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CALDO


Alguma vez na vida você levou um caldo? Se você já entrou no mar eu chuto que sim. Quando pequenos, não temos tamanho pra ficar ali brincando, mesmo que no rasinho, o mar nos castiga nos virando de ponta cabeça. Por alguns segundos não se sabe onde é o céu e onde é o chão, um pouco de areia entra na sua boca e muita água sobe pelo seu nariz. Todo mundo fala que é um pouco desesperador, não ter certeza quando você vai voltar a ressurgir e finalmente respirar. 


Eu não sei porque, mas eu sempre gostei tanto dessa vastidão azul, que levar caldo não me incomodava. Lembro de uma vez que estava com o meu tio, tinha uns 4 anos, não muito mais que isso, e ele segurava minha mão com força pra não deixar a maré me levar. Uma onda veio e dei algumas cambalhotas, engoli muita água, mas ele ainda me segurava e me mantinha segura. Quando finalmente respirei, olhei pra ele com um sorriso de orelha a orelha (ainda tossindo um pouco) e gritei “DE NOVO!!!”


Ele riu, riu porque ninguém gosta de levar caldo. Toda criança fica com medo, algumas temem entrar no mar por esse exato motivo (e ouso dizer que muitos adultos não entram por esse mesmo motivo). Riu porque eu vi alegria em algo que todos associam ao medo. Riu porque ele se viu um pouco em mim: sempre surfou e se acostumou com os caldos. Mas eu não conhecia aquela sensação, não estava acostumada: aquela era uma das primeiras vezes que entrava no mar, e já me encantei.


Hoje vivo em um caldo constante, sem saber pra onde ir, sem saber onde está o teto nem o chão, incerta de quando voltarei a emergir. Queria me sentir feliz como me senti na primeira vez que levei um caldo, aceitar as dificuldades e gritar: “DE NOVO” quando perceber que tudo está bem, mas talvez eu tenha crescido demais, e isso não mais me encante. Eu tenho medo desse caldo constante que a vida insiste em me envolver. Prefiro o caldo que o mar me dá, ele só tenta me lembrar que é vivo assim como eu, me explicar que não irá ficar parado. A vida não me explica nada: não vejo sentido na água que é jogada em minha direção, na areia que agora incomoda meu corpo.


Queria me sentir diferente, queria que o turbilhão de emoções que eu vivo fosse sanado em algum momento, que eu pudesse finalmente respirar. A verdade é que eu que escolhi ficar assim, me privei desse conforto de saber que está tudo bem, me acostumei a ocupar meus dias e não deixar tempo para pensar. Não me leve a mal, não é que eu desejo que os desafios cessam, que graça teria a vida se tudo fosse fácil? Só queria que alguns dias fossem como um sopro de ar fresco.


Honestamente, queria poder sentar e olhar pro teto. Respirar fundo. Ouvir um pouco os pensamentos que fluem na minha cabeça. Deixar minha mente divagar e viajar no universo que tiver vontade. Mas mesmo quando faço isso (por exemplo para esse texto) é uma obrigação: eu só tenho tempo pra isso. Só me permito ouvir minha imaginação quando preciso dela para cumprir uma tarefa. 


Tenho saudades de mergulhar no mar sem medo de quando voltarei a ressurgir, mas com a certeza de que voltarei. Hoje me sinto imersa, levando um caldo atrás do outro. Nunca temi o mar porque sabia (ou achava) que ele não representava perigo para mim, mas agora não sei mais.


Autoria: Elis Montenegro Suzuki

Revisão: Artur Santilli e Luiza Parisi

Imagem de capa: Elis Suzuki


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