DEVANEIOS
- Carolina Setten
- há 18 minutos
- 3 min de leitura

O silêncio me engole. E nele me demoro. Na meia-luz do meu quarto, pelo tardar do elevador, no esperar do ônibus. Queria ser eterna para ouvir todas as músicas do mundo, ler todas as obras, assistir todos os filmes. Queria ter nascido com a destreza de Clarice para transformar tudo o que sinto em palavras que fluem da espinha até florescerem na alma. O céu da minha boca é permeado por falas que ainda não fiz. Desejo cobrir todas as partes do meu corpo com arte, para que quando eu abrisse os olhos, tudo se traduzisse em poesia.
Agora não sei. Meus pensamentos vem em enxurrada. Se eu atraio aquilo que tenho medo, como deixar de senti-lo? Acho que isso é parte da vida, e é engraçado como ela sempre acha um jeito de continuar - tal qual as flores que crescem entre as fendas do asfalto. Analogamente, a esperança se renova. Vou fazer vinte anos e não sei nada da vida. Tento responder as perguntas do dia a dia, mas elas não me bastam. A vida continuou e muitos dos meus planos morreram antes mesmo de eu dar falta deles. Sofro tanto por coisas supérfluas e rio com o improvável. Me apego às pessoas que eu nem conheço, me seduzo com os seus “e ses”, com uma falsa identificação de saber a natureza do coração delas.
Meu potencial é desperdiçado com as mil e uma possibilidades que tudo parece apresentar e me perco naquilo que acredito ser real. Sempre acho que as coisas são muito mais profundas do que elas realmente são, e me estabano todas as vezes que tento explicar o sentimento de nunca saber se a minha intuição quer apenas amaciar o meu ego ou me apontar algo iminente. Me perco em mim mesma e luto para sair de uma realidade que me suprime, mas que luto para conhecer, para me apropriar.
No fundo, sei que eu e ele não vamos ficar juntos. Somos Jane e Travis, separados por um véu invisível da realidade que nos impede de compreender um ao outro de maneira satisfatória. Rimos do incompreensível e nossos cotidianos seguem em paralelo. A vida continua, guiando-me para lugares que nunca pensei que iria, abismos de mim mesma que nunca pensei em encarar. Sei que não vamos ficar juntos porque eu sei que não sou o que ele quer. Mas entendo que encontrá-lo foi a minha lição para compreender que eu também posso escolher. E talvez, só talvez, a minha autenticidade resida neste limbo de querer pertencer mas não conseguir ser aquilo que não sou. A sua presença me fez compreender tantas coisas, e a sua sombra me protege daquilo que eu ainda não sei.
A sua memória me guia pelas ruas escuras da consciência e, mesmo que por um segundo, eu ainda consigo te sentir comigo, ao meu lado. Se pudesse reencontrá-lo, sei que não falaria metade do que tenho ensaiado. Sou covarde, odeio despedidas, sou escrava da boa impressão e não aguento a ideia de alguém me ver por um ângulo desfavorável. Sei que, se eu olhasse nos seus olhos, eu só seria capaz de sussurrar um “tchau”, enquanto o meu peito grita “eu te amo”. O meu ego me conhece, me domina. E a vida segue assim, em devaneios que eu não consigo descrever, em impressões que eu ainda não aprendi a entender por inteiro.
Autora: Carolina Setten
Revisor: Leonardo Maceiras
Imagem: Pinterest







Comentários