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E COMO VAI A ECONOMIA? ENTREVISTA COM MARCOS FERNANDES

Questões econômicas são centrais para a vida de toda a sociedade. Em um mundo globalizado, até mesmo as decisões de países separados por um oceano influenciam diretamente o nosso dia a dia. Por isso, a economia ocupa os holofotes de diversos segmentos: jornalismo, política, direito, entre outros.


Em um momento delicado, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, dificuldades na cadeia global de produção e altas no câmbio, na inflação e na taxa de juros, o receio de novos tempos de crise tem se expandido no debate público. 


Diante desse cenário, a Gazeta Vargas convida Marcos Fernandes, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas, para uma conversa sobre o futuro da economia brasileira e mundial: 


Desde que Donald Trump retornou à Presidência dos Estados Unidos, uma série de medidas econômicas adotadas pela Casa Branca tem gerado preocupação na comunidade internacional. Entre elas, destaca-se especialmente a imposição de tarifas de importação contra diversos países. Em resposta, o Brasil aprovou a Lei da Reciprocidade, que autoriza o país a retaliar nações ou blocos que imponham barreiras tarifárias contra o país. O presidente Lula também declarou que o Brasil recorreria à Organização Mundial do Comércio (OMC) para reverter o quadro. Na sua avaliação, quais são os possíveis impactos que as tarifas podem ter na economia brasileira e na ordem econômica internacional?


Primeiro, com relação às tarifas, não seria um problema tão grande impô-las. O Brasil é um país relativamente fechado. A economia brasileira é fechada. Então, a gente já impõe tarifas médias até maiores do que 10%. Mas não é essa a questão. 


O problema é a forma como o governo americano tem atuado e a ideologia que está por trás de um acordo que temos chamado de "Acordo de Mar-a-Lago". Mar-a-Lago é onde fica a casa do Trump, nos Estados Unidos. Foi feita uma reunião lá, onde se fechou um consenso segundo o qual os Estados Unidos foram prejudicados pela globalização, o que é uma mentira. 


A participação da economia americana aumentou no período da globalização, aumentou a produtividade e o PIB per capita dos Estados Unidos. O estado mais pobre, o Mississippi, tem PIB per capita maior do que o da Inglaterra. E essa ideia de que é possível reindustrializar o país com essas políticas é inconsistente. Analisando do ponto de vista do impacto na economia global, a estratégia do Trump é equivocada, inclusive para defender os interesses dos próprios Estados Unidos.


A estratégia dele tem duas dimensões: ele adota a "estratégia do louco", semelhante à de Nixon na Guerra Fria, nos anos 70. É a ideia de passar a imagem de alguém capaz de tomar decisões extremamente radicais, fazendo os seus adversários ficarem só esperando. Até uma hora em que os adversários percebem que você é só um “papudo”, por assim dizer; que você não vai tomar essa decisão tão radical.


Tem um problema da “Estratégia do Louco”, que é quando isso gera muita incerteza nos adversários. Na época da Guerra Fria, isso era perigoso, porque você criava uma situação de equilíbrio de “fio da navalha”, na qual o seu adversário –  no caso, a URSS –  podia, da noite para o dia, acreditar que você estava falando a verdade. Então, isso é muito complicado. 


Por outro lado, o Trump adotou com a China em particular uma estratégia chamada “Chicken”, do "jogo da galinha", que é uma estratégia em que se aposta tudo na ideia de que é outro que vai desviar a sua trajetória e mudar sua decisão – no caso, a China – e pedir para negociar a tarifa. Só que a China não fez isso. A China continuou acelerando para entrar em conflito com os Estados Unidos. 


Então, Trump perdeu dos dois pontos de vista: perdeu na estratégia do louco e deu para trás na disputa com a China. Posto isso, quais são as consequências do que está acontecendo para a economia global? O dólar é a moeda de circulação internacional desde um pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, com o acordo de Bretton Woods, em 1944. Esse acordo foi firmado criando uma nova arquitetura do sistema financeiro internacional, que estava vigorando até agora e que o Trump começa a destruir. 


Nessa arquitetura, o dólar é a moeda utilizada internacionalmente para transações e reservas de valor, preferencialmente. Chamamos isso de “senhoriagem internacional”: o dólar é a única moeda, de fato, que tem “senhoriagem internacional”; o euro, um pouquinho, e por assim vai. Isso está ligado também à confiabilidade que as pessoas físicas e jurídicas têm com o valor do dólar e com relação à solvência da dívida pública americana, os treasury bonds.


Acontece que, quando o presidente dos EUA começa a atacar o presidente do Federal Reserve porque ele adota uma ideia semelhante a do Bolsonaro, ele escolhe um bode expiatório para o seu fracasso. A estratégia de Trump é mirar a Justiça em geral e o Banco Central americano. Porém, isso gera uma crise de credibilidade e, talvez, essa crise seja irreversível. “Por quê?” Porque agora as pessoas pensam duas vezes se podem contar com o valor do dólar e com a solvência da dívida americana.


