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DA VINCI - É O QUE É

No Espaço Aberto de hoje, Gabriel Linares discorre sobre o artista Leonardo da Vinci e o brilhantismo de sua pessoa e de suas obras.

Sempre me perguntei: - por quê? A gente nasce e cresce, certas coisas imperam, outras indagamos. Essa foi a que me ocorreu com Da Vinci. Cresci num ambiente em que a genialidade do muito-mais-do-que-pintor sempre rondou. Confesso: alguns quadros eu, quando criança, tinha até medo, coisa que não vale a pena retratar agora. No entanto, mesmo assim, prevalecia o mistério: o que tudo aquilo queria dizer? Por que as pessoas o enalteciam tanto? As pinturas dele eram realmente extraordinárias? Será mesmo? Bom – enfim, neste texto tentarei expor e explicar algumas das características que descobri no breve tempo, além de ir traçando os paralelos que me vão vindo em mente. Hoje, um pouco mais esclarecido a respeito, Ele se tornou um ídolo, um ser a ser atingido, o ápice de uma época muito mais do que época.


Comecemos pelo que, em minha opinião, fora sua melhor posse: sua curiosidade. Ah! Mas como falta hoje! Vejo, em geral, apenas curiosidadesinhas no Externo, agora. Coisa tão linda, ela. Leonardo nunca parava, queria saber de tudo, a Criança que nunca morria. Por que o céu é azul? Por que redemoinhos giram sempre para o mesmo lado? Por que as pessoas sorriem? Por que se expressam assim? Veja só, poderia ser muito diferente: a gente poderia se balançar todo, como os cães. Mas, sorrimos. Os dentes, alguns não. Certos fecham (também) levemente os olhos. A Evolução teria mesmo cuidado de cada detalhe? Assim, vejam: tanta coisa a ser descoberta, tantos sorrisinhos e pelinhos arrepiados após o pequeno achado. A vida poderia ser muito mais interessante, talvez ele pensava. “Quem duvida fica sábio”, diz Guimarães Rosa. Aos técnicos, desculpe o excesso de subjetividade. Schopenhauer também concordaria com vocês. Feliz, falo: como falar de arte sem arte?


Claro que isso reverberou. O renascentista foi quebrando os paradigmas; tal índole não segrega os saberes do mundo. Tangenciou tudo o que pudera e tudo o que pode o alcançou. Partiu de Vitrúvio aos geômetras: vitória vencida! Em sua época, diversos e diversos matemáticos relembraram com saudade os ditos daquele:


“O comprimento dos dois braços abertos de um homem é igual a altura do homem.


A distância entre a linha do cabelo e a ponto do queixo é de um décimo da altura do homem.


[...]”


Tentaram. Todos. Incessantemente. Calorosamente. Leonardo, mirou; então correu. Haveria ser capaz de desenhar o homem perfeito segundo as definições de nosso grego há muito tempo enterrado no tempo? Era ele: acumulou sua fama.


No que toca aos armados abastados, fez também seu Vermelho. Projetou armas, ao passo que amou. Projetou tanques, e prospectou estátua cavalar. O inimigo, qualquer que fosse, tivera, talvez, para o gênio, o temeu. Eis então o fim da genialidade? Não digo, acrescento - portanto -, com toda certeza um toque de humanidade.


Dama com Arminho - Leonardo da Vinci

Me enche, vai te encher, de clarão, literalmente. Acreditem. Na maioria dos quadros a iluminação fora milimetricamente estudada. Através do olho, e do brilhinho que não sei o nome, é possível saber-se a posição do Sol ou, pelo menos, a localização do objeto amado. É o caso da Dama com o arminho, cujo clarão vem de seu maior amor, Ludovico Sforza, no nosso lado direito. Vejam: até o animalzinho reage, espantosamente. Dessa forma, como não entrarmos junto, brilharmos com eles, nos envolvermos com eles? Vamos? Convoco todos.


Muito mais tem e existe: anatomia, teatro e assim vai indo. Quem vê de fora, acha que é assincronia. Entretanto, é tudo interligado, eis o seu legado. Não existem “as ciências”, tem o mundo. Não existem as exatas e humanas, têm aqueles que desistiram de curiorizar. Para isso que viemos. Para isso que a humanidade ruma.


