Eu amo glitter. Sério, quem diria que partículas multicoloridas de microplásticos poderiam ser tão fascinantes. Acredito que, nós, seres humanos, somos quase que automaticamente atraídos por coisas brilhantes. Desde crianças decorando cartões de natal a jovens adultos se preparando para o bloquinho de carnaval, todos são fascinados por glitter. Pesquisadores da Society for Consumer Psychology realizaram um estudo que comprovou que tal fascinação por superfícies brilhantes está atrelada a um instinto quase que primitivo relacionado à busca por fontes de água fresca. Tá explicado então o apelo do glitter.
O início do mistério
Mas o que é, de fato, o glitter? Foi exatamente isso que Caity Weaver, uma jornalista do New York Times, se perguntou em 2018, o que resultou em uma grande matéria investigativa a respeito dos pequenos pigmentos brilhantes. Na teoria, a resposta para essa pergunta é relativamente simples: glitter é alumínio metalizado de películas de tereftalato de polietileno. No entanto, para aqueles que, como eu, não possuem grande afinidade com química, essa resposta é altamente insatisfatória. Se tentarmos traduzir esses termos hiper-complicados, a resposta é, por incrível que pareça, ainda pior: glitter é, simplesmente, feito de glitter. Grandes partículas de glitter viram pequenas partículas de glitter, que, por sua vez, ficam eternamente em todos os lugares. Eternamente mesmo, já que o tempo de decomposição dessas micropartículas ultrapassa um milênio.
Segundo a matéria, o glitter foi criado em meados dos anos 30, quando um imigrante alemão inventou uma máquina de corte de alta precisão capaz de fragmentar materiais em partículas minúsculas. Atualmente, a maior parte da produção mundial de glitter está concentrada em duas fábricas, ambas localizadas em New Jersey. Uma das empresas é a responsável pela própria invenção do glitter, mas, quando contatados por Caity, se recusaram a responder qualquer pergunta alegando serem informações privadas, meio bizarro não? Já a segunda, a Glitterex, aceitou, mesmo que de maneira muito relutante, a fornecer uma entrevista, mas não queria que Caity fosse visitar a fábrica pessoalmente.
“As pessoas não têm ideia do conhecimento científico necessário para produzir glitter. A tecnologia de fabricação de glitter da Glitterex é uma das mais avançadas do mundo e as pessoas não acreditam como é complicado. [A Glitterex] não me permitiria ver glitter sendo feito, não me permitiria ouvir o glitter sendo feito, (...) mesmo os clientes da Glitterex não têm permissão para ver seus glitters sendo feitos, e [a Glitterex] não revelaria as identidades dos clientes” - Tradução livre de um trecho do artigo “What is Glitter?”, de Caity Weaver, publicado pela New York Times
Até aqui você deve estar achando tudo isso meio suspeito, porque é mesmo. Entretanto, para nossa sorte, Caity conseguiu convencer a fábrica de levá-la por um tour guiado. Nessa parte da matéria, a jornalista explora de maneira super detalhada todo o processo de fabricação do glitter, que basicamente consiste na evaporação do alumínio e em seu depósito sobre os dois lados de uma placa de filme. Para aqueles interessados em todos esses detalhes técnicos, acessem o artigo original cujo link está no final deste texto. Entretanto, é um pouco mais pro fim do artigo que as coisas ficam de fato interessantes. Quando Caity pergunta para a guia se ela pode revelar qual é a principal indústria consumidora do glitter produzido pela Glitterex, a guia simplesmente responde com um “Absolutamente não”.
[Caity] Ah, mas você sabe o que é?
[Guia] Sim. E você provavelmente nunca adivinharia. Vamos deixar por isso mesmo.
[Caity] E porque você não pode me contar?
[Guia] Porque eles não querem que ninguém saiba que isso é glitter.
Glitter e suas brilhantes teorias da conspiração
Eles, quem? Isso, o que?
