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CARTA ABERTA À LAGARTIXA DO MEU BANHEIRO


Olá, lagartixa do meu banheiro!


Estou neste momento em teu variável e bem frequentado recinto. Decidi escrever esta carta como uma forma de consolidar o nosso harmonioso convívio. Não sei de tua origem, se veio de outra já conhecida lagartixa adulta aqui de casa ou se percorreu minhas paredes e, sem pedir licença, bisbilhotou minha janela e assentou-se em meu banheiro. Não sei, mas te conheço bem. Observei-te crescer: te vi pequena e, agora, te vejo já adulta. Tua rapidez sempre me assustou, mesmo que admirasse tua cautela indiscreta. Julgo que te conheço, contudo, por pura mesquinhez, nunca me dirigi a ti. Eu te vi, mesmo assim não te cumprimentei. Nunca. Nem um bom dia. Sequer teu nome me dispus a perguntar. Perdoe o meu humano orgulho, minha não tão comunicada, mas presente amiga.


Sei que tu me sondas. Conheces a mim bem mais do que te conheço. Sabes silenciosamente de minhas necessidades, de cada hábito estranho e de todos os meus mais particulares detalhes. Assim fossem estes os únicos requisitos para uma amizade, tu virias a ser a minha mais íntima amiga. Sinto-me confortável com a tua companhia. Nunca nada desejei esconder-te, saiba, tu tens minha devota confiança.


Sei o que enfrentas. A instabilidade de meu banheiro: ora um ambiente frio e solitário, ora um clima vaporizado e um chão barulhento. Sei de teu serviço. Teus hábitos alimentares agradam-me por excluir outros seres não tão bem-vindos como tu, por assim dizer. De todo modo, sei também de teu medo, de tua insegurança. Tuas fugas velozes e teus rastejos apressados quando me avista. Peço que, por mim, não se intimide, mas compreendo teu instinto.


Há quem diga que as lagartixas representam um símbolo espiritual. Que sua presença seria um indicativo de boas energias no lar. Olhando para tu, eu não seria capaz de discordar. Que esta carta sirva como desculpa pelo meu rude comportamento e como agradecimento pela tua mais sincera companhia, símbolo de boa fortuna.


Carinhosamente, do teu tão humano coabitante.


Autoria: Lucas Tacara Xavier.

Revisão: Anna Cecília Serrano e André Rhinow.

Imagem de capa: Reprodução/Tinypic.


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