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DICA DE LIVRO: "REALPOLITIK: A HISTORY" (JOHN BEW)

Nossa colunista convidada, Nina Avigayil Lobato, apresenta uma crítica a um dos principais livros de teoria realista nas Relações Internacionais.

O acirramento das rivalidades entre superpotências em regiões como a Península Coreana, o território da Síria, a Criméia e o Mar do Sul da China provocou o retorno de debates sobre “a armadilha de Tucídides” e a relevância de Maquiavel ao meio acadêmico. Pode-se afirmar que o início do século XXI foi marcado pelo aparente retorno da palavra Realpolitik no cenário internacional. Nesse contexto, o livro escrito por John Bew, professor de História e Política Externa do Departamento de Estudos de Guerra da King’s College London, é uma leitura obrigatória para alunos de relações internacionais. O livro em questão descreve a história, os erros e os acertos da escola de pensamento Realista das Relações Internacionais.


Realpolitik pode ser usado tanto de forma pejorativa, para descrever uma interpretação pessimista, maquiavélica e cinismo de um dado cenário político, ou de forma positiva, para descrever uma interpretação pragmática de um dado cenário político.


O retorno dessa palavra para o cenário internacional contemporâneo, principalmente no meio acadêmico anglo-saxão, ocorre devido a uma descrença no excepcionalismo das potências ocidentais, em especial, os Estados Unidos e do retorno da rivalidade entre superpotências.


Over the last decade, Realpolitik has been shorn of some of these negative connotations for a number of reasons. The first is that the return of great power rivalries and the fraying of the international order has evoked comparisons with periods in our past when Realpolitik was seen to provide a useful tool of statecraft – chiefly, nineenth-century Europe, when great powers buffeted each other. The second is that Realpolitik has been presented as a necessary antidote to the perceived excess of idealism in Anglo-American foreign policy of the post-Cold War era – a return to the “real” over the “utopian”. In this incarnation, it is simply understood as a cool. Circumspect approach to statecraft, deliberately contrasted to what is presented as the naïve idealism of others (BEW, 2016, p. 3).

A palavra Realpolitik é comumente usada, porém, pouco compreendida. No mundo anglo-saxão, em especial, nos Estados Unidos, ela é usada como sinônimo de uma corrente de pensamento e pensadores realistas que se estende de Tucídides, na Grécia antiga, até Henry Kissinger, no século XXI. Contudo, originalmente, Realpolitik surge na Alemanha do século XIX, a partir da colisão entre: iluminismo, formação dos Estados nacionais da Europa e política externa.


O termo foi cunhado por Ludwing August von Rochau. Rochau era um crítico de utopias mas não do idealismo, pois ele se recusava a negar o poder das ideias e das ideologias. Ele publicou a obra "As Fundações da Realpolitik", em 1853, na qual cunhou a palavra Realpolitik.


Este livro descreve que a Realpolitik está baseada em quatro suposições. A primeira suposição; a lei do mais forte é um fator determinante na política, portanto, a soberania não é um direito natural, mas um elemento resultante do poder de um Estado. A segunda suposição; a mais efetiva forma de governo é aquela que incorpora as forças sociais mais fortes dentro do Estado, colhe a energia proveniente dessas forças e consegue alcançar um equilíbrio entre elas. A terceira suposição; as ideias têm um papel importante na política, contudo, é necessário compreender que nem sempre as ideias mais nobres têm mais poder e as ideias são tão relevantes quanto o número de pessoas que acreditam nelas (e a perseverança com que acreditam nessas ideias). A quarta suposição; a opinião pública e o espírito dos tempos (Zeitgeist) são os fatores mais importantes no planejamento das políticas de um Estado (BEW, 2016).


“As Fundações da Realpolitik”, escrito por Rochau, era um livro voltado para a política doméstica e não para a política internacional, e para a Alemanha do século XIX. O mundo no qual Rochau escreveu sobre Realpolitik era marcado pela colisão de ideias de liberdade, rápida industrialização, rivalidades entre superpotências e ondas de nacionalismo, em suma, era um mundo parecido com o que observamos na primeira metade do século XXI. O objetivo da Realpolitik, que surge na Alemanha do século XIX, era fornecer uma ferramenta que Estadistas poderiam usar para gerir e mediar as forças ideológicas, sociais, econômicas e internacionais, dentro da arte da política.


