CAFÉ COM ADRIANA
- Carolina Setten
- 29 de set.
- 5 min de leitura

Escuto os seus passos de manhã. Mãe, os anos passam e você continua a mesma. Não te vejo envelhecer, você é imune ao tempo. Para mim, você está igual àquela foto que está ao lado da sua cama, do dia do seu casamento. O mesmo sorriso sincero, os olhos iluminados que sempre me acolheram. Lembro de ficar ansiosa sobre qual roupa você ia usar para sair com o pai. Sempre algum detalhe me prendia a atenção: podia ser um par de scarpins rosas, um dos seus cintos de couro bordados ou aquela echarpe de seda marrom-clara que você sempre exibia. Eu aprendi isso com você: nunca fui discreta. Nós sempre nos apegamos aos detalhes, à preciosidade deles.
Conversamos sobre Jung e Freud. Rimos sobre as fofocas de cidade de interior. Bebemos vinho tomando sol no quintal, eu lendo o meu livro, você lendo o seu. Leio porque você sempre me incentivou a isso. Toda noite, penso em tudo aquilo que você já fez por mim. Você nunca me deu freios, sempre me permitiu ser o que eu era. Me fez compreender o valor dos presentes, dos pequenos gestos. Quando eu era menor, adorava me perder pelas suas estantes, ler os títulos complicados dos seus calhamaços teóricos e passar os olhos pelos manuais de etiqueta que continham receitas milagrosas para seguir as boas maneiras que nunca adotávamos.
Um dia, me disseram que você me ensinou a amar. E você ensinou mesmo, algo que eu levo comigo para todo lugar que eu vou. Você nunca me impediu de sentir, de externalizar aquilo que me incomodava. É louco pensar que você teve uma vida completa antes de eu aparecer, antes que eu fosse até uma ideia. Eu amo ver as suas fotos antigas, sou fascinada pelas histórias que te tornaram quem você é hoje. Amo uma em específico, na qual você tem franja, como eu. O nosso sorriso é o mesmo, impressionante. A minha existência é permeada por detalhes que me conectam a você, os responsáveis por me trazerem de volta para a minha essência. Engraçado como hoje tudo mudou, mas as coisas ainda continuam as mesmas. Acredito que só a nossa relação permite essa dicotomia. Quando você me contava as suas histórias de criança, eu as imaginava em preto e branco, iguais às fotos de você pequena que ficavam no escritório.
Você comprou o meu primeiro lápis de olho preto, o qual se tornou a minha marca registrada em tantas ocasiões dali para frente, a minha rebeldia suave que deu forma a minha versão adolescente. Você sempre deixou claro que a minha vida era minha. Só minha. Volta e meia, fico pensando nas vidas que você poderia ter tido, na coragem que você teve de seguir certos caminhos, na destreza do seu coração que sempre continuou tão puro. Eu te admiro tanto, Adriana.
Você foi a pessoa que arrumava a minha franjinha, comprava as minhas pulseiras rosas, me fez ser quem eu sou hoje, e um dos principais motivos pelos quais eu volto para casa. Você é quem ia me buscar nas festas às 4h da manhã, a que acobertava as minhas fugas de domingo à noite. Como eu sou grata por essa cumplicidade que eu nunca tive que pedir, essa reciprocidade que se tornou pré-requisito em todas as minhas outras relações da vida.
Durante os nossos cafés, me desligo do mundo. É engraçado como você consegue ter um ponto de vista totalmente diferente do meu sobre determinada situação. Me esqueço da nossa diferença de 38 anos. Amo ouvir as suas histórias de quando você tinha a minha idade. Amo como você conserva a liberdade dos anos 80 e como você tem a calma de quem soube aproveitar os 90. Confesso que ando frustrada, você deu embora muitas roupas suas dos anos 2000! Mas tudo bem, a bermudinha jeans com a borboleta bordada e a blusa vermelha salvas pelo esquecimento no armário mais do que me bastam.
Acho engraçado como você e a vó são mais parecidas do que pensam. Amo a crença inabalável que vocês carregam. Será que eu sou mais parecida com você do que eu realmente percebo? Amo quando estamos todas na casa da vó, eu, você, Tia Ri, Tia Nê, Manu e Bru. Tudo parece festa quando estamos reunidas. Entre uma risada e outra na mesa do café, vou no quarto da bisa e me perco. Para mim é como se ela ainda estivesse lá. Lembro-me de conversas com ela, de quando eu passava lá antes de ir para a balada e ela estava prestes a dormir, como a sua risada era ouro. Gosto de lembrar de seu gênio difícil, de suas tiradas certeiras. Me reconheço nela, por mais que tenhamos tido pouco tempo juntas. Gosto dessa sensação de identidade, dessa cumplicidade familiar que faz os meus problemas parecerem pequenos. Obrigada por ter feito questão de me apresentar o significado de família, de acolhimento.
Me pergunto como te veria se você não fosse a minha mãe. Penso como seria se você fosse a minha tia ou uma amiga. Sim, penso uma coisa mais à la Kafka, e acho que nos daríamos bem em todas as versões. Às vezes, sinto que o nosso amor transcende, que veio de outro plano. Sempre achei interessante ler relatos de autores sobre as suas mães. Descobre-se muito sobre a pessoa ao ouvi-la falar de alguém tão formador em sua vida. Acho que não tem nada mais sincero que isso. Você nunca foi de molhar o cabelo na piscina, mas lembro de uma vez que entramos no mar juntas e você mergulhou lá no fundo comigo. Essa é uma das memórias mais felizes que eu tenho com você. Os nossos momentos despretensiosos são os que mais sinto falta quando estou longe. Lembro de quando compramos aquele café caro, só com grãos selecionados e odiamos. Mas, tínhamos pagado uma nota neles, então começamos a misturá-lo com café pilão. A sua receita de café está na minha agenda, hábito que adquiri de você: sempre anotar tudo enquanto masco chiclete Adams, aquele que logo se dissolve quando põe na boca.
Gosto quando os nossos hábitos se intersectam, ou quando você me pergunta algo sobre algum assunto que você sabe que eu domino. Nunca pensei que poderia te ensinar algo, para mim você já sabe tudo. Você sempre me escutou com muita paciência, ouviu-me reclamar das minhas paixões loucas, das minhas ideias mirabolantes, das minhas paranoias absurdas. Você tem a paciência que só uma mãe poderia ter, mas uma ternura que eu só encontrei em você.
Mãe, você é a pessoa mais carinhosa que eu já conheci na minha vida inteira. Nunca vi alguém que conseguisse te superar neste quesito. Você me ensinou a sempre querer mais. Sempre me ajudou a bancar as minhas escolhas. Sempre soube, desde quando comecei a escrever, que um dia eu falaria de nós. Nós, que já falamos tanto e de tanta coisa. Acho engraçado como temos dificuldade em concluir questões, até as nossas brigas são inconclusivas. Somos teimosas e terríveis separadas. Parece que você já conhece o destino, e talvez esse seja apenas um dos seus super poderes, os quais ainda não compreendo por completo, o que me faz te admirar ainda mais.
Eu te amo, mãe. Você é o meu caminho.
Autora: Carolina Setten
Revisão: Pedro Anelli
Imagem: Pinterest







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