Há uma frase muito famosa entre as artes de autoajuda do Pinterest: “A recuperação não é linear.” A melhora nunca parece constante e a falha é uma consistência na vida dos que se cobram demais. Para esses, uma das primeiras coisas que uma terapeuta repara são as incessantes reclamações de estarmos errados. Acho inclusive que é a primeira coisa que aprendemos sobre nossos incorretos comportamentos, que gostamos um pouco demais de categorizar tudo do que fazemos e somos em certo e errado. No caso, o que é nosso é errado, e o oposto é certo. A frase então faz sentido.
Além da frase “o progresso não é linear”, há outra famosa, retirada de um livro de Clarice, que fala: “perder-se também é caminho.” Mais bonita que a frase é a epifania usada para chegar nela. A personagem está olhando para o chão e vê formigas caminhando em fileira, todas juntas indo para um mesmo lugar. Até que repara que havia uma formiga perdida, traçando um caminho diferente das outras. Não recordo o que aconteceu para a formiga estar assim, talvez seja justamente a parte menos importante. Essa formiga errante figura a epifania, perder-se também é caminho.
Passando mais tempo em busca de símbolos de ajuda e caminhos, encontra-se o Ouroboros. Uma cobra que se engole, a vida que sempre se repete, o eterno retorno, a impossibilidade de saída, a completude em si só. O progresso, que não é linear, pode ser uma curva que sobe e desce, mas muitas vezes a sentimos como um círculo. Estou bem e estou mal e estou mal e estou bem e não há outra possibilidade e nunca há estabilidade. É sempre bem e mal e certo e errado e indo e vindo. É o oposto de estar perdido, não há para onde ir.
Existe uma figura presente em um livro de Galeano que ilustra um trenzinho e um barquinho em um mesmo trilho circular. Nesse trilho não há para onde se perder, é um ciclo que eternamente se repete, mas há algo brilhantemente desconfortável no barco, que pertence ao mar e aos horizontes infindáveis, estar em um trilho. Talvez não exista como sair do trilho, mas talvez não precisemos ser todos trens no trilho. Definitivamente me sinto mais barco do que trem. Me sinto mais formiga do que barco. Me sinto mais cobra do que trem. Por aí vou indo.
Revisão: João Vítor Vedrano e André Rhinow
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