In the first instance, the creation of the concept of Realpolitik was an attempt to answer a domestic political conundrum: how to build a stable and liberal nation-state in a unsteady and rapidly changing environment, without recourse to violent convulsion or repression. Realpolitik held that it was the first act of statecraft to identify the contending social, economic, and ideological forces struggling for supremacy within the state. The second act of statecraft was to attempt to achieve some equilibrium and balance among these forces so that they would not hinder the development of the nation-state. To be successful, the statesman had to understand both the historical circumstances in which he operated and the conditions of modernity in an era of rapid economic, political, and intellectual development (BEW, 2016, p. 17-18).

A grande aspiração de liberais como o Rochau era uma Alemanha unida e com uma sociedade baseada no império da lei mas, após a união da Alemanha, não foi o constitucionalismo e um governo representativo que prevaleceu, mas sim Otto von Bismarck. Este último forjou o Império Alemão em 1871. Nesse mesmo período, outros países da Europa eram afetados por rebeliões e pela instabilidade de governos representativos.


Então, o termo Realpolitik se tornou sinônimo da política de Bismarck e de antissemitas como Heinrich von Treitschkle. No ano passado, durante a minha visita à Europa Central, eu tive a oportunidade de conhecer o que restou do prédio da Sinagoga Oranienburger Strasse. Esta última, fundada em 1866, foi a primeira sinagoga da Europa cuja fachada do prédio era visível das ruas da cidade. A sinagoga em questão foi construída dessa forma para representar uma comunidade de judeus berlinenses que era tão orgulhosa da sua identidade Judaica quanto da sua identidade alemã. Na época, a estrutura da sinagoga foi alvo de várias críticas, entre elas, o seguinte comentário “... a mais bela e mais esplêndida casa de orações da capital da Alemanha é uma sinagoga, então é difícil negar que os Judeus são mais poderosos na Alemanha do que em qualquer outro país da Europa Ocidental”, feito por Treitschkle, em 1879.


A Realpolitik nasce como uma forma de interpretar a política pragmática para obter valores iluministas e termina no fim do século XIX, como sinônimo de cinismo, traição ao espírito cristão de benevolência, pensamento à curto prazo, ações políticas incivilizadas e falta de respeito às leis e aos tratados internacionais.


Esta é uma das razões pelas quais alguns estudiosos de Relações Internacionais podem associar o termo Realpolitik ao nacionalismo ou mesmo ao antissemitismo, mas isso seria uma análise superficial de um complexo período histórico. Rochau acreditava que o antissemitismo repugnante, absurdo e delirante, tanto quanto o teórico conservador Oswald Spengler, também um membro da Realpolitik, argumento que as teorias antissemitas que circulavam entre membros do Partido Nazista alemão eram mesquinhas, superficiais, tacanhas e indignas (BEW, 2016, p 169-170).


Pode-se considerar que, até hoje, Rochau e Bismarck representam duas tendências opostas mas que coexistem entre estudiosos que adotam uma visão de mundo baseada na Realpolitik: a primeira, representada por Rochau, que adota uma interpretação pragmática da política sem perder de vista os valores iluministas e a segunda, representada por Bismarck, que adota uma interpretação tão cínica da política ao ponto que os valores iluministas não são mais uma referência.


Antes da Segunda Guerra Mundial e depois da mesma, os E.U.A receberam vários imigrantes intelectuais Alemães, entre eles: Hans Morgenthau (1904-1980), Henry Kissinger (1923-...) e Nicholas Spykman (1893-1943). Eles contribuiram para o estabelecimento da Realpolitik no mundo anglo-saxão, em especial, nos Estados Unidos. Agora não mais utilizando o termo "Realpolitik", mas sim "Realismo" ou "Realista". Um dos principais responsáveis pela popularização da visão realista, nos Estados Unidos, foi o Walter Lippman (1889-1974), editor da revista New Republic and uma voz influente nos debates sobre política externa Americana.


