analivialpf)

Revisão: Giovana Rodrigues (@giiiirodrigues_) e Artur Santilli (@artursantilli) 

Imagem de capa: Newsweek Magazine, edição de 1984


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