Santa Ceia - Leonardo da Vinci

Agora, a parte realmente objetiva nova: as narrativas. Todo quadro seu é uma narrativa, ou pelo menos tenta ser. Uma narrativa circular, assim como a vida. Parte-se de alguma ação e tudo começa. O segundo melhor exemplo dessa dinâmica é a Santa Ceia. “Um de vocês irá me trair” (Mateus, 26:21), diz Jesus. Então o splash e a vida começam. Doze apóstolos estão ao seu redor. No entanto, muito embora a priori não pareça, cada um está num compasso diferente. A começar explicando: os apóstolos estão juntos em grupos de três, agrupadinhos. Os da esquerda assustam, admirados e confusos. Os mais à direita, por outro lado, já esboçaram as primeiras reações a tempos e, agora, já estão cochichando: “quem será?”. O quadro-parede (obs: quadro pintado na parede), já se encontra deteriorado: coitado dos pés de cristo! A posição das pessoas, se pensarmos, é ilógica: que tipo de amigos se reúnem para comer e se sentam apenas de um lado da mesa? Estariam se protegendo de algo? Talvez posando para alguma foto? Certo estou de que nos querem nos mostrar algo.


Mona Lisa - Leonardo da Vinci

Por fim, chego à “musa das musas”. Mona Lisa. Esposa de um comerciante seda, o que, para a época, não significava muita coisa. Isabela D’Este, mulher de classe mais superior, implorou muitas vezes para que um retrato seu fosse pintado. Ofereceu, quase, todos os seus castelos. Leonardo, nada. Enfim, assim, indago: por que Mona Lisa? Por que Leonardo fez questão? E, aqui, dou humanidade ainda maior: nunca largou o quadro e nem nunca recebeu um tostão por ele. Morreu com ele. Retocou, por longos 18 anos, até o fim de seus dias, exercendo seu perfeccionismo. Puxa, quanto amor, quanta paixão, quanto drama! A vida, não é isso não?


Para agradar os técnicos cito: chiaroescuro e sfumato. Ambos jeitos de pintar desenvolvidos por ele em prol de seu realismo sobre-humano. O primeiro, algo real. Se pararmos para pensar, como as coisas claras e escuras realmente são? Mais brancas? Mais pretas? Mais elas? Assim fez. Até então, o preto tinha seu papel de escurecer e o branco de clarear, mas, no Real, as coisas funcionam diferente. Consequentemente, mais vida foi trazendo. Quase saltava e acenava. A exemplo: o amarelo, quando iluminado, é mais amarelo. O segundo, por fim, algo real. Faça um teste: desenhe o objeto mais próximo que está perto de você. Certeza tenho de que o fará errado. Iniciou, com toda certeza, pelas bordas e contornos, muito embora elas não existam de fato, o que há é borrão. O contorno, na vida, é um borrão. E isso acrescentou. Para quem ousar exercer tal empreitada, a técnica consiste em pegar os dedos e borrar os cantinhos.


No entanto, as coisas não param. Talvez nunca parem. Até hoje discute-se ela. Dá-se início a modernidade: pela primeira vez existe sujeito. Pela primeira vez nesse mundo existiu Mona Lisa. Até então era-se Humilhado ou Exaltado de nascença. Não existia Mona Lisa. Tal feito foi inconsciente, muito provavelmente, mas aqui dá nosso amigo um claro sinal de sua genialidade, portanto.


Mona Lisa é confusa. Sorri, se olharmos para seus olhos, que nos vê, mas, demonstra seriedade se focarmos em seu sorriso. Assim somos todos nós: confusos e ambíguos. O que realmente sentimos? Realmente dizemos e expressamos o que está dentro de nós? É desconfortante. Sua ambiguidade nos deixa zonzos, precisamos olhar para suas mãos ou para o fundo para esquecer, mas até isso Leonardo pensou. O fundo, borrado, nos faz focar novamente. E assim continua sendo até hoje.


Aqui há o relato dum homem cujo escopo se restringe à imaginação. Pois se ser agente cabe a poucos, ao menos tentarei ser o melhor dos receptores. Com isso, sejamos, à nossa forma, mais leonardos.



Gabriel Linares, carnaval de 2020.
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