In this era, a small but influential portion of Americans began to articulate a new approach to international affairs. In arguing that the United States needed to engage with the rest of the world – in a more front-footed and assertive manner – there emerged what might be described as a new “realism” in American foreign policy debates, embodied by influential strategists such as Theodore Roosevelt and Captain Alfraid Thayer Mahan. Building on both, it was the journalist, Walter Lippman, who was the first to urge his countrymen to adopt “a little realpolitik” in their own foreign policy. Thus was born an American version of realpolitik (lower-case and de-italicized). From its inception, this was clearly distinct from that associated with Germany. At most basic level, what Lippman called realpolitik was in fact closer to what was later known as geopolitics. The Lippman version of realpolitik in fact owed more to traditional British than German ideas of strategy. It held that America had a broader interest in the stability of the international system and that the country must shape the world before the world imposed itself on America. It was, in essence, a form of robust internationalism, and it was to have along legacy over the course of the twentieth century (BEW, 2016, p. 108).

O Realismo, dentro do estudo das Relações Internacionais, é uma disposição filosófica que enfatiza as limitações impostas pela natureza humana e pela condição anárquica do sistema internacional, ao que a política pode alcançar. Esta natureza humana é egoísta, anseia pelo poder e é inclinada a falhar apesar de, em vários momentos, aspirar à justiça e a uma condição moral superior.


A natureza anárquica do sistema internacional, ou seja, a ausência de uma autoridade política hierárquica que promova a diferença entre civilização e barbárie, encoraja os aspectos negativos das limitações inerentes ao homem. A interação entre a anárquica do sistema internacional e a natureza humana tem como consequência uma realidade na qual a base da vida política é a busca por poder e pela segurança.


Independe da aspiração individual à ética, para os Realistas, o Estado - principal ator do sistema internacional, mas não único - tem que agir dentro de um universal moral mais restrito que o indivíduo (DONNELLY, 2000). Note, os Estados, mesmo as superpotências, possuem recursos limitados, então os Estados não podem basear a sua política externa apenas em aspirações morais (KAPLAN, 2001). Neste caso, o Estado é o principal ator, pois é a única comunidade política capaz de reunir e aplicar os recursos necessários para sobreviver em um sistema internacional que é anárquico (GODDARD & NEXON, 2016).


Dentro de uma ordem internacional existem leis internacionais (tratados) e instituições que são as ferramentas para a aplicação práticas desses conceitos, bem como oferecem fundamentos para a legitimidade dos arranjos dessa ordem internacional, contudo são percebidas pelos Realistas como um reflexo do equilíbrio de poder e não como limitações ao comportamento do Estado.


As leis internacionais só podem ser aplicadas (só é possível coagir um ator a cumprir a lei) através dos poderes do Estado, o que não é possível no sistema internacional, pois este último não possui autoridade hierárquica que centralize em si o poder de força independente dos Estados e seja capaz de coagir os Estados. Na interpretação Realista, as leis internacionais e as instituições não determinam a razão pela qual um Estado age da forma como age.


Os estudiosos que adotam o Realismo na análise de política internacional podem ser sub-divididos, didaticamente, em: Realistas clássicos e Realistas estruturais ou neo-realistas. O primeiro grupo enfatiza a relevância de uma natureza humana imutável, uma natureza que produz forças sociais, problemas políticos, e conflitos. O segundo grupo enfatiza a anarquia internacional, uma realidade que produz forças sociais, problemas políticos, e conflitos (DONNELLY, 2000).


In developing a theory of international politics, neorealism retains the main tenets of realpolitik, but means and ends are viewed differently, as are causes and effects... neorealism sees power as a possibly useful means, with states running risks if they have either too little or too much of it. Excessive weakness may invite an attack that greater strength would have dissuaded an adversary from launching. Excessive strength may prompt other states to increase their arms and pool their efforts against the dominant state. Because power is a possibly useful means, sensible statesmen try to have an appropriate amount of it. In crucial situations, however, the ultimate concern of states is not for power but for security (WALTZ, 1946, p. 616).

