(Música para a leitura: precisa dizer?)
Eu estava conversando sobre música com uma amiga há algum tempo (a Ana Lívia, também redatora da Gazeta, por sinal. Um beijo, Ana!) e nessa conversa chegamos a uma conclusão interessante a respeito de nossos gostos musicais. Ela é de Teresina no Piauí, já eu sou puro paulista paulistano. Ela ama de paixão a inigualável Maria das Graças, Gal Costa para os íntimos, e eu tenho um vício quase preocupante na Rainha do Rock: Rita Lee Jones. Uma nordestina que ama uma nordestina, amiga de um santa ceciler apaixonado por uma mina da vila mariana. Rimos levemente frente a esse paralelismo musical tão regional e seguimos conversando. Poderia parar por aqui com semelhanças, mas minha história com titia Rita vai muito além de sermos dois rockeiros paulistanos.
Mas, antes de entrar nessa, primeiro é necessário falar sobre o porquê desse texto: há um ano estamos sem a radiante presença de Rita em nossas vidas. Acho que todos se lembram de onde estavam quando aconteceu. Pelo menos para mim, foi o acontecimento que definiu o resto do meu ano. Estava no meio da aula quando o meu celular apitou com a notícia, quase não acreditei, até saí da sala em puro choque com o que lia no jornal. Dois dias depois, fui ao velório no Planetário do Ibirapuera e por pouco não caí no chão quando vi que era verdade, uma pena que só não consegui ficar mais tempo. Tirei uma foto da lagoa artificial do parque nesse dia e sempre que a vejo, sinto um ar de nostalgia. Mas hoje é o dia em que co-memoramos a sua vida tão extraordinária e marcante para todo o mundo da música e para a história do Brasil. Hoje, nos lembramos da nossa Rainha do Rock, que mudou a vida de tantas pessoas, como a minha, trazendo à tona tudo de mais rebelde e rockeiro que existe em cada um de nós.
Curiosamente, minha família coleciona algumas histórias com artistas de nossa cultura: Cora Coralina era vizinha dos meus bisavós, fez os doces do noivado de minha avó. Sérgio Reis tocou violão pro meu pai e para sua família, aquela que tinha a primeira filmadora paraguaia, em meio às obras da Itaipu em Foz do Iguaçu. Tenho um tio-avô que dividiu um balcão de bar com Raul Seixas (rolou até um éter que meu tio, gentilmente, recusou). Sérgio Dias dormiu incontáveis vezes no sofá de minha avó. Mas nenhuma dessas histórias se aproxima do meu tio com a grande, a estrondosa, Rita Lee.
Antes de mais nada, falemos de você, Rita. Afinal, que dia melhor do que 22 de maio para falar de você? Explico a referência mais tarde. Rita Lee, paulistana quase de 1948, se não fosse esse seu jeito capricorniano independente e desprendido, nasceu em pleno 31 de dezembro de 1947. Embarcou na música cedo com aulas de piano com Magdalena Tagliaferro, uma das maiores pianistas do século XX, mas logo descobriu que o seu negócio mesmo era o “Roque Enrow”. Depois de algumas tentativas de bandas com amigos de escola, havia encontrado o seu lugar com os irmãos Baptista na banda Os Mutantes. A pequena bandinha de bairro deles acabou se tornando uma das maiores bandas do movimento Tropicália, do rock psicodélico e do rock nacional. Só. Até acabou por influenciar grandes nomes da música internacional como O Kurt Cobain (1).
