ERA NATAL
- Lara Celani
- há 22 horas
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Às vezes, tenho a sensação de que o Fantasma do Natal Passado está parado bem atrás de mim, quase encostando no meu ombro, projetando velhas cenas na minha frente como se fosse um cinema particular. O Natal sempre foi meu feriado preferido. Quando fecho os olhos, me vejo ajudando minha mãe a enfeitar a casa enquanto as músicas natalinas tocam ao fundo (Wham! continua sendo nosso favorito). Todo ano nós saíamos juntas para comprar um enfeite novo, uma tradição que ainda mantemos.
Ao seguir esse Fantasma mais um pouco, acabo na casa da minha avó, onde passei todos os Natais na infância. A família inteira em volta de uma grande árvore coberta de enfeites vermelhos, dourados, roxos, azuis; enfim, de todas as cores. Eu vivia perguntando para a minha mãe se nós podíamos ter enfeites iguais em casa, mas ela sempre dizia que eram muito coloridos, não combinavam. Lembro da ansiedade boa esperando meus primos chegarem, só para começarem os jogos infinitos, os especiais de Natal na TV, e a correria pela casa nas caças ao tesouro de presentes, mesmo depois de já saber de cor todos os esconderijos.
Meu pai colocava música clássica e ópera no celular, sempre alto demais. Eu reclamava, revirava os olhos, mas por dentro adorava — e agora sou eu quem continua seu trabalho, fazendo meus amigos ouvirem Tchaikovski e Vivaldi quando vão em casa. Todo ano, comíamos o mesmo bolo de floresta negra que apelidamos de “O Bolo do Natal”. Essa sobremesa só aparecia em dezembro, e o resto do ano passava a ser uma longa espera por ele. Eram tantas coisas que faziam do Natal o melhor dia: a música, os presentes, o clima, a comida, mas, mais do que tudo, as pessoas.
Agora entra em cena o Fantasma do Natal Presente e a luz muda um pouco. Conforme nós fomos crescendo, o espírito natalino começou a querer desaparecer. Por mais que eu tentasse segurar, eu e meus primos acabávamos repetindo a mesma frase: “Esse ano não está com cara de Natal…”. Tenho quase certeza de que eu aproveitei mais o Natal do que meu irmão mais novo, e isso me deixa um pouco triste hoje. Quando eu era criança, o Papai Noel aparecia na casa da minha avó para distribuir doces para todos nós. Meu irmão aproveitou muito essa fase. Mesmo assim, a magia não tinha sumido de vez. Eu seguia insistindo — ainda insisto — para que as pessoas se importem um pouco, para manter a energia presente. Mas foi ficando cada vez mais difícil. Para mim, o Natal acabou de verdade em 2023, junto com a partida de minha avó.
Se o Fantasma do Presente resolvesse me acompanhar, ele me levaria para a casa vazia dela — o cenário de todos os Natais da minha infância, o lugar das minhas memórias favoritas. Por um tempo a gente ainda visitava o local, mas agora outra pessoa mora na casa que antes nos pertencia. Meus pais ficaram aliviados quando conseguiram alguém interessado no imóvel, mas para mim aquilo foi a confirmação oficial de que o Natal tinha acabado. Desde que ela se foi, Back to the Old House toca sem parar na minha cabeça. Eu queria poder voltar não só para a casa, mas para todas as memórias criadas naquele local. Mas não é possível. Eu vi minha avó escorrendo entre os dedos, bem diante dos meus olhos. Lembro-me do momento em que percebi que talvez estivéssemos vivendo nosso último Natal juntas. Eu sempre temia que o Natal que estivesse presenciando fosse ser nosso último, até que, sem nenhum tipo de aviso, aconteceu. Tivemos nosso último Natal.
No ano passado, passamos o Natal em casa: minha mãe, meu pai, meu irmão, minha cachorra e eu. Eu tentei entrar no clima, fiz força para ficar bem. Minha mãe sabia que eu estava mal e fez de tudo para me animar. Mas mesmo assim, passei boa parte da véspera trancada no quarto, ciente de que, dali em diante, seria dessa forma por muito tempo. Não era assim que deveria ser. Nós deveríamos estar brincando, ouvindo música, escondendo presentes. Todos nós.
Não queria parecer ingrata, especialmente porque eu sabia que era difícil para todos. Mas o Natal simplesmente não era mais Natal. O que antes era o feriado que juntava a família inteira, agora parece mais um lembrete do que já não existe. Uma época de luto discreto em que lembramos do que foi, sabendo que nada se repetirá. Esse ano, continuarei mantendo minhas tradições pessoais, mas sei que não será o suficiente.
É aí que o Fantasma do Natal que Ainda Virá aparece. Ele não é assustador como em Dickens, mas sim um pouco mais gentil. Quando olho para frente, vejo um Natal que ainda não vivi, mas que quero muito viver. É um futuro distante, mas ainda assim ele virá. Nesse futuro, sou eu a anfitriã. Sou eu quem põe a mesa, arruma a árvore, recebe as pessoas na porta. Imagino uma casa quente e barulhenta, cheia de primos, crianças, amigos, risadas, enfeites coloridos e música tocando um pouco mais alto do que deveria, da forma que a casa da minha avó já foi um dia. Talvez eu nunca consiga repetir exatamente o que ela criou, mas quero construir algo que carregue seu esforço adiante. Talvez o Natal não tenha ido embora, mas apenas tenha mudado de forma. Talvez o passado me conforte, o presente doa, mas o futuro ainda sussurre que, um dia, na minha própria sala, o Natal talvez volte a parecer Natal.
Autoria: Lara Celani
Revisão: Pedro Anelli e Leonardo Maceiras
Arte de Capa: Pinterest