Dentro do neo-realismo (ou realismo estrutural), o sistema internacional é anárquico (sem uma autoridade central com o monopólio da força) e a compreensão de como o ambiente de segurança e insegurança internacional afetam o comportamento de Estados nos permite entender os arranjos de alianças, guerras e cooperações.


Neorealism contends that international politics can be understood only if the effects of structure are added to the unit-level explanations of traditional realism. By emphasizing how structures affect actions and outcomes, neorealism rejects the assumption that man's innate lust for power constitutes a sufficient cause of war in the absence of any other. It reconceives the causal link between interacting units and international outcomes (...). Causes at the level of units interact with those at the level of structure, and, because they do so, explanation at the unit level alone is bound to be misleading. If an approach allows the consideration of both the unit-level and structural-level causes, then it can cope with both the changes and the continuities that occur in a system (WALTZ, 1946, p. 617).

O crescimento econômico de um Estado ou aspirações militares do mesmo para implementar o seu "destino manifesto" é uma causa de nível unidade-Estado que possui consequências estruturais em termos de "dilema de segurança". Este último deriva do fato de que, no sistema internacional anárquico, o aparente aumento de poder de um país pode vir a aumentar a preocupação dos outros que o cercam, o que pode ou não levar a uma guerra entre as unidades Estatais que compõem o sistema internacional. A guerra, dentro da perspectiva neo-realista, é um fenômeno normal devido à estrutura do ambiente no qual a interação entre Estados acontece.


The uneasy state of affairs is exacerbated by the familiar "security dilemma", wherein measures that enhance one state's security typically diminish that of others (...). Hence a state that is amassing instruments of war, even for its own defensive, is cast by others as a threat requiring response (...). Similarly an alliance that in the interest of defense moves to increase cohesion among its members and add its ranks inadvertently imperils an opposing alliance and provokes countermeasures. Some states my hunger for power for power's sake. Neorealist theory, however, shows that it is not necessary to assume an innate lust for power in order to account for the sometimes fierce competition that marks the international arena. In an anarchic domain, a state of war exists if all parties lust for power. But so too will a state of war exist if all states seek only to ensure their own safety (...). The recurrence of war is explained by the structure of the international system. Theorists explain what historians know: War is normal. Any given war is explained not by looking at the structure of the international-political system but by looking at the particularities within it: the situations, the characters, and the interaction of states. Although particular explanations are found at unit level, general explanations are also needed (WALTZ, 1946, p. 619).

Ao contrário do que pessoas que adotam uma interpretação Realista dos fatos da política internacional gostariam de pensar, a escola de pensamento Realista das Relações Internacionais não é uma longa corrente histórica que se estende de Tucídides até o General James Mattis. Na verdade, esta é uma escola de pensamento que tem suas casas e lições retiradas das históricas e políticas do mundo anglo-saxão e da Alemanha, em especial, entre os séculos XIX e XX. O livro “Realpolitik: A History”, escrito por John Bew, é extremamente envolvente e uma verdadeira aula sobre as falhas e vitórias das principais mentes do século XX no estudo das Relações Internacionais.

BIBLIOGRAFIA

KAPLAN, Robert D. The Coming Anarchy. 1 Ed. New York: Vintage Books, 2001.\

BEW, John. Realpolitik: A History. 1 Ed. New York; Oxford University Press, 2016.

BEW, John. The Real Origins of Realpolitik.

Revista The National Interest. 1 de março de 2014. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/44153278?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em 29 de maio de 2018.

WALTZ, Kenneth. The Origins of War in Neorealist Theory. Journal of Interdisciplinary History. The MIT Press, Vol 14, No 4, pp. 615-628.

GODDARD, Stancie E. & NEXON, Daniel H. The Dynamics of Global Power Politics: a Framework for Analysis. Journal of Global Security Studies. 1(1), 2016, 4-18.

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