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COMO SOLETRAR PROPÓSITO




Sete canetas esferográficas. Sete canetas esferográficas que guardo em uma caixinha de madeira no meu quarto. Vazias. Suas tintas, armazenadas nas centenas de páginas que acumulei ao longo do Ensino Médio. Sete canetas esferográficas esvaziadas de tinta. Esvaziadas, portanto, de propósito?


Propósito. Palavra inoportuna. Dessas que surgem no final do ensino médio. Dessas que surgem nas divagações da meia-noite. Dessas que parecem grudar na cabeça e não querer mais sair. Dessas que me levam a ruas sem saída, perguntas sem resposta. Propósito, propósito, propósito. Qual seria o meu propósito?


Por que todos os átomos que me compõem teriam se dado o trabalho de se reunir e formar… eu? Por que, naquele exato momento da concepção, o espermatozóide que viria a dar origem a mim ganhou a corrida? Uma infinita quantidade de combinações de características, traços e experiências poderia ter formado uma infinidade de pessoas. Então por que eu?


Eu que não sou caneta esferográfica. Eu que não fui feita para algo, não vim com manual de instruções. Então qual é o meu propósito? Tento enfiar de novo a pergunta lá para os confins do meu ser. Mas ela volta a surgir. O que a torna única? O que você pretende fazer com sua educação? Por que você deveria ser escolhida? Perguntas que surgem a mil por hora nos vestibulares, processos seletivos, entrevistas de emprego e que sempre levam ao maldito propósito. Por que eu? – volto a me perguntar. E volto a me frustrar que uma voz no vento ainda não me respondeu.


E nesse processo todo de auto reflexão, me perco ainda mais. Sei que a ciência me fascina. Que, no sétimo ano, durante um experimento para explicar o movimento heliocêntrico dos planetas, meu olhos brilhavam enquanto as bolas girando lentamente se transformavam em planetas orbitando o Sol. Que não via a hora de explicar para os meus pais, como os óculos deles funcionam ou como conseguimos carregar nossos celulares. Também sei que amo escrever poemas. Que, quando escrevo, consigo extravasar o que guardo para mim. Sei que amo aprender, que sou mestiça, que quero ser advogada, que meu doce favorito é mil folhas e o meu livro favorito é O Mundo de Sofia. Mas tento traçar um caminho usando essas coordenadas, e continua a folha em branco a me encarar. Porque nada disso responde a pergunta que volta a entoar: por que eu?


Poderia continuar aqui por mais folhas e folhas divagando sobre quem sou, o que já fiz, o que gosto e tudo mais, e, ainda assim, não responderia a maldita pergunta. Por que eu? E, nesses momentos, quero ser uma caneta esferográfica. Escrever, escrever e escrever até me esvaziar. E ter certeza que fui criada para isso, escrever.


Mas então penso, se fosse caneta esferográfica, nunca teria comido um mil folhas. Não poderia olhar o céu estrelado. Não teria ajudado aquela amiga em um dia difícil, ensinado aquela matéria na véspera da prova. Não estaria estudando para, no futuro, poder advogar por outros.


Então, quem sabe, uma forma melhor de pensar sobre propósito não seja o por que vim ao mundo? Mas sim, o que vou fazer com essa vida que me foi dada? Não existe caminho predestinado, não somos caneta esferográfica com um propósito dado. Cabe a nós decidir quem seremos. E, talvez, esteja aí o bonito da vida. Quando chegarmos ao final dela, podermos olhar para trás e perceber que o caminho torto e bagunçado que trilhamos soletra propósito.




Autora: Sofia Nishioka Almeida

Revisão: João Vitor Garcia e André Rhinow

Imagem de capa: Foto por Sofia Nishioka Almeida

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