Toda vez que abro um livro novo me pergunto quais são os limites de uma dedicatória.
Acho que as dedicatórias são gênero literário próprio. Mas confesso que não tenho nenhuma clareza quanto às suas características e restrições formais.
Deve, necessariamente, ser curta? Deve ser um agradecimento? Deve referir-se a alguém específico? Nessa análise percebi que minha confusão era ainda mais básica, talvez de vocabulário:
O que é dedicar algo a alguém? Quer dizer que eu fiz aquilo para alguém? Ou talvez que eu tenha feito pensando na pessoa, ao longo da confecção. Talvez seja um reconhecimento aos que contribuíram para a formação das ideias ou sentimentos expressos.
Meu psiquiatra uma vez me disse que a vida é uma coleção de relações interpessoais. Nunca ouvi nenhuma definição melhor, e por isso não consigo precisar todos a quem queria dedicar (isto), posto que cenas entre desconhecidos também estão dentro de mim.
Dedico a todos que me habitam, pois é a única coisa honesta a se fazer. Dedico à minha família, pois apesar de meus ímpetos rebeldes não sou nada mais que uma face dela. Dedico ao
[T.] e próximos, que foram a primeira vítima próxima desses desígnios arbitrários do universo que eu de fato conhecia. Dedico ao suicida do metrô Sumaré e à toda série de estranhos
e protagonistas anônimos que habitam o meu imaginário, aos meus amigos que compõem meu dia a dia, e ao jornal Folha e todos os demais periódicos. Dedico também a todos os meus carrascos e
inimigos, imaginários ou de fato, e àqueles que me fizeram me sentir traído ou fraco ou pequeno. Também a esse Deus frio que não respondeu nem a meus elogios nem a meus xingamentos.
O fato é que dedico isso tudo a mim mesmo.
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Desde que deixei o útero venho tendo dificuldade de me adaptar. Sinto que os outros são feitos de uma material mais flexível e talvez mais agradável ao toque: Tenho pele seca.
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