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ANATOMIA DE UMA QUEDA: UMA NARRATIVA MUITO MAIOR QUE O TRIBUNAL DA FOTO


Em meio a grandes produções estadunidenses e filmes com grandes nomes do cinema, o filme francês “Anatomia de uma queda” aparece tímido na lista de indicados ao Oscar. Isso não se deve à falta de indicações — são 5, sendo 4 nas principais categorias: melhor filme, melhor direção, melhor atriz principal e melhor roteiro original — mas sim, pois o Oscar, apesar do prestígio, cada vez mais se torna uma premiação que valoriza uma boa campanha e o bom uso de recursos de marketing e, sendo o filme uma pequena produção francesa, certamente não desempenhou tão bem neste tipo de dinâmica quanto outros indicados produzidos por estúdios com maiores recursos financeiros. 


A produção francesa foi vencedora da Palma de Ouro, principal prêmio do Festival de Cannes, contudo, não aparece na lista de melhores filmes internacionais do Oscar, pois a lista depende da indicação da academia de cinema do país de origem e a França escolheu submeter “O sabor da vida”, menosprezando o potencial do filme dirigido por Justine Triet. 

Em uma breve sinopse, “Anatomia de uma queda” explora temas como amor, relacionamento, traumas e a busca pela verdade a partir da trajetória de uma mulher alemã residente na França que, após a morte de seu marido que caiu do sótão da casa em que moravam, é julgada por potencialmente ter empurrado-o, causando sua morte.


O filme é muito bom por um número de motivos. A grande estrela da produção é a discreta atriz de teatro alemão Sandra Huller, que interpreta a protagonista. Com uma atuação que transparece verdade e realismo, além de imensa sutileza para retratar os conflitos que sua personagem — também Sandra — enfrentava em seu casamento, a atriz reforça a pergunta central que guia o roteiro: Sandra matou ou não o marido? Além disso, o roteiro colabora muito criação de momentos de brilhantismo para os atores, com diálogos impressionantemente realistas e que permitem muita liberdade interpretativa. Liberdade essa que Sandra Huller usa de forma excepcional nas cenas de julgamento, transparecendo incerteza e insegurança ao responder aos questionamentos e, em especial, em um diálogo que remonta a uma briga passada que sua personagem teve com o marido, Samuel. 


O roteiro é também muito inteligente e simples na forma como aborda os temas tratados no filme. Os conflitos e a relação do casal são muito bem construídos a partir de ocorrências externas, como o acidente com o filho, a carreira artística compartilhada por Sandra e Samuel e a inversão de papéis dentro da dinâmica familiar, que contribui para ressaltar o machismo que estrutura a organização da sociedade francesa e transparece em atitudes e falas do falecido marido. Tudo no filme contribui para gerar dúvida sobre as circunstâncias da morte de Samuel, com destaque para os diálogos que pendem cada vez para um lado da narrativa.


A montagem e direção do filme também são impecáveis. A dinamicidade do filme, que conta com longos diálogos em poucos cenários, é impressionante. Em um contexto em que filmes estão ficando mais longos, Justine Triet contribuiu para que um roteiro carregado — escrito por ela e seu marido — fosse abordado de forma a contribuir para a atenção do público na narrativa.


Enfim, a produção francesa é minha favorita entre as indicadas ao Oscar. A diretora foi capaz de abordar temas relevantes em um roteiro muito bem trabalhado, aprofundando-se em todos esses temas. Certamente é um filme que deve ser visto e poderia sair vencedor em todas as categorias nas quais concorre.

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Autoria: Gustavo Abou

Revisão: Luiza Parisi e Artur Santilli

Imagem de capa: Dialéticas da imagem

 

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