E, mais do que isso, porque o Trump pode ir embora, mas o trumpismo está vivo. Esse é o problema. O trumpismo como ideologia que envolve uma mistura de localismo com imperialismo – a ideia de que você tem que sair do cenário internacional, mas, ao mesmo tempo, interferir no seu quintal do ponto de vista geopolítico. Uma visão um tanto quanto contraditória, semelhante à como os impérios se organizavam no século XIX. Isso gera uma crise de credibilidade ao próprio valor da moeda americana e a própria liquidez dos títulos da dívida pública dos Estados Unidos. 


Estamos, portanto, vivendo uma crise dessa guerra tarifária que não tem a ver só com esses outros custos que sabemos que existem: que quem paga tarifa é o consumidor doméstico e que isso desorganiza a cadeia global de suprimentos, uma vez que os Estados Unidos representam 26% da economia global. Mas, fora isso que todos estão discutindo e é meio óbvio, tem uma consequência que não é tão clara à primeira vista e não estaria tão ligada a tarifas que é essa perda de credibilidade no que se refere à política monetária americana. Isso aumenta o risco global do mercado financeiro internacional.


Então, qual é o medo que as pessoas sérias têm? O medo é que tenhamos uma crise financeira de novo, como tivemos em 2008. E aí, Trump vai escolher um bode expiatório e dizer que não tem nada a ver com isso, dizer que a culpa é do Banco Central dos Estados Unidos. Essa é a principal consequência da política de tarifas: tirar a própria credibilidade de 60 ou 70 anos que se tem em relação ao dólar e os títulos da dívida pública americana. 


Em entrevista concedida em abril, o secretário do Orçamento Federal, Clayton Montes, previu 2027 como um ano “desafiador” com riscos de paralisação da máquina pública. Isso porque o espaço para despesas discricionárias estaria com um espaço ainda mais reduzido no Orçamento da União frente às despesas obrigatórias. Em um cenário que isso se concretize, quais seriam os efeitos para a população brasileira? Quais medidas os Três Poderes podem adotar, desde já, para evitar que 2027 seja esse “ano desafiador”?


O ideal seria começar agora, mas estamos caminhando para o ano eleitoral. Infelizmente, o governo Lula não tomou essa decisão logo no início, quando deveria ter tomado. Tomou atitudes certas e corretas, por exemplo, a Reforma Tributária dos Impostos Indiretos e a proposta de Reforma Tributária do Imposto de Renda.

 

Pessoalmente, não sou favorável à isenção dos R$5 mil, mas compreendo o cálculo político disso. Sou a favor de manter essa tributação e aumentar a tributação dos mais ricos. Mas o fato é que pode-se dizer que o governo até tem razão, porque não está aumentando a carga tributária do imposto de renda, já que reduz entre R$5 mil e R$7 mil e aumenta entre os mais ricos.


Mas, no geral, o ministro Fernando Haddad acertou 100% nas propostas de Reforma Tributária, tentando aumentar a progressividade do imposto de renda no Brasil. Em geral, o imposto de renda no Brasil é regressivo ou neutro. A reforma dos impostos indiretos também teve importantes alterações que deixam a estrutura menos regressiva e bem mais eficiente do ponto de vista econômico. 


No entanto, do ponto de vista do gasto, o governo não teve coragem de mexer com algo muito importante – que nem Paulo Guedes conseguiu: desvincular a previdência e os gastos obrigatórios do salário mínimo ou manter tais políticas e o salário mínimo apenas ser corrigido pela inflação, uma vez que a produtividade da economia brasileira não tem aumentado. 


Se aumentarmos o salário mínimo sistematicamente não só pela inflação, isso vai pressionando os gastos obrigatórios do governo. Há uma irracionalidade. Têm formas mais eficientes de distribuir renda. Essa política não atinge o mercado informal, atinge parcialmente, enquanto boa parte do mercado de trabalho é informal, daqueles chamados de “empreendedores” e “empreendedoras”. 


Então, não é uma política muito interessante e temos que desativar esses gatilhos. É importante que o salário mínimo seja reajustado por fatores além da inflação sim, mas temos que desindexar os gastos obrigatórios em relação ao salário mínimo ou mantemos indexado, mas o salário mínimo sendo reajustado apenas pela inflação, sem ser reajustado por valores acima da inflação.


A vida é dura. Mesmo que eu tributasse todos os milionários do Brasil, o problema persiste, porque não seria agora, mas mais para frente, haveria um déficit público insustentável e a soma dos déficits ao longo do tempo resultam em uma dívida pública insustentável. 


Esse é um problema que temos que ter coragem de enfrentar, mas não para aí. Para discutir ajuste fiscal, não basta fazer ajuste fiscal em cima dos mais pobres. Na verdade, tem-se que discutir o fim da isenção tributária para grupos empresariais, que somam mais de R$400 bilhões por ano. O problema fiscal brasileiro não é um problema do Lula ou do Haddad, é um problema do Brasil, do Congresso brasileiro também. 


Afinal, vivemos um presidencialismo que nem mais é de coalização, é um presidencialismo de cooptação. É quase um parlamentarismo: o Executivo só fica com o ônus de política pública e o Legislativo só com os bônus, sem ter ônus nenhum de decisões que toma, como orçamento secreto, por exemplo. 


