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DISTOP(IA) ARTÍSTICA



Em algum momento durante as últimas semanas, estava torrando meu precioso tempo de vida em meu Twitter, como a boa etiqueta do século XXI manda, quando me deparei com um tweet que representou muito bem um incômodo que venho tendo ultimamente:


Tweet por @KarlreMarks

(Fonte: Twitter)


“Humanos fazendo os trabalhos difíceis por um salário mínimo enquanto os robôs escrevem poesia e pintam não é o futuro que eu queria.”


Nem eu. A única parte que eu corrigiria é que, provavelmente, os robôs também vão ser utilizados nesses trabalhos difíceis, já que eles não demandam aumentos de salários e direitos trabalhistas – ainda não, isso é.


Como você já deve saber, os “robôs” aqui são as modernas inteligências artificiais generativas (IAs) que, entre outras muitas coisas, estão sendo empregadas para pintar, desenhar, compor, etc. O primeiro contato de muita gente com essa brincadeira começou em 2022, com a descoberta pela internet do DALL-E 2, uma IA que gera imagens a partir das prompts que você oferece a ela, a qual todos usamos para rir das imagens geradas a partir de sugestões como “Gaddafi como personagem do Mario Kart” – apesar de que talvez esse tipo de coisa seja algo específico de estudantes de RI. Entretanto, do ano passado – aquele tempo longínquo – para agora, muitas outras IAs semelhantes têm aparecido e vêm sendo utilizadas não só para criar imagens e desenhos, mas também livros, vídeos e músicas. Criou-se uma verdadeira comunidade de “artistas” de IA, que defendem com unhas e dentes o uso desse mecanismo como legítima forma de criar arte.


É aqui que entra meu incômodo. Não querendo estragar a diversão de ninguém – querendo um pouco sim, na verdade –, mas não acredito que devemos, como sociedade, verdadeiramente considerar a utilização de IAs na parte criativa da produção artística.


Também não acho que devemos retomar o ludismo e destruir com paus e pedras os computadores que rodam esses softwares, até porque é impossível retornar à inexistência das IAs: essa caixa de Pandora já foi aberta, e um processo de destruição criativa já foi desencadeado. Lutar contra a implementação das IAs no nosso cotidiano é, agora, análogo a lutar contra moinhos. Um dos argumentos nesse sentido que já encontrei foi que aqueles que se opõem a esse movimento são como pessoas dos anos 1980 que tinham medo de serem substituídas pela introdução de computadores pessoais ou que desacreditavam no potencial dessas máquinas. Todavia, agora, 40 anos depois, ninguém vive sem seus PCs e estes aumentaram a produtividade de vários setores da economia, abrindo, inclusive, oportunidades produtivas que antes não eram nem perto de possíveis.


É fato que, sempre que novas tecnologias disruptivas surgem – sejam carros, PCs ou IAs –, muitas pessoas protestam, mas acabam permitindo que avancemos econômica, científica e socialmente. Certamente, ninguém sério tem críticas reais acerca de permitir que programas de inteligência artificial aumentem a eficiência de serviços importantes como, por exemplo, operações médicas e coisas assim. Acredito que seja nesse tipo de função que a IA representa um potencial de melhorar muito nossa vida em sociedade, otimizando custos, facilitando processos e impedindo erros humanos.


No entanto, também acredito que nossa sociedade atual tem um pequeno grande problema de querer melhorar a eficiência de literalmente tudo da maneira mais desenfreada possível, sem consideração alguma pelos impactos sociais e ambientais desse processo nem um bom propósito. Claro, há um propósito, que é o de aumentar lucros das empresas por meio de corte de gastos – os gastos sendo o salário dos funcionários, no caso –, mas não sei se o classificaria como bom.


A conclusão na qual quero chegar aqui é que nem tudo na vida precisa ou deve ser otimizado e automatizado. Esse é o caso da arte em suas mais diversas formas – pintura, escrita, música, cinema, teatro, etc. – e em seus âmbitos econômico e filosófico.


Digo econômico porque, querendo ou não, a arte é também um mercado, como quase todas as esferas da nossa vida. Aqui, é onde faria mais sentido a aplicação de IAs para ajudar artistas a agilizarem processos, retificar imperfeições e, no geral, ajudar a melhor produzir e apresentar obras. Não há nada de errado em uma IA que ajuda um artista digital, por exemplo, a recortar imagens mais rapidamente.


