
O governo Bolsonaro é o governo da "anti-empatia". Sua bandeira é o desrespeito pelos demais seres humanos, a hostilidade em relação a grupos minoritários e vulneráveis e o descaso pelas instituições democráticas, por igualizarem moralmente as pessoas.
Em nenhum momento deixou dúvida sobre sua aversão ao outro, mesmo em face da pandemia da Covid-19, não se deixou comover pela dor e pelo sofrimento de seus compatriotas. No momento em que esse texto foi escrito, o Brasil acumulava 549 mil mortes, número que já terá crescido quando o texto chegar às mãos do leitor. Quando o contador de mortes atingiu 5 mil, a resposta do presidente foi “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.” Quando atingimos 163 mil mortos, Bolsonaro respondeu expressando que lamentava os mortos, mas que “todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”.
A verdade é que, a cada duas semanas, Bolsonaro diz algo que até pouco tempo atrás seria considerado inaceitável. Ele se notabilizou por fazer argumentos socialmente inaceitáveis durante sua longa carreira como deputado, e os continuou fazendo durante o período eleitoral. Apesar disso, há a possibilidade de que termine seu mandato impune, independentemente de uma segunda vitória em 2022.
Entretanto, Bolsonaro nunca moderou seu comportamento. Ele trouxe para a presidência o mesmo discurso que já carregava em seus anos como deputado. Isso significa que, mesmo que seu nível de aprovação tenha despencado no último ano, seu comportamento nunca foi realmente considerado inaceitável por uma larga parcela da população brasileira, mais precisamente pelos 57% dos brasileiros que o elegeram em 2018. Ou, pelo menos, não foi suficientemente inaceitável.
Mas o que determina se um comportamento social é moralmente aceitável ou não? Certamente há muitas formas de responder a essa pergunta, mas não seria incorreto afirmar que o conjunto de valores – éticos, morais, políticos e legais – predominantes em uma sociedade está fortemente ligado às respostas emocionais de um determinado grupo, tendo em vista que nossas emoções participam da formação dos nossos julgamentos morais coletivos. Nossas instituições, criadas a partir de decisões legislativas, não são mais do que uma racionalização de certas emoções e valores coletivos, especialmente no que se refere ao reconhecimento do outro como sujeito de direitos. Emoções sociais e coletivas refletem diferenças culturais; por consequência, os julgamentos morais de um determinado grupo tendem a ser diferentes dos de outro grupo em lugar ou tempo distinto. Mais do que isso, em grupos complexos, não necessariamente se estabiliza uma única moralidade. Dessa forma, as escolhas legislativas nem sempre correspondem às emoções morais prevalentes, mas geralmente são um reflexo da moralidade geral do grupo dominante ou, no melhor dos casos, buscam fixar como marcos legais as escolhas morais consideradas as mais apropriadas pela maioria.
Empatia, como tantas outras emoções sociais, é uma prática cultural. Para a historiadora norte-americana Lynn Hunt, é a emoção basilar da invenção dos direitos humanos. É a capacidade de ver o outro, diferente de si, como um sujeito digno do mesmo respeito, assim como a capacidade de compreender que o outro pode estar sujeito a sofrimentos ou necessidades distintas, mas igualmente relevantes. A evolução cultural da empatia é um dos muitos motores responsáveis pela concessão de novos direitos a novos grupos, e por isso a possibilidade de ampliar o arcabouço de direitos se mantém sempre aberta, afinal a questão de quem tem direitos e quais são esses direitos continuará em constante evolução.
A história demonstra que esse tipo de mudança é geralmente progressiva. Uma sociedade tende a evoluir de forma a conceder cada vez mais direitos a mais grupos e se tornar cada vez mais intolerante a atos de violência ou outras formas de hostilidade, como propõe Steven Pinker. Em suma, o movimento secular da humanidade parece ser o de aumentar cada vez mais a noção de direitos. Mas há revezes. Dois anos e meio de populismo autoritário levam ao questionamento do que acontece quando personalidades incapazes de empatia, como Bolsonaro, são elevados à posição de líderes políticos de uma nação.
Se os direitos humanos nascem de um avanço coletivo da empatia, o governo Bolsonaro é sua antítese mais absoluta. Sua bandeira é o desrespeito às minorias e a crueldade contra tudo e todos que são diferentes dele. Mas o que isso diz a respeito das emoções socialmente predominantes no Brasil? Bolsonaro é uma força anti-majoritária ou um reflexo de algo que está presente em uma boa parcela da população brasileira? Se chegarmos à eleição de 2022, o Brasil terá uma nova oportunidade de se demonstrar melhor do que o presidente que escolheu em 2018.
Autoria: Luiza Castelo
Revisão: Bruna Ballestero e Júlia Rodrigues
Imagem de capa: Reuters/Reprodução: BBC
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