Para mim, era só uma sexta-feira, um pouco menos casual do que as outras sextas-feiras. Meu interesse era de observar, apenas. Sempre tive curiosidade sobre as pessoas, e sempre me vi a uma certa distância da maioria dos pontos de vista, gostos particulares, orientações naturais e artificiais do ser humano e demais características de outras pessoas. Me sentindo, como de costume, imerso numa zona solitária na qual encontro, simultaneamente, conforto e ansiedade, me propus o experimento de sair sozinho. Fui a um bar em horário de movimento, já quando enchia de clientes, por volta das 19:30, e pedi uma cerveja, chopp, com colarinho alto. Sentei-me em frente ao balcão.
Por trás de mim, algumas brisas esporádicas quando passava-me uma pessoa qualquer eram sentidas. Interessadas em tópicos de conversas incidentais, iam e vinham ao banheiro enquanto calculavam comentários inteligentes ou engraçados para lançarem quando retornassem às mesas e banquetas. Preocupados com suas imagens e com as dos outros, se distraíam. Na tímida pista de dança, como uma clareira radioativa onde ninguém ainda se lançou, círculos de LED projetavam-se em interposição, dançando em movimentos translativos e bidimensionais num certo padrão, como uma hipnose. Era um ambiente escuro, mas cintilante, colorido. Mais aconchegante, ao passo que era mais exposto. Bem contraditório, e tão interessante. Por que é que aquilo era tão divertido para pessoas adultas? As crianças também se atraem por cores e barulhos, piadas e bobeirinhas. A gente só faz o mesmo em modelos diferentes, fingindo para dentro e para fora que não somos apenas crianças tolas e ignorantes ao vasto universo ao nosso redor. Exigimos e demandamos respostas, e nunca as obtemos, mas defendemos as “verdades” que descobrimos.
Enquanto minha cognição me levava por esse caminho, fui interrompido. Um homem de aproximadamente quarenta anos veio examinar a pista de dança. Andou para lá e para cá, varreu os olhos por tudo ao redor e pareceu constatar, quando abaixou e esfregou a ponta do indicador em um ponto específico, que havia um buraquinho. Sinalizou para alguém um movimento de “retirar”, unindo, sobre sua cabeça, uma mão aberta a outra fechada, fazendo com a aberta um movimento de pegar, a fechando, e, depois, separando-as. Então, andou até o operador da mesa de som e pareceu cochichar uma sugestão, ao que o funcionário pareceu relutar, em princípio. Apontou o homem para o mesmo lugar para o qual fizera o gesto de retirar, levantou as mãos com as palmas para cima, arqueando os ombros, como uma linguagem corporal apelativa, e novamente argumentou, ao que o outro cedeu. O homem retorna à sua mesa, posta atrás de outros grupos de gente, onde minha visão não colhia imagem.
Curioso com o empenho do sujeito para o que quer que fosse seu objetivo final, me vi inquieto. O chopp havia acabado, pedi mais um, e uma porção de dadinhos de tapioca recheados com geleia de pimenta vermelha. Eu não estava me divertindo, mas, também, não saí de casa para isso. Pensei sobre as pessoas que desejam impor aos outros suas músicas e seus gostos, pensei nas pessoas que discutem, entre si, ofensas e sujeitos externos a essas conversas, pensei no ódio alimentado e em quão pouco se pode confiar em qualquer pessoa, e pensei em outras coisas ruins. Novamente, agora, meu fluxo de pensamento foi interrompido pelo homem-analista-de-pista-de-dança. Tão distraído por seu retorno, demorei bons dois segundos para notar uma figura feminina, uns vinte centímetros mais baixa, de mesma idade, vestindo branco — ele usava preto. Camisa simples, Jeans Color, saltos de couro legítimo. Quando meus olhos ali chegaram, vi que seus pequenos pés estavam nus, pois que ela carregava os saltos na mão direita (era isso, então. Não poderia haver buracos para que ela não se machucasse, pensei).
Abraçaram-se os dois, a sós ainda, na pista de dança. A música iniciou pouco antes que eles começassem. Foram espertos, não queriam atenção de muita gente, então souberam que, ao colocar a primeira das muitas da lista de músicas da mesa de som, as pessoas virariam seus rostos e a estudariam, para depois retornarem às distrações de suas conversas. Então, dessa distração em diante, a canção escolhida seria mais “deles” como canção em si, e menos dos outros, como conteúdo, espetáculo, vídeo curto. Foi o que pensei. Grudaram-se em uma forma única e dançaram de um lado a outro, lentamente, e de olhos fechados. Nada foi dito, e umas duas cabeças prestavam atenção, outras cinco, outras oito, de forma intermitente, mas nunca contínua. Eu não tirei os olhos daquilo. A música seguinte fazia parte de outro conjunto, mais animada como todas as que seguiram, e os azulejos preto e branco foram-se enchendo de danças animadas, aleatórias e divertidas, e o casal se retirou dali.
Sorriam, agora, num canto do estabelecimento, com uma fraca luz amarela a iluminar parte de suas faces. Dele, o lado direito. Dela, o esquerdo. Conversavam e riam de forma tão natural e genuína que penso que nenhum outro ser ali naquele momento realmente se divertia mais do que aquilo. Eventualmente, trocavam carinhos e beijos, comiam juntos e levavam colher e garfo à boca do outro, fazendo de tudo no lugar um pretexto para conectarem-se profundamente, sem que nada ali fizesse sentido sem a presença do outro, mesmo quando, aparentemente, ambos sabiam o prazer das pequenas coisas da vida. Assim ficaram sem ver o tempo passar, e eu, de espectador naquele universo deles, os observava como uma ave de rapina num galho alto, imóvel e imperceptível, e feliz. Não com fome, não com raiva, só uma felicidade genuína de saber as coisas que importam no mundo.
Passaram mais duas horas e, ao todo, servi-me de outros quatro chopps, uma porção modesta de amendoim picante e um prato de salgadinhos sortidos. Retirei-me com eles, andei para casa com o rosto para cima, para o alaranjado-azul por entre as alvas nuvens a anunciarem o fio crepuscular aposentando a luz celeste. Entristeci-me quando percebi que as lindas estrelas se escondiam, ofuscadas pelas luzes urbanas, mas abri um sorriso quando cheguei em casa, sabendo que há no mundo lindas formas de amor, e debulhei-me prantos, apenas brevemente, numa outra, ainda mais forte, expressão de felicidade.
Autoria: Rodrigo Ferreira
Revisão: André Rhinow, Manuela Sanches Ferreira, Ana Carolina Clauss
Imagem de Capa: Puung (cartoons)
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