Logo logo, porém, Rita acabou sendo a ovelha negra mais uma vez, pois devido ao seu esplendor absoluto, levou o seu ex a dar uma recalcada e decidir que Os Mutantes eram melhores sem ela mesmo. Cá entre nós, eu adoro Os Mutantes, mas Rita Lee é Rita Lee. Nas palavras da mesma: “Em vez de me atirar de joelhos chorando e pedindo perdão por ter nascido mulher, fiz a silenciosa elegante. Me retirei da sala em clima dramático, fiz a mala, peguei Danny (a cachorra) e adiós.” (2). Após um rápido dueto com Lúcia Turnbull pelo nome de Cilibrinas do Éden, as duas em conjunto com Luis Sérgio Carlini e Lee Marcucci formaram a eterna banda Tutti Frutti, a qual originou o álbum Fruto Proibido, o melhor de toda a sua carreira, na humilde opinião deste autor. Contando com sucessos como Agora Só Falta Você, Ovelha Negra, Esse Tal de Roque Enrow e Fruto Proibido, mas também o álbum inteiro é uma jóia rara por si só.
A partir daí, o nome Rita Lee ficaria estampado em lojas de discos do país todo (e até do estrangeiro, Rei Charles III é fã de carteirinha, acredita?) (3). Juntamente com o sucesso musical, durante seu tempo na Tutti Frutti, Rita conheceu um garanhão de alma maravilhosa, seu transcendental parceiro: Roberto de Carvalho. Já viu a entrevista dos dois? Dá até raiva de quão perfeitos são. Aqui nós entramos na fase mais proveitosa da carreira de Rita e de Roberto (juntamente com os pequenos Beto, Antônio e João), produções incríveis que moldariam o futuro da música brasileira. Essa fase trouxe um olhar mais livre para a música, mais independente e mais...bem, mais Rita Lee. Durante um tempo, houve até uma separação profissional (mas o amor continua, afinal, existe casal mais perfeito?) com Roberto, mas que de maneira alguma significou uma queda na qualidade ou na produção musical. Contudo, rapidamente aprenderam que separados era pior do que queijo sem a goiabada, e a dupla dinâmica retornaria para a turnê A Marca da Zorra, em 1995.
Interessantemente, bem nessa época, em uma pequena escola de música no meio de São Paulo City, um jovem tecladista chamado Fábio treinava suas cordas vocais exaustivamente. Na sala ao lado, um tal de Roberto de Carvalho também arranhava um pouco as suas, mas uma necessidade de um tecladista para sua turnê solo levou Roberto a bater na outra porta e perguntar “Topas?”. Dali um tempo, em um belo dia, estava Fabinho sentado em sua casa quando recebeu um telefonema com uma voz um tanto quanto familiar do outro lado, só que ele só costumava ouvir ela por meio de caixas de som. “Tô precisando de um tecladista, o Roberto falou que você até que manja. O que você acha?”, disse A Rita Lee Jones para o jovem Fábio Recco. E então, lá estavam eles, no meio da Zorra: Rita, Roberto e Fábio. Que trio, hein? Depois dessa turnê, vários outros shows vieram, entre eles, abrir para os Rolling Stones em São Paulo e no Rio de Janeiro.
No primeiro dia de show em São Paulo (bem em um 27 de janeiro, meu futuro aniversário) caiu uma chuva torrencial, a ponto que Rita e meu tio não conseguiram se apresentar. Meu tio quase perdeu todos os seus teclados por conta da chuva, mas uma madrugada desmontando-os e remontando-os acabou resolvendo os problemas, e eles se apresentaram sem falta nos dias 28 e 30 de janeiro. A impressão foi tanta que Mick Jagger moveu o show de abertura de Rita para mais próximo do show dos Stones, deixando as outras bandas convidadas, os Spin Doctors e o Barão Vermelho, para abrir o show da Rita, e só então é que viriam os Rolling Stones. A parceria entre Rita e Fábio durou mais algum tempo, mas infelizmente tudo tem o seu fim, e Fabinho seguiu o seu caminho, mas ganhou uma história para a vida.