Contudo, é ingênuo acreditar que, conforme avançam em complexidade, IAs não serão usadas para ocupar postos criativos em produções artísticas – como o de roteirista em um filme, por exemplo. E isso não é um medo reacionário no estilo “imigrantes estão vindo tomar nossos empregos”, mas sou cético sobre os benefícios de dotar máquinas do poder de controlar a produção – e, consequentemente, o consumo – do que seria, normalmente, uma válvula de escape mental de sentimentos humanos que são sufocados no dia a dia.


É aí que entra o âmbito filosófico, que envolve perguntas como: o que é arte? E por que a criamos?


É claro que definir arte e o porquê de ela ser feita e consumida é algo difícil e que varia de pessoa para pessoa e de meio artístico para meio artístico. Porém, visto que nesse espaço eu sou livre para ditar as regras, comecemos pela definição do dicionário – perdão pela caretice. Dito isso, dois verbetes me saltam aos olhos:


Entrada da palavra “arte” no dicionário

(Fonte: Dicionário Michaelis Online)


Há um ênfase na expressão da subjetividade e emoção humanas que acredito ser o que faz de uma obra, arte. Qualquer produção artística carrega uma carga única de experiências, perspectivas, dores, alegrias e pensamentos de quem a criou, conferindo a essas criações significados além de tinta em um quadro ou notas em uma música. Primeiro com o artista, claro, mas depois também para quem consome a arte, quem liga suas próprias vivências a ela e estabelece uma conversa muda, única do momento em que descobrimos que nós e nossos sentimentos podem ser encontrados fora de nossa existência individual.


Isso não existe na arte de IA. Ela simplesmente retira ideias e tendências da arte humana que fazem parte da sua database e as reproduz em uma conjunção digna de um monstro de Frankenstein. Não que as IAs não sejam capazes de produzir bons desenhos ou textos – esse último eu duvido bastante, na verdade – ou que não possam melhorar no futuro, até porque vão, já que esse é literalmente uma das suas características, além de que o investimento nessa tecnologia cresce a passos largos a cada dia. Mesmo assim, essas obras de IA não têm alma nem essência, são produtos da assimilação de um camaleão que só combina e recombina sentimentos humanos para produzir algo que não chega nem perto de ter o mesmo efeito que as obras individuais que compuseram a database tiveram.


Conversa com ChatGPT errando / Imagem tenebrosa feita por IA

(Fonte: Conversa do autor com o ChatGPT / Fonte: Reddit)


Enquanto hoje em dia podemos rir dos erros do ChatGPT – pergunte a ele quantas vezes a letra “n” aparece na palavra mayonnaise – e das mãos tenebrosas produzidas pelos desenhos de programas como o Midjourney, é fato que olhamos para um futuro no qual essas tecnologias são amplamente usadas na produção de livros, músicas, pinturas, filmes etc. Caminhamos para um mundo de arte insossa e desalmada, no qual pessoas sufocadas por seus próprios sentimentos não poderão encontrá-los refletidos nas músicas que escutam, nas séries que assistem. No qual a criatividade foi otimizada e transformada em mais um produto de fácil e rápido consumo, do qual a maioria de nós não sabe de onde vem ou como é feito, e nem nos importamos em saber.


Talvez seja paranoia. Mas, nesse rumo, o futuro da arte realmente será uma distopia.



Autoria: Pedro Augusto Castellani Rolim

Revisão: Anna Cecília Serrano e Laura Freitas

Imagem de capa: Robot, een zelfportret schilderend (Johan Scherft, 2020)/ Reprodução:


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Referências/Fontes:

SHARRO, Karl. Humans doing the hard jobs on minimum wage while the robots write poetry and paint is not the future I wanted. 15 de maio de 2023. Twitter: @KarlreMarks. Disponível em: https://twitter.com/KarlreMarks/status/1658028017921261569. Acesso em: 31 de maio de 2023.

u/tonsofsoul. I just got fired. r/dankmemes. 1 de novembro de 2022. Disponível em: https://www.reddit.com/r/dankmemes/comments/yjmcpn/i_just_got_fired/. Acesso em: 31 de maio de 2023.

LAFRANCE, Adrienne. When People Feared Computers. The Atlantic. Washington, D.C. 30 de março de 2015. Disponível em: https://www.theatlantic.com/technology/archive/2015/03/when-people-feared-computers/388919/. Acesso em: 31 de maio de 2023.

Arte. Michaelis On-line. Editora Melhoramentos, 2023. Uol. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/arte/. Acesso em: 31 de maio de 2023.

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