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O ERRO DE TAYLOR SWIFT: COMO SEU SILÊNCIO AMPLIFICA A PROPAGANDA TRUMPISTA


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Taylor Swift teve, recentemente, três músicas de seu mais novo álbum, The Life of a Showgirl, utilizadas em vídeos promocionais da campanha trumpista, publicados diretamente por plataformas oficiais da Casa Branca e pela conta oficial da campanha de Trump: Team Trump. Apesar da indignação inicial dos fãs, a cantora, amplamente conhecida por seu histórico de ativismo e por sua postura inflexível contra o uso indevido de suas obras, optou por não se pronunciar. Nenhuma nota oficial foi divulgada por ela ou por sua equipe, tampouco qualquer movimentação silenciosa parece ter ocorrido: os três vídeos seguem no ar, com as músicas intactas e sem qualquer reivindicação de direitos autorais.


A primeira postagem ocorreu no TikTok oficial da Casa Branca (@whitehouse). No vídeo, o som possivelmente mais tocado no novo disco da artista, The Fate of Ophelia, é utilizado ao fundo de uma passagem de imagens que compõem a campanha republicana: a figura de Donald Trump, a bandeira dos Estados Unidos, retratos do vice-presidente e das duas primeiras-damas. Já os outros dois vídeos, publicados pela Team Trump (@teamtrump), seguem a mesma linha simbólica: um utiliza Father Figure para insinuar uma espécie de “herança imperial” de Trump, brincando com o verso “this empire belongs to me”; enquanto o outro exibe Melania Trump recebendo o prêmio “Patriota do Ano” ao som de Opalite.


Insinuações dessa natureza, no passado, teriam sido suficientes para que Swift e sua equipe tomassem ações imediatas, inclusive possivelmente acompanhadas de declarações públicas. Desta vez, porém, o cenário se diverge. Por quê? As hipóteses dos fãs são múltiplas: Swift seria secretamente republicana; estaria se silenciando por influência do noivo, Travis Kelce; ou, ainda, evitaria se posicionar para proteger o desempenho comercial de seu novo álbum. É importante analisar, de perto, uma a uma. 


Primeiro: faria sentido supor que Taylor é, na verdade, republicana e teria encenado, por anos, alinhamentos democratas? Embora identidades políticas possam mudar, essa leitura reduz o fenômeno a uma especulação simplista, sobretudo porque não há indícios concretos de que Swift tenha alterado seu posicionamento. Pelo contrário: a cantora foi vocal em sua oposição aos republicanos nas últimas eleições, apoiando Kamala Harris e Joe Biden, além de já ter criticado abertamente o conservadorismo de Marsha Blackburn, notória aliada de Trump, em Miss Americana. Por que, então, agir diferente agora?


A segunda hipótese sustenta que o silêncio seria motivado por seu relacionamento com a estrela do futebol americano: Travis Kelce. Recentemente, os dois anunciaram que estavam noivos, e o casamento deve acontecer em meados de 2026. Apesar da felicidade aparente da cantora, algumas pessoas veem em Kelce a realidade por trás do súbito silenciamento de Swift. Após o noivado dos dois, alguns fãs passaram a interpretar o discurso do jogador no Super Bowl em fevereiro (quando afirmou ser “uma honra” a presença de Trump no campeonato) como sinal de uma suposta filiação republicana. No entanto, considerando o histórico de Swift, é improvável que sua postura política, tão firmemente construída, seja condicionada por seus parceiros. Em relacionamentos anteriores – como com Joe Alwyn, conhecido pela extrema discrição, privacidade e distância das redes sociais – Taylor passou pelo que foi, provavelmente, o momento de maior atividade política de toda a sua carreira. 


Ainda assim, é importante reconhecer por que essa hipótese ganhou tanta popularidade. Suas raízes repousam em discursos estruturalmente misóginos, que reduzem o trabalho, as decisões e até mesmo a afinidade política da artista aos homens com quem ela se relaciona. Não é coincidência que grande parte dos ataques que Swift recebe orbitam sua vida amorosa e a ideia de que “só sabe escrever sobre homens”. Em uma sociedade patriarcal, em que o trabalho e a autonomia das mulheres são constantemente reinterpretados como extensões do universo masculino, torna-se “natural” atribuir a omissão política de Swift ao seu noivo. Mais do que uma hipótese, essa leitura é o reflexo de uma tendência histórica de deslegitimar mulheres, associando sua voz, seu sucesso e até seu silêncio aos homens ao seu redor. 


