
De um peito verde, preto e branco
Jogo-me à moral dos assassinos
Que, gritando morte e dor e rindo,
Pedem pelo amor do homem santo
Pedem pelas mães e pelas crias
Por uma alvorada majestosa
Pedem, do vermelho, cor-de-rosa
Como quem desbota uma sangria
Como quem desfila em retalhos
Alegando, claro como o dia,
Que, de suas chagas e estrias,
Beija-lhe a memória, o conforto
E os leões no pasto vão à caça
Riem as hienas nas esquinas
Longe da gangrena e da chacina
Brindam pelo amor e pela graça
E no meio, eu procuro e perco
Toda a euforia da bravura
A ruir perante a loucura
A perder-se e revelar o medo
A perder contorno e postura,
A ser nada mais que um discurso,
A dizer que colocou em curso
Mais um manequim de adereço
Da fagulha, faz-se o brando fogo
Qual me fez sorrir em devaneio
Antes da penúria e do receio
Veio revelar, da carne, o osso
Sangue que escorre pela pátria
Dela é que se fez meu organismo
Antes malformado em meus abismos
E, sem cor nem cara, me pereço
Puxa-se o ferrolho que oblitera
Lança o denso chumbo, o canhoeiro
Todos, ao melindre do descanso
Perdem os seus nomes com a guerra
Perdem a linhagem do equilíbrio
E fazem nascer desconfiança
Quando a muda fez uma criança
Que diz ser amor, mas é conflito
Quando a carne corta com a lança,
E reconstitui-se diferente,
E faz pele dura e resistente,
Torna em pedra bruta, gente mansa
E no fim de toda a odisseia
O arco celeste pinta o púrpura
Temperando a terra como cúrcuma
Sobra, para o morto, uma ideia
No pertencimento da penumbra
Pretas aves pousam sobre os colos
Calam sob o solo, a esperança
E a oitocentas milhas de distância
Fez um general em um tablado,
Sem suor nem choro, uma lambança
Autoria: Rodrigo Ferreira
Revisão: Anna Cecília Serrano e Luiza Parisi
Imagem de Capa: Jogo de Damas, Pinterest
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