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(IN)CERTEZAS


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Quantas certezas um ser humano pode ter? Quantas coisas podemos olhar e ter plena consciência de que estão exatamente como deveriam estar?

Talvez nenhuma. Ou talvez algumas poucas, que podem mudar conforme o tempo passa. Quando somos crianças, o mundo parece mais simples: o certo e o errado cabem em duas cores, as pessoas são boas ou más, e o amanhã é sempre uma promessa. É comum dizer que a infância é leve, porque as preocupações são menores, mas, curiosamente, é nessa fase que aprendemos o que é confiar, o que é esperar, o que é acreditar. Com o tempo, tudo isso se complica, pois a vida não é preto no branco e definida pela razão completa.

Os adultos dizem que “os jovens não sabem de nada”.  No entanto, quanto mais envelheço, ou, se preferir, amadureço, menos certezas eu tenho. Quando cheguei à maioridade, há três anos, eu acreditava conhecer meu caminho: sabia quem eu era, o que queria para o meu futuro, no que acreditava e quem eram as pessoas ao meu redor. Hoje, tudo isso parece se dissolver lentamente a cada dia que passa. Já não reconheço os olhos que me observam no espelho e não sei a ideologia de metade dos meus amigos mais próximos. Às vezes, sinto que sou cinquenta versões diferentes de mim no mesmo dia. Uma para cada situação, uma para cada expectativa, uma para cada sonho e ideia. É cansativo se reinventar tanto e, ao mesmo tempo, nunca se sentir completa.

Penso, às vezes, se uma simples mudança, como escolher outra linha de metrô ou atravessar uma rua diferente, já seria suficiente para fazer de mim outra pessoa. As incertezas me cercam de um jeito que vai além dos “e se…?”. São dúvidas que nascem de experiências reais, já vividas, mas que deixaram em mim uma sensação de distância, como se eu as tivesse apenas assistido, e não vivido. Há momentos em que não sei se fui eu quem tomou certas decisões ou se apenas assisti à minha própria vida acontecendo, como em um filme no qual o roteirista já não tem mais controle sobre a caneta que escreve as palavras do roteiro e a câmera filma sem um diretor gritar “ação!”.

Em inglês, há uma palavra que gosto muito: closure. O dicionário de Cambridge a define como o ato ou a sensação de pôr fim a uma situação, a um momento ou a uma experiência desagradável, permitindo seguir adiante. É um termo bonito, quase terapêutico. Mas eu já encerrei tantos capítulos da minha vida sem sentir closure algum. Se a certeza está nos fins, por que alguns sentimentos não desaparecem? Por que há histórias que acabam, mas ainda ecoam dentro da gente como se nunca tivessem terminado?

A verdade é que a incerteza me assombra. Minto, acho que assombra todo mundo. Não sou a única que passa noites em claro, rolando na cama e pensando no futuro com um nó no estômago. Mas, pensando bem, isso nem é incerteza, é ansiedade. A incerteza é outro sentimento. Ela não vem como um ataque repentino; ela se instala, silenciosa, e te acompanha. É companheira de longa data. Sussurra dúvidas no ouvido, observa suas escolhas, coloca pequenas pedras no caminho só para ver se você ainda acredita no próprio passo.

E, por mais paradoxal que pareça, há algo de bonito nisso. A incerteza é o que nos mantém em movimento. É ela que faz a gente questionar se o que vive é o que quer viver, se o que acredita ainda faz sentido, se as pessoas que estão ao redor realmente são justas e se nós mesmos nos conhecemos. Sem dúvida, não haveria mudança, não haveria busca. Já pensou que, se a dúvida nunca tivesse aparecido, talvez você nem estivesse lendo este texto hoje?

Talvez a beleza da incerteza esteja justamente em sua recusa em morrer. Ela é o lembrete constante de que estamos vivos, em processo, em transformação. O ser humano que precisa ter todas as certezas se fecha para o acaso, para o risco, para o novo. Não há controle sobre o que se encontra, sobre quem cruza nosso caminho, sobre o tempo em que as coisas chegam. O acaso tem um modo estranho de costurar o que parecia perdido, de nos colocar nos lugares certos por motivos errados. É  justamente o incerto que nos obriga a continuar caminhando, mesmo sem mapa, mesmo sem saber o destino. No fundo, pedir é um ato de coragem. É admitir que você ainda quer. Que, apesar das dúvidas, ainda acredita que pode ser diferente desta vez. É aceitar o acaso como aliado e não como inimigo, confiando que talvez desta vez, só talvez, algo esteja trabalhando a seu favor.

A morada de um tipo raro de confiança: a de que o que é verdadeiramente seu te encontrará, mesmo que leve tempo, mesmo que venha por caminhos que você ainda não entende. Há coisas que o tempo adia apenas para que possamos reconhecê-las quando enfim chegam. No fim das contas, talvez não exista closure completo, nem uma resposta definitiva para quem somos ou quem deveríamos ser. Talvez viver seja justamente isso: aceitar que algumas perguntas ficarão abertas, que alguns sentimentos nunca se apagam, e que o futuro, por mais nebuloso que pareça, continua a nos chamar. E, no meio de tudo isso, há uma fé silenciosa: não na certeza de que tudo dará certo, mas na incerteza de que, de algum modo, tudo fará sentido.


Autoria: Andressa Scappini 

Revisão: Sarah Barros

Imagem: Pinterest

 
 
 

2 comentários


Natalia Rorato
Natalia Rorato
há um dia

Amei♥️

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Natalia Rorato
Natalia Rorato
há um dia

Me identifiquei muito, é muito bom ver pessoas que não são cruas

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