Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões
Amor. Quem pode dizer o que é amar? Quais as limitações de um amor? Quando começa? Por que termina? Até que ponto podemos confiar no que sentimos? Entre todas as indagações que cercam esse sentimento, a que mais me instiga é: o amor, de fato, existe?
Antes mesmo de nascer, por meio de um cordão umbilical, criamos um laço com aquela que dizem ser a maior provedora de amor do mundo, nossa mãe. À medida que crescemos, somos apresentados a outras formas de amar: amamos nossos amigos, namorados, professores, personagens, e cada um desses sentimentos é único.
No século XVIII, o Romantismo desenvolveu o conceito do amor exacerbado, reforçando a ideia de que um dia encontraremos nossa alma gêmea, sentido que é cultuado até hoje. Um sentimento melancólico, o qual vem a ser o melhor acontecimento na vida humana, e quando não pode ser concretizado, nada mais prudente do que ceifar a vida – Romeu e Julieta que o digam.
Investigando essa noção de “alma gêmea", “metade da laranja”, “tampa da panela”, descobrimos três gêneros: Andros (entidade masculina), Gynos (entidade feminina) e Andrógino (entidade masculina-feminina). O Mito do Andrógino [1] é exposto pelo dramaturgo grego Aristófanes e está contido no livro O Banquete, do filósofo grego Platão. De acordo com a mitologia, antes da humanidade, os três gêneros ocupavam a Terra. Eles eram completos e autossuficientes, possuíam duas cabeças, quatro pernas e quatro braços. Contudo, ao tentarem desafiar os deuses do Olimpo foram castigados e divididos ao meio. A partir de então, cada gênero procurava a sua metade para entrelaçar-se novamente.
Essa crença também permite o entendimento da plenitude do amor. Como cada gênero possui sua entidade, masculina, feminina ou ambas, quando divididos, procuram sua metade. Isto é, Andros, entidade masculina, procura por homens; Gynos, entidade feminina, mulheres; e Andrógino, homens ou mulheres. Afinal, essa busca não se trata de sexualidade, mas sim da reunificação de nós mesmos.
Saindo do campo filosófico e adentrando o campo neurocientífico, também encontramos explicações para por que amamos. O nosso cérebro está sempre à procura de significados, criando ilusões, mesmo nas banalidades do cotidiano, como quando olhamos para as nuvens e enxergamos animais ou objetos. Ao amar, não fugimos dessas alucinações. O amor é como um vício: apaixonar-se atinge o cérebro da mesma forma que a cocaína [2]. Apesar de essa afirmação parecer extravagante, é isso que um estudo da Syracuse University apresenta.
Ao nos apaixonarmos, liberamos substâncias químicas indutoras de euforia em 12 locais diferentes do cérebro, como a adrenalina e a dopamina, que geram a famosa sensação de borboletas no estômago. Além disso, quando sofremos uma desilusão amorosa sentimos sintomas parecidos com os de quem está superando um vício: melancolia, depressão, abstinência, e enfrentamos possíveis recaídas. Ademais, nossa amígdala cerebral, responsável pelas reações emocionais, tem o seu funcionamento alterado [4]. Por isso, muitas vezes, tomamos decisões precipitadas ou fora da normalidade, situação comumente justificada com a frase “o amor é cego”.
Há quem diga também que o amor nada mais é do que uma forma de suprir a carência humana, tese suportada pela psicanálise lacaniana. O ser humano é movido pelo desejo, seja a vontade de obter sucesso, ter o carro do ano ou ser a próxima estrela de cinema. Ele deseja e quer ser desejado. Portanto, o amor é uma das formas de extinguir essa carência de desejo e fomentar o ego individual. Quando somos traídos ou nos separamos e sentimos uma tristeza profunda, por exemplo, o coração não deixa de pulsar como faz diariamente, afinal a ferida está no ego.
A partir disso tudo, é ainda mais difícil decifrar esse complexo sentimento. No que você acredita? Ou melhor, sejamos sinceros, qual tese ou crença satisfaz as suas expectativas quanto ao amor – e, por isso, você acredita nela?
Há quanto tempo você está procurando a sua metade? Só estaremos verdadeiramente felizes quando encontrarmos o nosso outro “eu” perdido por aí? Ou será que os opostos se atraem? Talvez, o amor não se trate de um termo a ser definido, ou uma narrativa com começo, meio e fim. Não seja para ser vivido a 2, mas sim a 3, 4 ou 5. Ele pode arder como uma chama, crescer como uma semente ou nada ser. Talvez, seja só pra ser sentido.
Drão, o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar plantar n'algum lugar
Ressuscitar no chão nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura?
Dura caminhada
Pela estrada escura
Drão, não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito, imenso monolito, nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura?
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão, os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão, não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão?
Morre e nasce trigo
Vive e morre pão
Uôh, Drão
Hm, Drão
Drão
(Drão)
Gilberto Gil
Revisão: André Rhinow e Bruna Ballestero
Fontes:
1: Costa, Marcio. O Mito do Andrógino e as almas gêmeas. Medium. 04 de dezembro de 2018. Acesso em: 18 de novembro de 2021. Disponível em: <https://medium.com/demokratos/o-mito-do-andr%C3%B3gino-e-as-almas-g%C3%AAmeas-df9f7e32b3d2>.
2: NORDQVIST, Christian. Falling In Love Hits The Brain Like Cocaine Does. Medical News Today. Acesso em: 18 de novembro de 2021. Disponível em: <https://www.medicalnewstoday.com/articles/205973#1>.
3: O amor é cego? Veja como a neurociência explica a paixão. Assessoria de Imprensa SUPERA. 08 de junho de 2018. Acesso em 18 de novembro de 2021. Disponível em: <https://metodosupera.com.br/o-amor-e-cego-veja-como-neurociencia-explica-paixao/>.
4: LUDOVIAJANTE. Por que a gente ama? | A ilusão mais poderosa da mente. Youtube, 13 de novembro de 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=k2FHq_pXElk>.
Aiii, que lindo!