Esse raciocínio ajuda a compreender por que a hipótese persiste, mas também demonstra por que ela é insuficiente.  E é a partir dessa insuficiência que surge a terceira explicação, e talvez a mais plausível: Swift estaria protegendo suas vendas de discos, streams em plataformas e possíveis premiações ao evitar um novo embate político. Mas os fatos enfraquecem essa leitura: Taylor Swift tornou-se bilionária em 2023, tem quase duas décadas de carreira consolidada e The Life of a Showgirl já alcançou feitos extraordinários – #1 na Billboard 200 com 4 milhões de unidades vendidas na primeira semana, todas as faixas no top 12 da Hot 100 e certificações de platina em diversos mercados. Reduzir seu silêncio a uma estratégia de autopreservação comercial, embora mais razoável que as outras hipóteses, ainda é insuficiente.


Talvez, no entanto, entender o porquê do silêncio seja menos relevante do que compreender seus efeitos. A ausência do posicionamento público de Swift no cenário estadunidense – e até mesmo fora dele, dado o alcance global de sua imagem – tem impactos concretos. É inegável a influência que Swift possui, seja dentro do âmbito musical ou mesmo em questões sociais. Seus milhões de fãs e seguidores a escutam. O impacto de sua voz e de suas palavras é o suficiente, tanto para enfraquecer os apoiadores de Trump, quanto para evitar que sua própria imagem volte a ser vinculada à imagem dos Republicanos – conforme ocorria antes do primeiro posicionamento público de Swift. Ainda assim, seu silêncio prevalece. 


Enquanto isso, artistas menores que Taylor, como Olivia Rodrigo e Sabrina Carpenter, também tiveram suas gravações utilizadas como pano de fundo para a atração de mais jovens para a propaganda republicana. Mesmo não contando com a mesma quantidade de recursos e apoio público, as cantoras não hesitaram em levantar suas vozes contra o uso indevido de seus materiais. No caso de Sabrina, após ver Juno sendo utilizada em um vídeo de propaganda anti-imigração, declarou:  “this video is evil and disgusting. Do not ever involve me or my music to benefit your inhumane agenda”. Além do seu posicionamento público, Carpenter atuou para que o áudio fosse silenciado, e o vídeo, depois, foi apagado. Swift, por sua vez, permitiu que os três vídeos permanecessem no ar, sem mutação das faixas e sem qualquer pronunciamento.


Nesse cenário, independentemente das motivações que explicam as omissões da cantora, é impossível negar os efeitos negativos que a permanência desses conteúdos representa. O silêncio de Swift pode significar uma aproximação do eleitorado juvenil, usualmente esporádico, do extremismo republicano representado pelas políticas de Trump.  Os mais jovens, ao verem a permissividade da artista para com a propaganda trumpista, farão associações positivas à Campanha extremista. Esse efeito é demasiadamente perigoso, dado que, para os mais jovens, a linha entre política e cultura pop é tênue, e artistas são peças essenciais no jogo político – especialmente se esse artista for a Taylor Swift. Nas últimas eleições, quando a cantora declarou apoio à Kamala Harris e pediu, via post, para que seus fãs regularizassem sua situação eleitoral, 55.222 americanos se registraram para votar e 144.243 pessoas verificaram seu status de registro. Essa movimentação ocorreu no espaço de dois dias (11/09/2024 – 13/09/2024), comprovando a importância do efeito Swift no cenário político. 


Por isso, quando a artista se cala diante do uso de suas músicas por grupos extremistas, o impacto é igualmente profundo – mas na direção oposta. A ausência de uma posição pode levar o vácuo opinativo a ser preenchido por narrativas “coerentes” com o silêncio da artista: conivência, tolerância e, eventualmente, aprovação. A longo prazo, isso significa a relativização de políticas desumanas, apenas porque a voz de fundo desses palanques é de uma das cantoras favoritas do mundo. Essa abstenção é, em suma, um estímulo à penetração de discursos autoritários em uma geração que, até recentemente, era a barricada que impedia o avanço dos Republicanos. 


Taylor é, possivelmente, a artista mais influente da atualidade. Mesmo que Swift esteja tentando “evitar que o problema se espalhe”, sua escolha de manter os conteúdos online, sem fazer uso da política de direitos autorais, é, sem dúvida, um erro para a sua imagem. Os vídeos, que agora contam com milhões de visualizações cada, impulsionam esses discursos de ódio, que ela uma vez vez jurou combater diariamente. Taylor está, por meio dessa permissividade de uso, trazendo esses conteúdos diretamente para a tela de seus fãs em razão do algoritmo. A mão que uma vez compôs “Only the Young” não deveria permanecer em silêncio mediante a volta de um governo que promete ser tão devastador quanto o primeiro. Se Swift continuar inerte, sua imagem corre o risco de voltar a ser associada às figuras do Partido Republicano e, desta vez, não haverá espaço para reclamações. 



Autoria: Sarah Costa

Revisão: Leonardo Maceiras 

Imagem: The Life of a Showgirl Photoshoot 


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