Chegando nos anos da mais famosa Miss Brasil, os anos 2000 foram agitados assim como a própria Rita, mas também foram um sinal de que, por conta de sua idade, essa agitação toda de shows e ousadia teria de desacelerar. Em 2012, Rita fez sua última apresentação na frente dos palcos (e ainda deu um belo sermão na polícia que fiscalizava o show por lá, bem Rita) e tirando uma apresentação no aniversário de 459 anos de sua amada São Paulo, Rita Lee Jones se aposentaria dos palcos, mas ainda estaria por aí, comentando e escrevendo (não uma, mas duas autobiografias, porque Rita Lee é assim: “Vc ñ precisa me entender, basta me amar. Se ñ me amar basta me aceitar. Se ñ me aceitar dá unfollow e ñ se fala mais nisso”) (4). Durante esse período lançou duas grandes músicas: Reza (essa um pouco antes de deixar os palcos) e Change, já durante a pandemia, e composta em duas línguas diferentes! Contudo, na mesma pandemia é que Rita foi diagnosticada com um câncer de pulmão, que após remissões e ressurgências, no dia 08 de Maio de 2023, deixaria esse mundo um pouco menos livre, menos roqueiro e com certeza muito menos original, sendo o dia em que ele levaria ao falecimento de Rita Lee. Durante uma entrevista com a também icônica Fernanda Young, em seu programa Irritando na GNT em 2006, Rita comentou que até gostaria que dessem seu nome a uma pracinha depois de sua morte e, bom, como não pude fazer isso (ainda), dedico este espaço na Gazeta Vargas para você, Rita.
Mas se vocês estiverem atentos, ávidos leitores, perceberão que atrasei por alguns dias lançar esse texto, e agora explico o motivo. Rita Lee nasceu em pleno dia 31 de dezembro, logo nunca teve uma festa só sua, era sempre “hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser”. Mas para alguém tão memorável não só para a história da música nacional e internacional, mas também para a minha história de vida pessoal, nada mais justo do que dedicar um dia único e especial, assim como ela, por isso o dia 22 de Maio: dia de Santa Rita de Cássia. Um dia propriamente de Rita, que já conversou com a Santa, que agradeceu por ter a permissão de Lee para dividir o dia com ela (ouvi até dizer que rolou uns autógrafos celestiais, dona De Cássia afirmou se sentir honrada por ter o mesmo nome de Rita).
Esse deveria ser o final do texto, mas eu não acredito muito em término quando se trata de Rita Lee. Rita Lee Jones é o começo, o meio, e o fim. É a representação de tudo que há de mais incrível na música e uma das poucas pessoas verdadeiramente originais que tivemos. Falar de Rita, para mim, é muito mais do que somente falar de uma roqueira, é falar de uma infância rodeada por seus discos, é falar de uma história familiar que teria sido completamente diferente não fosse Rita. É falar da madrinha de casamento do mesmo Fábio Recco. Não sei se estou sendo egoísta, mas penso em Rita como uma tia de consideração, que ajudou a me criar juntamente com a minha família. Aliás, ela é tia, avó e mãe de mais da metade desse Brasil, sendo parte fundamental no crescimento de cada um de nós, que quando receberam a fatídica notícia naquele 08 de Maio, sabiam exatamente onde estavam…
Um brinde à Rita Lee! Que continua inspirando e formando gerações. Quando tiver os meus filhos, vou contar as histórias malucas de Sérgio Dias, Cora Coralina e Raul Seixas, mas a história de Rita Lee Jones vai ser a primeira e mais relembrada. Dona Santa, peço licença, mas dá um chega pra lá que agora esse é o dia da nossa Rita, da nossa Santa Rita de Sampa. Hoje a festa é, e para sempre será, sua, Rita.
(Rita e o meu tio Fábio em seu casamento; Roberto, Rita e meu pai, Marcio, no mesmo casamento e a foto da lagoa do Ibirapuera)
Autor: Enrico Romariz Recco
Revisores: Artur Santilli e Laura Freitas
Imagem da Capa: Ana Carolina Clauss
Referências:
2 - Rita Lee: uma autobiografia (2016)
4 - X (Twitter) – @LitaRee_real
Fotos - Acervo pessoal
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