Por isso é importante e o Fernando Haddad tem feito isso: colocar para a sociedade que o problema não é somente do governo, é do Congresso e também da sociedade brasileira que vive pendurada, parte dela, em isenções tributárias que vão, em última instância, para grupos empresariais.


Temos esse problema porque, em 2027, teríamos que fazer ajustes fiscais dramáticos, já que não vai ter dinheiro nem para a Previdência, Educação e Saúde. Não é que iremos espremer despesa discricionária, essa irá sumir. Não terá dinheiro para investimento. É uma questão séria, o ideal seria que lidassemos com esse problema hoje ou o mais rápido possível. Em 2027, corremos o risco de não pagar aquilo que é obrigatório. É como se fosse um calote. 


Uma pesquisa Datafolha, divulgada em abril, revelou que 58% dos brasileiros passaram a comprar menos alimentos do que costumavam devido à inflação. Entre os mais pobres, esse percentual sobe para 67%. O preço dos alimentos é uma das questões econômicas que mais afligem a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica e tem acendido um alerta no governo federal, especialmente, frente à queda de popularidade registrada nas pesquisas recentes, a apenas um ano das eleições. Diante disso, quais são as causas do aumento dos preços dos alimentos? É possível que o governo federal reverta esse cenário a tempo das eleições de 2026?


A desaceleração da economia global, como consequência do que o Trump fez, vai criar problemas e benefícios para nós: queda dos preços de commodities. Então, já se prevê uma desaceleração e uma queda da taxa de juros básica no final deste ano. A verdade é que o quadro está melhorando.


A inflação de alimentos tem várias causas – e não é culpa do governo Lula. Em parte, podemos dizer que alguns erros no final do passado com anúncios atabalhoados e uma incapacidade de comunicação inacreditável deram um boost para a desvalorização cambial e isso também ajudou a pressionar um pouco a  inflação de alimentos, já que boa parte dos alimentos tem os seus preços cotados em dólar. 


Na verdade, é um problema internacional. Há um problema de safra de milho, que não é só comido como milho, mas também entra em toda a cadeia produtiva da agroindústria, da indústria alimentar e da proteína animal. Basicamente, para termos um exemplo bem prático para as nossas leitoras e os nossos leitores, nosso problema foi um problema mundial relacionado às quebras de safra e de preços no mercado internacional. Isso tende a se estabilizar. 


Na última semana, o Banco Central prosseguiu com o ciclo de aumentos da taxa de juros, aproximando ainda mais a Selic dos 15%. Quais são as causas dessa elevação da taxa de juros nos últimos meses? E, ainda em relação ao Banco Central: no ano passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou em entrevista ao Valor Econômico que o governo federal tenha discutido mudar a meta de inflação numa tentativa de aliviar a alta da taxa de juros. Como o senhor avalia hoje a meta de inflação brasileira? O Conselho Monetário Nacional (CMN) acertou em manter tal meta?


A perspectiva a médio prazo é de queda da Selic no final do ano em razão de uma possível desaceleração e de um melhor comportamento dos preços, em geral. Ainda não estaremos no centro da meta, mas sim raspando o seu teto superior. 


A discussão de mudar a meta é meritória, é uma boa discussão até mesmo para algumas pessoas da Faria Lima. Só que para fazer essa discussão, é necessário ter muita credibilidade na sua política fiscal, o que não temos hoje no governo brasileiro. Um problema que não é só do governo, mas também do Legislativo – embora quem pague a conta sempre seja o Executivo. 


Diante disso, apenas dá para discutir a mudança da meta, caso se tenha uma trajetória de déficit público e dívida pública para a estabilidade e queda. Nisso, geraria credibilidade sobre a mudança da meta. 


Se discutirmos hoje a mudança da meta, parecerá que o ministro da Fazenda estaria influenciando o Banco Central e o Comitê de Política Monetária para mudar a meta e atender a desejos do Executivo. Isso feriria a credibilidade do Banco Central. Para que houvesse a mudança do centro da meta, precisaria de ajuste fiscal: sinalizar aos agentes que a dívida é sustentável. Sustentar que conseguirei pagar gastos obrigatórios, sustentar que sobrará dinheiro para investimentos. 


O ministro Fernando Haddad sabe de tudo isso. Infelizmente, há pessoas no governo que não querem ver a realidade. Infelizmente, tem pessoas de fora do governo que sabem disso, mas fazem de conta que não sabem e jogam a culpa no governo. Infelizmente, tem pessoas no setor privado que sabem das isenções tributárias, mas as pessoas ficam quietas porque sabem que elas vão perder alguma coisa. 


Então, temos um problema de economia política: precisamos resolver nosso problema distributivo. Nada melhor que a transparência, o que Fernando Haddad tem tentado trazer. Acredito que precisamos fazer isso ainda mais, deixando tudo transparente para a sociedade. 


Autoria: Erick Martins Rosario

Revisão: Giovana Rodrigues e André Rhinow

Imagem da capa: Nicolas Floriano


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