Pois quão difícil é definir uma mulher?
Porque é mulher alguma coisa imperativa
Que veste isso e faz aquilo e que cultiva
Todo o papel que colocara-se a cumprir
E não se pode mais dizer de aberto peito
Que o diferente de repente legitima
Todo o labor que nos levou à obra prima
De defender nossos mais básicos direitos
Quando restava terminada essa tortura
Ante o ácido veneno indiferente
Já fez nascer-se, simultâneo ao sol poente
No horizonte, novamente, a linha dura
Quando a bandeira fez real, do puro medo,
Cegueira velha e calculada que se veste,
As gentes pálidas não viam no celeste:
O céu de branco era também um céu de preto
O sol de ouro era também um sol de lata
A depender de quem virava para cima
Aos vampirescos, confortável lamparina
Aos lobisomens, era um frio sol de prata
Mas isso há muito no terreno configura
A utopia do melhor-lugar-perfeito
E é tão grande o sentimento em vosso peito
De irrelevância, que nem mesmo vão à luta
Da terra fértil, nasce pó e pessimismo
A gente colhe, qual tesouro, o rico estrume
Para esculpir um anjo nu em pedra lisa
E entregá-lo de bandeja ao bom ministro
E desenvolve-se a estática maquete
Sociedade nua e crua e sem pressa
Não há desejo, nem pedido, nem remessa
Para andarmos, só na base do cacete
O “bom suicídio”, a depressão do forte homem
É um conforto tal qual é o amor de mãe
O mal costume de acatar o que se põe
Nas nossas mesas e comê-lo sem ter fome
O que seria então, irmãos, uma mulher
Senão conceito ou objeto inatingível
Senão ideia restritiva ou impossível
O existir de jeito outro ao que se quer?
A fraca fêmea que era mero animal
Já preparada pra nascer de uma moldura
Trata ser livre, impossível criatura
Trata ser forma diluída e dinâmica
Trata ser água ao invés de ser cerâmica
Que quebra fácil, maleável, construída
Pois é o anjo que se fez da pedra lisa
E mesmo assim, também, irmãos, se faz o homem
Autoria: Rodrigo Ferreira
Revisão: Ana Carolina Clauss e Artur Santilli
Imagem de Capa: Fotografia de estátua por Rodrigo Ferreira
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