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DEIXEM OS GAROTOS SEREM O QUE ELES QUISEREM


Nossa redatora Laura Kirsztajn disserta como a atual moda por si só já dilucida tanto sobre a “masculinidade”. Uma norma social como a vestimenta é algo natural ou construída culturalmente?


Anotem esse nome: George Bryan Brummell, ou, como é mais conhecido, Beau Brummell. Hoje em dia ele pode ser um desconhecido, mas, em sua época, o começo do século XIX, Brummell foi a pessoa responsável por ditar a moda masculina, especialmente em virtude de sua amizade com o futuro rei George IV da Inglaterra. Ele também foi bem importante para o agora, como irei demonstrar.


Brummell foi um importante símbolo dos dândis, que eram homens reconhecidos pelo seu bom gosto e elegância, ainda que não fizessem parte da aristocracia e não possuíssem origem nobre. Desse modo, Beau ditava a moda e não fazia parte do grupo que o escutava, a nobreza, o que possibilitou que ele fizesse algumas manobras.

Como ele não era tão rico quanto seus colegas aristocratas, ele não possuía dinheiro suficiente para montar o seu estilo. Por isso ele determinou que não era mais moda entre os homens, por ser “efeminado e vulgar”, usar joias, ornamentos e roupas com tecidos caros e diferentes. Isso significou uma mudança brusca na forma como os homens se vestiam: de uma diversidade de cores, cortes e tecidos, com vários enfeites, ornamentos e estampas, passou-se para algo próximo do que temos hoje: cores “sóbrias”, calças longas (porque Brummel considerava vulgar que aparecessem as meias caso utilizassem roupas mais curtas) e pouca variedade ou diferenciação entre os homens. Beau pregava que o elegante era passar despercebido entre as pessoas. E, não, essa nova moda não era acessível às outras classes sociais.


Para constatar o efeito do que Brummel fez, é só olhar a Faria Lima ou a Paulista em um dia útil: quase todos os caras utilizam roupas parecidas, com as mesmas cores, cortes e padrões, enquanto há uma variedade gigantesca entre as mulheres. O estranho é que ninguém tem a consciência de que essas normas sociais não são naturais, e sim impostas e construídas por um cara na Inglaterra do século XIX. E isso entrou tanto no inconsciente de todos, que qualquer desvio disso não só chama atenção, como é alvo de deboche e maldade por parte das pessoas.


Pode parecer pouco, mas isso faz parte de algo que encurta muito a forma de expressão dos homens, ou melhor, dos garotos. Falo dos garotos porque é algo que vem do berço: uma constante lição de como “ser homem”, masculino o suficiente para as expectativas de todos. E essa exigência vem de diversas formas: como você anda, fala, senta, escreve, se emociona, abraça, beija e, claro, como você se veste. Essa mesma pressão é apresentada para as mulheres em torno de “ser feminina”, mas essa é uma discussão ainda mais longa. O fato é que em ambos os casos corre a misoginia como raiz do problema e, em decorrência dela, a homofobia também. Porque o que é ensinado aos garotos é que a pior coisa que eles podem fazer é agir como, ou parecer uma mulher, e o ódio à figura “feminina” é tão encrustado que a homofobia tem em muitas das suas características o ódio ao homem afeminado.

Como eu dizia, isso significa um grande encurtamento na capacidade de expressão dos garotos. O guarda-roupa não devia ser uma fôrma de bolo universal, a que todos devem seguir cegamente, caso contrário, estão errados. Devia ser um momento de poder montar aquilo que vai externalizar a sua personalidade, a sua forma de ver o mundo e de se ver, bem como um recurso para expor seus sentimentos. Isso não é algo adstrito a uma orientação sexual específica, mas sim um direito que todo humano devia ter de poder comunicar ao mundo a sua arte cotidiana.

Querendo ou não, a moda é um meio artístico, e a cada dia nós podemos ser artistas ao compormos as vestimentas com as quais vamos encontrar amigos, trabalhar, estudar e descansar. O mundo seria bem mais bonito e alegre se 50% da população tivesse menos amarras para demonstrar o que ela de fato é, sem medo dos fantasmas de uma masculinidade “inventada” por um cara do século XIX, e fomentada pelos seres primitivos que ainda defendem uma forma de vida infeliz para todos.


Fontes:

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