Acredito que é nisso que você deve estar pensando. Foi nisso que todos os milhares de leitores que acessaram o artigo de Caity pensaram. Não demorou muito para que a internet ficasse lotada de teorias que buscavam responder essas duas perguntas. Durante anos, muita gente começou a criar teorias pra lá de malucas a respeito desses estranhos microplásticos multicoloridos. Tinta de barco, pasta de dentes, explosivos, discos voadores, chocolate, notas de dinheiro, combustível para foguetes, areia artificial… Todos esses produtos já foram acusados por internautas um tanto quanto criativos de serem feitos a partir do glitter. Obviamente, nada nunca foi confirmado e tudo isso não passava de teorias conspiratórias, algo que vamos combinar que não falta na internet. Mas tudo mudou há 4 meses atrás.
Em junho de 2023, o youtuber CHUPPL, juntamente com o renomado jornalista Parjanya Christian Holtz, que já trabalhou com o New York Times e com o Washington Post e chegou até a ganhar um Emmy, decidiram que já era hora de investigar essa história. É possível acompanhar toda a investigação através do vídeo intitulado “The End of the Glitter Conspiracy”, que atualmente conta com mais de um milhão de visualizações.
No início das investigações, tanto o youtuber quanto o jornalista não obtiveram muito sucesso. Todas as pessoas com quem eles tentaram entrar em contato não respondiam, e se respondiam era apenas para informar que não contribuiriam com a matéria. Até que eles decidiram, diferentemente de Caity Weaver, focar na empresa que inventou o glitter, que até então não tinha seu nome divulgado, ao invés de buscar mais informações a respeito da já conhecida Glitterex. Eles descobriram que essa tal empresa misteriosa se tratava da Meadowbrook Inventions, especializada em corte de precisão de diferentes materiais, como filme, alumínio e papel. Ao pesquisar um pouco a respeito dessa companhia, eles rapidamente chegaram ao seu fundador, e também o inventor do glitter, Henry F. Ruschmann. Quando os investigadores descobriram essa informação, fizeram o que qualquer pessoa faria: jogaram o nome dele no Google. E é bem aí que as coisas explodem – literalmente, pois o cara era, ninguém mais ninguém menos, que um dos colaboradores do Projeto Manhattan.
Mistério revelado
O Projeto Manhattan foi uma iniciativa militar e científica financiada pelos Estados Unidos no início dos anos 40 que resultou na invenção da primeira bomba atômica. Não vou entrar nos méritos científicos nem nas consequências humanitárias causadas por essa invenção, pois isso dá um outro texto inteiro. Fato é que Henry F. Ruschmann, o inventor do glitter, fez parte de tudo isso. Para tirar a limpo essa história, os investigadores viajaram até New Jersey e conseguiram uma entrevista com Henry W. Ruschmann, descendente do não tão famoso inventor, e o atual diretor da Meadowbrook Inventions.
O empresário então explicou que o imigrante alemão Henry F. Ruschmann trabalhava cortando filme para a Kodak, e ficou relativamente conhecido pelas suas habilidades. Foi essa fama que fez com que o governo americano entrasse em contato com ele, pedindo que ele trabalhasse com uma máquina de corte de precisão para um misterioso projeto financiado pelo próprio governo. Sua função seria cortar mica, um mineral que atualmente é muito utilizado como material de construção. Enquanto trabalhava nisso, Ruschmann começou a perceber que enquanto a mica estava sendo cortada, ela gerava pequenas partículas que cintilavam ao serem iluminadas, e foram essas partículas o primeiro glitter oficialmente comercializado. Ou seja, o glitter foi inventado por acidente durante o Projeto Manhattan, doido não?
