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O MANIFESTO DOS SOLTEIROS

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(Música para leitura:

“Exagerado” – Cazuza)


Olha, ser romântico é uma coisa maravilhosa, admito. Porém, na maioria das vezes, sua lealdade ao romantismo é testada diariamente. Você tem sempre de olhar para os casais na rua e pensar: “Como eles são lindos! Ai o amor!”, independente do que acontecer. Mas, vira e mexe, nós também sentimos aquele aperto da carência no coração (até porque ninguém é de ferro) e pensamos: “E a minha vez, quando chega?”


Inspirado por essa questão quase que mensal, eu tentei pensar em uma forma de passar por cima do mal sentimento. E daí me veio: Eureka! Tudo isso é, na verdade, um grande e elaborado plano de dominação. Como eu não pude perceber?…


Motivado por minha descoberta, redigi o seguinte manifesto de utilidade pública:



Um espectro ronda o mundo—o espectro dos solteiros. Eles se espalham por todas as partes, causando espanto e revolta nos casais loucamente apaixonados. Às crianças, são contadas histórias sobre os terríveis solteiros e como estão sempre sozinhos. Que casal já não acusou um amigo solteiro de ser solitário? E que solteiro, de certo, revoltado, por sua vez, já não acusou um casal de “aproveitar enquanto dura”? Podemos deduzir duas conclusões desses fatos:


1ª: O solteiro já é reconhecido por todos como uma presença real no mundo.

2ª: Está na hora dos verdadeiramente solteiros exporem suas formas de vida, seus benefícios e suas angústias, para que sejam respeitados dignamente de uma vez por todas.


Com esse fim, no interesse dos diversos solteiros de várias nacionalidades, redigi o seguinte manifesto que será publicado em todas as línguas, menos na do amor.


I

Casados e solteiros


A história de todos os amores até hoje existentes é a história da luta de relacionamentos.


Durante anos, houve uma tradicional divisão entre os considerados “felizes casados” e os “tristes solteiros”, contudo essa visão extremamente solteirofóbica foi responsável pela criação de diversos abismos sociais em nosso mundo atual, não restando um só dia de paz para o solteiro comum. Constantemente relembrados de que “o dia chegará”; “você vai encontrar a pessoa certa no tempo certo”, frases que para nada mais servem do que para jogar a culpa no tempo e dizer, no fundo, que não importa o que façamos, temos de esperar. Tentam nos transformar em uma verdadeira chacota.


O curioso é que os únicos que utilizam desse tipo de frase são os casados, detentores dos meios românticos e que os resguardam a sete chaves, longe dos solteiros e os condenando a uma eternidade de ouvir esse tipo de desculpa para justificar esse sistema, contudo somos mais fortes do que esses meros namoros, pois somos mais capazes.


II

Solitários e Solteiros


Qual a relação dos solteiros com os solitários em geral?


Todos somos iguais, fazemos parte do mesmo grupo, só temos visões diferentes com relação a nossa situação.


Solitários olham para o mundo, repleto de casais, e se sentem envergonhados de si, tristes por não cumprirem com as expectativas da sociedade namorística como se eles fossem os culpados pelo próprio sofrimento. Já os solteiros são fortes para admitirem que também querem carinhos, também querem pessoas que lembrem de perguntar como eles estão. De dar bom-dia nas segundas-feiras; de nos acompanhar para um café a qualquer hora do dia; de nos dizerem que nos amam e de estar lá por nós. Também admitem que querem dizer essas mesmas coisas e fazer as mesmas coisas com alguém, eles têm amor para dar, todos temos. Mas, ao mesmo tempo, são soberanos em suas escolhas e não se sentem compelidos a procurar incessantemente o namoro ideal, se contentando em admirar que o amor está em todas as partes.


III

Literatura Casalística


Livros românticos são uns dos nossos maiores inimigos. E pensar que o que domina as livrarias são apenas obras recheadas de expectativas e padrões irrealistas de felicidade e amor. A dominação dos casalístas nos persegue até em espaços em que os solteiros buscam por inspirações de como seguir com a vida, ou como conquistar as pessoas, ou simplesmente apenas para se afastar da sociedade namorística, mas nem isso podem.


Leituras românticas são o ápice da manipulação das massas solteiras, fazendo-os acreditar que tudo dará certo e de que encontrarão seus futuros amores eternos. Atenção, por mais que solteiros não sejam todos solitários, alguns não visam casais eternos e perfeitos, são suficientes por si mesmos e se amam demais para se dividir com alguém. Contudo, mesmo os que procuram amores, não necessitam ser reforçados de o quão desigual é a sociedade namorística e de que são marginalizados por não terem suas paixões.


Além do mais, esse tipo de literatura foi concebido justamente para alienar os solteiros. Já viu quem que namore comprando um desses livros? O plano é extremamente bem arquitetado. Pois adivinhem? Já sabemos de todas as suas iniciativas e já está sendo colocado em ação um plano para o incineração de toda literatura casalística para que, enfim, o solteiro possa ser liberto.


IV

Posição dos solteiros diante dos diversos solitários


Solteiros de todo mundo, animai os solitários ao vosso redor, os mostrem que o mundo não é assim, que tudo que eles acreditam, na verdade, foi manipulado pelas desprezíveis araras casalístas que desejam ver vocês submissos a seus desejos de ter amigos chaveiros ou ter “o solteiro” do grupo, que sempre está disponível para ouvir os desabafos de namoros problemáticos. Os façam afirmarem que não são simples ouvintes calados, que são indivíduos que têm vontades, horários e compromissos e, mais importante de tudo, a vontade de não ter pessoas em suas vidas a não ser si mesmos.


As araras casalístas têm de ser derrotadas e seus métodos repudiados por todos os solteiros dignos para que, somente assim, a ideal sociedade solteira possa ser atingida, onde não existem namoros e casais, somos todos igualmente livres para procurarmos ou não alguém. 


A ditadura amorosa tem de acabar para que a ditadura do solteiro possa começar e libertar o mundo de seus grilhões. Isso só pode ser atingido com a derrubada violenta dessa ordem perversa. Que as classes casalístas temam à ideia de uma revolução solteirista! Nela os solteiros não têm nada a perder senão suas algemas solitárias. Têm o mundo a ganhar.



SOLTEIROS DE TODOS OS PAÍSES, AMAI-VOS!



(P.S.: Apesar do que muitos me disseram, esse manifesto não possui relação alguma com um tal Manifesto “Comúnista”. Portanto, qualquer semelhança é mera coincidência. Caso os solteiros mencionados infelizmente se tornem desprezíveis araras casalístas... Ah... acho que a gente pode rever um pouco esse negócio de “revolução”, sabe? Não precisa ser tanto assim...)


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Autoria: Enrico Romariz Recco

Revisão: Ana Carolina Clauss e Erick Martins

Imagem da capa: Clara Gurgel


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