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CICLOS: POR QUE SEMPRE VOLTAMOS?

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Às mesmas ruas, às mesmas pessoas, às mesmas promessas que juramos não repetir. É curioso como a vida se dobra sobre si mesma com tamanha precisão, como se o mundo inteiro fosse uma sala de espelhos e o tempo, apenas o reflexo de uma insistência. Por que, depois de tantas voltas, acabamos no mesmo lugar? Geralmente dizem que é o destino, mas eu digo que é vício. Um vício de retorno, de familiaridade, de cansaço. Ainda assim, dói. Dói perceber que todo recomeço parece um eco do fim anterior, e que mudar de lugar nem sempre é mudar de direção. Cada volta carrega uma diferença microscópica, quase imperceptível, mas o suficiente para nos fazer crer que mudamos, quando, na verdade, só giramos de outra forma.


Estudamos para estudar mais. Trabalhamos para trabalhar mais. Vivemos para sobreviver. É um circuito bem desenhado: o esforço que nos empurra de volta ao esforço, o cansaço que se recicla e se disfarça de propósito em um movimento constante de avanço mínimo, e ainda assim, chamamos isso de progresso. A sociedade do cansaço não precisa mais oprimir, já nos convence a nos oprimir sozinhos. Giramos por conta própria, sem perceber que a exaustão também é uma forma de controle. Somos elogiados pela resistência, nunca pela paz. Voltamos às pessoas que nos feriram, às rotinas que nos exaurem, aos sonhos que já não cabem e chamamos isso de amor, de persistência, de convicção. Vivemos em ciclos porque o mundo é construído sobre eles. Até o nosso corpo aprendeu essa lógica: a dopamina sobe e desce como maré, o prazer dura segundos, e o vazio, horas. O cérebro premia a repetição – quanto mais previsível, mais segura a resposta. Somos viciados em padrões porque a mente confunde familiaridade com segurança. O sistema de recompensa é o reflexo biológico da sociedade do desempenho que busca o mesmo estímulo esperando um efeito diferente, e, como diria Einstein, que loucura.


Sabemos que o ciclo é traiçoeiro. Quando acreditamos que escapamos dele, ele nos acolhe de novo – com outra forma, outro nome, outro jeito. Voltamos à mesma cidade achando que é outra, aos mesmos costumes como se fossem novos e encontramos a mesma pessoa jurando que mudamos. No fundo, mudamos – mas não o suficiente para não repetir. E dizem também que os ciclos são castigos, mas eu prefiro acreditar que são lições que a vida repete porque a gente cola no teste. Repetimos o erro com novas desculpas, achando que desta vez é diferente. Não é. Até ser.


Há um estranho contentamento em reviver o que já doeu. A zona de conforto tem cheiro de passado, e o passado tem gosto de abrigo. É o lugar onde o sofrimento é familiar, e, portanto, menos assustador. E é aí que o erro se repete, disfarçado de familiaridade.

Ainda assim (e talvez por isso) os ciclos não sejam maldições, e sim convites. Porque em algum ponto (entre o erro e o aprendizado), algo muda. Não no mundo, mas em nós. Talvez seja no instante em que cansamos de nos justificar, ou quando paramos de culpar o destino. Talvez seja quando olhamos no espelho, jogamos água no rosto e, pela primeira vez, reconhecemos o que custamos em admitir. Os ciclos nos obrigam a encarar o que não superamos, e a vida insiste, como quem nos devolve à mesma cena para ver se, agora, entendemos o diálogo – e posso enfim dizer que eu entendi o que queríamos com cada palavra.


Há algo de belo na repetição, quando ela deixa de ser prisão e vira aprendizado, afinal, ninguém volta igual. Porque voltar não é retroceder, é ressignificar. E repetir não é fracassar, é treinar o perdão, a paciência, o amor. Porque o amor, no fim, também é cíclico. A dor, o desejo, a tentativa, e voltamos mais uma vez. E se o tempo insiste em girar, talvez a lição seja girar junto, com menos medo e mais ternura.


No fim, percebo que não é sobre “quebrar o ciclo”. É sobre aceitar a ilusão de que o amor pode consertar o que o tempo partiu, ou que o tempo pode redimir o que o amor fere. Reatamos não com alguém, mas com a versão de nós mesmos que ainda acredita. E amar de novo – ainda que o amor seja o mesmo – é a prova de que nenhum ciclo é perfeito o bastante para ser o último.


O tempo gira. Nós também. E entre o déjà vu e o novo começo, há um instante em que tudo faz sentido e entendo que se eu volto, não é porque ignoro o que foi, mas porque acredito no que poderia ter sido. Amar, no fim, é um tipo de repetição consciente: uma tentativa de fazer diferente o que já conhecemos bem demais. Os ciclos existem, porque precisamos deles para aprender, mesmo que às vezes só aprendamos a cair com mais leveza. 


Talvez seja isso o que chamam de amadurecer: girar até entender que o ponto final é só o mesmo ponto visto de um pouco mais longe.



Autoria: Vicky Auricchio 

Revisão: Ana Clara Jabur

Imagem da Capa: Artes


 
 
 

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