Quem brilha afinal? O glitter e sua utilização na indústria
Agora que a gente já sabe a resposta de uma das perguntas, falta entender o “quem” da questão. Quais indústrias são as responsáveis pelo consumo do glitter? Infelizmente, a resposta é meio complicada. Partindo então do pressuposto que o glitter é formado por partículas de microplástico cortados por máquinas de alta precisão, é meio difícil estabelecer que o glitter precisa ser feito com um material específico para ser considerado glitter. Como definido por Babu Sheety, o atual CEO da Glitterex, “tudo o que produzimos pode ser considerado como glitter”, o que abre então diversas possibilidades.
Segundo um artigo escrito pelo próprio diretor da Meadowbrook Inventions, que também está listado na bibliografia, a empresa já produziu “glitter” para uma lista interminável de produtos. Barcos, acabamentos automotivos, pisos, papel de parede, pasta de dente, etiquetas, folhas laminadas, túmulos, baterias militares e até mesmo instrumentos musicais, como é o caso dos violinos Stradivarius. As máquinas da Meadowbrook também já foram utilizadas para outros usos, muitas vezes em contratos governamentais. Entre os produtos estavam materiais anti-radar, lascas de zircônio para controlar a queima de combustível sólido de foguete e fibras de ferro para freio de aviões. Já o glitter holográfico, inventado também pela Meadowbrook em 1967, é utilizado em cartões de crédito, cosméticos, passaportes e até em alguns papéis moeda ao redor do mundo. Resumindo: Tudo. Absolutamente tudo. É glitter.
A respeito do maior comprador da Glitterex, infelizmente ainda não há informações divulgadas na internet. Os investigadores, nos últimos segundos do vídeo, afirmam que já contrataram uma equipe de advogados para tentar quebrar esse segredo empresarial, e que caso descobrissem alguma coisa, postariam atualizações no canal do Youtube.
Enfim, mesmo que nem todas as questões tenham sido respondidas, acho engraçado pensar que muitas, e quem sabe se não todas, das teorias de conspiração estavam, em um certo grau, corretas. O mundo é realmente um lugar muito doido, e é bizarro que as coisas estão muito mais conectadas do que imaginamos. Apesar de querer terminar esse texto com uma grande reflexão e uma certa lição de moral – se é que há alguma – não acho que seja necessário. As coisas são o que são, e fato é que elas ficam muito melhor com um pouquinho de glitter, não?
Autoria: Victorya Pimentel
Revisão: Gabriela Veit e Enrico Recco
Imagem de capa: Seasunliner
Bibliografia:
Link para o artigo "What is Glitter?"
Link para o vídeo "The End of the Glitter Conspiracy"
Link para o artigo escrito por Henry W. Ruschmann
The Courier-News, p. 4, 1989. Disponível em: <https://www.newspapers.com/article/the-courier-news/30799065/>. Acesso em: 4 dez. 2023.
ZIMMERMAN, Edith. The Great Glitter Conspiracy of 2018. The Cut. Disponível em: <https://www.thecut.com/2018/12/who-is-the-mystery-glitter-buyer.html>. Acesso em: 4 dez. 2023.
The Glitter Conspiracy Theory: Who Is Taking All Of The Glitter? IFLScience. Disponível em: <https://www.iflscience.com/the-glitter-conspiracy-theory-who-is-taking-all-of-the-glitter-66761>.
MEERT, Katrien; PANDELAERE, Mario ; PATRICK, Vanessa M. Taking a shine to it: How the preference for glossy stems from an innate need for water. Journal of Consumer Psychology, v. 24, n. 2, p. 195–206, 2014.
WEAVER, Caity. What Is Glitter? The New York Times, 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/12/21/style/glitter-factory.html>.
The End of the Glitter Conspiracy. www.youtube.com. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=y08scEk59G0>. Acesso em: 4 dez. 2023.
The Discovery, Development of Glitter - Paper, Film & Foil Converter. www.pffc-online.com. Disponível em: <https://www.pffc-online.com/web-handling/167-roll-handling/16723-the-discovery-development-of-glitter>.
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