HIPOCRISIA
- Vicky Auricchio Saes
- 30 de ago.
- 2 min de leitura

Me pediram para definir o amor. Não, isto não é uma declaração, não é um poema ou um romance e não é mais um trecho brega e decorativo para postar nos status. Isso é concreto, por mais que ser concreto pareça metafórico; é sólido, como qualquer figura de linguagem jamais poderia ser; é tão lógico quanto a simplicidade de um paradoxo linguístico que é mais antítese que a si próprio. Afinal, não sou escritor. Não trabalho com contradições. Sou mais pensamento que pessoa e, já que pessoa não pensa, mal chego a existir de verdade. Não concordo com filósofos pois só sei que tudo sei, e se sei, existo. Cogito ergo sum. Repudio essa filosofia barata de autoridades e citações que cospem latim como se fosse a língua dos gregos e questionam banalidades como se valessem alguma coisa. O que seria do sentido da vida? Não tolero questionamentos impráticos nem tergiversar assuntos. Então, digo que amor é se importar com algo ou alguém a ponto de criar uma necessidade físico-química de repetições. Já que, em suma, somos tão biológicos, o que seria do sentir se não uma consequência? Uma mera reação em cadeia de um neurônio a outro, entre 86 bilhões de neurônios comprimidos e compelidos por dosagens imperativas de neurotransmissores e micro impulsos elétricos. Mas não suporto esse linguajar acadêmico, prepotente, excludente, e tão substancialmente frágil. Não que eu acredite que os acadêmicos são frágeis. Nós, que somos tão racionais quanto o corpo permite, tão lógicos quanto o inconsciente oferece, tão certeiros quanto treinamos para ser. Ou não. Ainda restam nós que não lutamos, pensamos. E, por pensar, existimos. Vivendo por condição e em condição de nossa imaterialidade nada frágil. Aprisionados a uma inércia mais simbólica que teórica, e por mais que eu não use simbolismos, entendo que somos mais um elo dessa corrente tão medíocre quanto almejamos jamais ser. E não compactuo com farsantes, com imagens idealizadas e o endeusamento de máscaras, pois não cabe a mim julgar as divindades humanas imperfeitas. Não que eu confie nelas. Não confio. Não me entrego. Não me perco. Não perdoo. Não confio. E, principalmente, não me coloco em ciclos. Detesto repetições, especialmente as físico-químicas. E as sintáticas. E as suas. Entretanto, já que tergiversei tanto por abstrações que tanto desprezo, admito que cansei dos subterfúgios. Cansei das minhas escolhas de palavras e das repetições infames e suas decorrentes necessidades. O amor é morfológico. Mas insiste em fugir do papel e andar pelos corredores, assombrando minhas palavras e minha mente como um fantasma. Não que eu acredite em fantasmas, ou em metáforas. Na verdade, odeio tudo isso. Odeio lembrar que você existe porque odiaria mais ainda se não existisse. Não estou sendo hipócrita agora, porque odeio a hipocrisia. Talvez isso explique porque me odeio. E porque não te odeio. Mas deveria.
No fim, sou mesmo apenas hipócrita.
Autoria: Vicky Auricchio
Revisão: Ana Clara Jabur
Imagem da Capa: Nicolas Floriano







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